segunda-feira, 23 de junho de 2014

Aurora: Capítulo 18 - Selvagem e Impiedosa


AURORA
CAPÍTULO 18 - SELVAGEM E IMPIEDOSA

 Dos vinte e dois territórios atualmente pertencentes à jurisdição da raça humana, Arasteus era um dos menores e mais pobres. Fincado entre um ninho de divisas naturais por todos os lados, era difícil construir as cidades necessárias para uma expansão econômica, visto que extrair matéria-prima de suas reservas era dificultado pela série de burocracias impostas pelas raças mais ligadas à natureza, como os elfos e os entes. E não havia muito espaço sem uma área ambiental. Ao leste e sudeste, ficava o Mar de Cellintrum, banhando a cidade de Helleon. Ao sul e sudoeste, a Floresta de Hyannien se alongava. Pelo nordeste ficava a Estrada Verde e a divisa com os territórios reptilianos, enquanto que ao norte e noroeste a floresta marcava a divisa desta vez com os anões, que compartilhavam nas Montanhas de Tina uma das únicas fontes de renda de Arasteus, a extração de ronatto. Já no resto, cobrindo o interior e o oeste da região, existiam os Corredores de Pedra.

 A existência de uma região desértica, com o chão ressecado e vegetação arbustiva, no meio de duas florestas tropicais era algo completamente inimaginável em circunstâncias normais. A questão era que os Corredores de Pedra eram frutos de um acidente causando pela Yullian, a substância dotada de habilidades especiais que circundava o planeta. Durante a Guerra da Fronteira, um humano chamado Arasteus entrou em combate com uma legião de demônios naquela área, e o resultado dessa luta havia causado uma faixa arenosa no meio de uma abundância verde. Algum tempo depois, quando a guerra mudou de fase, a Aliança decidiu povoar a região com espécies próprias ao sertão ali criado, trazendo um pouco de vida à região. A fundação desse ecossistema planejado foi o suficiente para que os Corredores de Pedra assegurassem sua existência não-natural.

 Não que essa história importasse muito aos membros da Aurora, naquele momento enfurnados em uma carroça que ia lentamente em direção à capital de Arasteus, Wildest. O veículo atravessava quilômetros e quilômetros da mesma paisagem abóbora e monótona, balançando ao menor deslize da estrada. Dalan estava na janela do carro, com a cabeça apoiada na janela e o braço balançando distraidamente no lado de fora, fixando um olhar morto.

 - Cuidado com os cactos. - Alertou Amanda, sorrindo. Ela estava sentada ao seu lado, com o pescoço apoiado no encosto de braços do banco e as pernas esparramadas em outros bancos adjacentes. Suava em baldes, mas isso não parecia afetar seu humor característico.

  - Ou com os assaltantes. - Completou Wieder, virando a página de seu livro. Seu assento era de frente à eles e ao lado de Sasha, que naquele momento dormia profundamente. Com exceção dos quatro, a carroça estava vazia. - Vários ladrões montados costumam roubar as carroças nos Corredores de Pedra. E não há polícia que os segure.

 - Desde que eles me tirem daqui, vou sem luta. - Disse apaticamente Dalan, se decidindo entre o vento quente do lado de fora e o ar morno e parado dentro. - Esse calor não pode ser dos deuses.

 - Culpa sua ter vindo com roupas escuras. - O garoto havia vindo com seu uniforme, os trajes negros e longos com que chegou na Aurora. Não parecia ter sido a melhor das idéias agora. - Além do mais, já devemos estar chegando. Deixa eu ver! - Ela se esticou por cima do rapaz, espremendo-o contra a madeira quente.

 - Amanda, Amanda, Amanda, Amanda, Amanda! - Suplicou ele, tentando se afastar do material com todas as suas forças. A companheira, por sua vez, continuou onde estava.

 - Olhe lá! Eu disse que estávamos chegando em Wildest! - Exclamou. Dalan conseguiu se desvencilhar, irritado, mas olhou na direção em que a garota apontava. De início parecia mais um dos inúmeros vilarejos de beira de estrada que haviam passado no caminho, mas um segundo olhar transmitiu a real magnitude da cidade à frente. O mar de prédios e casas cobria até onde a vista alcançava, se agigantando nos Corredores de Pedra. Aquela era a capital, e tinha o tamanho necessário para tal posto.

 Conforme a carroça se aproximava, os detalhes arquitetônicos ficavam mais visíveis. As ruas eram bastante amplas, compostas de terra batida e calçadas de madeira, se estendendo até onde a vista alcançava. As casas também eram compostas de madeira, material abundante nas florestas ao redor da região, e possuíam sempre um segundo andar, no mínimo. Os habitantes daquela cidade preferiam passar seu tempo dentro dos aposentos, protegidos do sol impiedoso, tornando as calçadas vazias e silenciosas. Por outro lado, os bares e bordéis, estabelecimentos bastante comuns na capital, eram apinhados e animados. De vez em quando uma pessoa era atirada pela janela, e quando a carroça se aproximou de uma espécie de cassino, dois homens foram esfaqueados bem em frente às portas duplas, em plena luz do dia. Amanda se recolheu no interior do carro enquanto que Dalan não conseguia tirar os olhos daquela situação. Wildest fazia valer por sua fama de selvagem e impiedosa.

 Desembarcaram quase no centro da cidade, em uma área mais movimentada. Ali dezenas de pessoas se espremiam por um saguão estreito, metade querendo sair da estação e a outra metade tentando entrar. Os membros da Aurora, observando aquela confusão do terminal onde a carroça havia parado, tentaram contornar aquele mar de gente e seguiram com algumas pessoas por um corredor lateral.

 - Por aqui não. - Ordenou Sasha, estancando e esticando o braço para o lado. Os outros a encararam confusos, enquanto que o restante das pessoas seguia adiante. A garota deu as costas, obrigando os companheiros a seguirem-na, apenas para ouvirem um grito alguns segundos depois. - Ladrões. Essa cidade está infestada deles até o talo. Recobrem a atenção e me sigam. - Dalan olhou para trás, engolindo em seco.

 Com árduo esforço, os quatro conseguiram atravessar a multidão e sair para as ruas. Lá fora, o movimento diminuiu bruscamente. Algumas pessoas caminhavam apressadamente, olhando de forma nervosa para os lados e segurando seus bens contra o corpo. Sasha liderava seus companheiros, de olhos bem abertos nos arredores. Dalan a acompanhava, nervoso, enquanto que ao seu lado Amanda murmurava animadamente. Wieder, por sua vez, observava os prédios descontente.

 - Vocês humanos tem um péssimo gosto arquitetônico, sabia? - Comentou em voz baixa o anão para Dalan, depois de verificar se Sasha estava distante demais para escutar. - Nada em vocês é homogêneo. Não há um padrão que a sua raça segue, nada que destaque suas obras no geral. Tudo é feito de forma adaptativa em relação ao ambiente. Já viu construções faéricas? - Perguntou ele, estendendo a mão para o imaginário. - Élficas? Até mesmo anãs? Em cada lugar do planeta elas dividem características em comum, mas os humanos são os únicos que não fazem isso.

 - Tem gente que aprecia. - Disse o rapaz, olhando para os prédios. Realmente, não vira nada parecido em Helleon ou outras cidades humanas. - Esse lance de sempre ter algo diferente nos territórios.

 - Quem gosta disso é caótico, ouça o que eu estou dizendo. - Alertou Wieder, apontando o dedo para o companheiro. - Não são pessoas confiáveis. É gente que não teve limites na infância. - Dalan riu, esfregando o suor da testa.

 O calor findou qualquer conversa futura, torturando o quarteto da Aurora. Até mesmo o vento era quente, lançando baforadas que pareciam vir do próprio inferno. A única que não parecia se abalar com isso era Sasha, que simplesmente dobrou as compridas mangas de sua camisa e caminhou como se estivesse em temperaturas aceitáveis. O suor nem sequer manchava suas roupas. Eis que, passados alguns minutos, ela parou. Estavam em uma rua longa, cujo fim era um grande prédio de três andares e longa extensão, guardado por um sexteto de homens nas portas duplas.

 - O.K, precisamos nos preparar. - Ela levou os companheiros até uma varanda próxima, onde estariam piedosamente protegidos do sol. A garota se apoiou na bancada enquanto que os outros limpavam o suor em excesso, tentando se acomodar. - Como vocês sabem, nossa missão é garantir que uma caverna na beira da cidade está vazia. O problema é chegar até lá. - Olhou para eles, como se esperasse alguma resposta. Como não recebeu nenhuma, cruzou os braços e afastou a maria-chiquinha do ombro. - Wildest sempre foi uma cidade violenta. Tanto que a própria polícia da Aliança nunca conseguiu ter algum controle. Alguns anos atrás, encontraram uma resposta teoricamente provisória para isso. Milicianos.

 - Milicianos são uma espécie de guilda que é responsável por uma área específica. - Explicou Sasha, tendo consciência de que nem todos ali tinham ouvido falar sobre isso. - A diferença é que, além de não serem ligados a um Conselho Local, eles têm autorização para combater crimes. A Aurora, por exemplo, só tem permissão de fazer isso caso aceite uma missão para tal. Caso contrário, seremos taxados de vigilantismo. - Ela ofereceu mais um longo olhar para eles, como se os advertisse a nunca sair das regras citadas.

 - Que eu saiba, Wildest tem nove organizações milicianas funcionais em seu território. - Comentou Wieder, apoiado na parede. Amanda olhou para o prédio, como se esperasse que alguém viesse abordá-los.

 - Sim, e todas são corruptas até o osso. - Completou Sasha. - Não se iludam. Tudo o que os milicianos querem é que a polícia não tenha forças na cidade. Depois disso, podem fazer o que quiserem sob a máscara de salvadores da população.

 - Então o que viemos fazer aqui? - Perguntou Dalan um pouco nervoso, apontando com o dedão para o prédio. - Aqueles são milicianos? Vamos ter que derrubá-los?

 - Dalan, o que eu acabei de dizer sobre combater crimes? - Disse Sasha, com o cenho franzido. - Só faremos isso caso recebamos uma missão. Viemos em paz hoje. A caverna que queremos ir está no meio do território dos Libertadores, e vamos pedir permissão para acessá-la.

 - Vamos pedir ajuda a eles? - Se indignou o rapaz. - Eles não são os bandidos? Não deveríamos estar do mesmo lado, deveríamos no mínimo tomar distância!

 - Eu já falei uma vez a você que quando estamos em missão, devemos cumprir a missão. - Advertiu a garota por entre os dentes. - E faremos isso a qualquer custo. Entendeu?

 - S-sim... - Recuou Dalan, intimidado. A ideia de se aliar com bandidos era desprezível, mas a companheira tinha razão. Estavam em uma missão, e deveriam terminá-la.

 - Ótimo. - Disse a garota, se virando para o anão em seguida. - Wieder, eu não confio neles o suficiente para entrar no prédio com toda a nossa força. Fique aqui na cobertura, entendido? - Ele concordou com a cabeça, e Sasha chamou o trio para que seguissem adiante. Voltaram ao sol forte, e os guardas à frente se alertaram pela aproximação dos membros da Aurora. - Prestem atenção. Pelo que eu sei, o líder dos Libertadores é um homem bastante preconceituoso e instável. Ele pode agir assim conosco, então peço que tenham calma e não façam nada que eu não autorizar antes. E isso conta em dobro para você, Amanda. - A garota levantou as mãos e fez um beicinho.

 Quando chegaram na porta do prédio, foram cercados por quatro guardas vestidos de branco com chapéus de aba longa. Eles portavam adagas, com as quais apontavam para os garotos. - Perdida, garotinha? - Perguntou um deles em voz zombeira para Sasha.

 - Na verdade, não. - Disse a garota com a voz calma, se adiantando um passo. Os guardas levantaram as armas, e Amanda prendeu a respiração. - Vim falar com seu chefe. Ele já nos espera.

 Um dos homens cochichou algo para o outro, que entrou no edifício. O restante ficou onde estava, cercando o trio da Aurora. Sasha continuava impassível, com a ponta de uma adaga a centímetros de seu pescoço. Dalan observava a situação com o nervosismo exalando pela pele junto com o suor. Na situação em que estavam, era aparentemente três contra três. Uma olhada descompromissada na janela negou essa presunção, pois outros quatro guardas estavam atentos no andar superior. Pra quê vieram ali, se perguntou o garoto com o sol aquecendo seus cabelos. Como se já não estivesse desconfortável o suficiente.

 Finalmente o miliciano voltou, e cochichou no ouvido do homem com quem havia falado anteriormente. Este acenou a cabeça, convidando os garotos a entrarem. Lá dentro eram acompanhados por quatro guardas, que os direcionavam através de corredores estreitos e sujos. Dalan conseguiu ver uma mulher bêbada através de uma das portas, e o cheiro de álcool os seguiu por diversos metros. Pequenos barulhos de vidro quebrando e pessoas rindo pontuavam a procissão silenciosa. O nervosismo do garoto ia aumentando a cada passo.

 Chegaram a uma porta no último andar, e foram intimados a entrar. Lá dentro, o cheiro e a fumaça do cachimbo causaram uma imediata reação de Amanda, que tossiu com força. Através da névoa espessa, percebia-se que o aposento era amplo e em sua maioria vazio. Havia apenas uma mesa perto da parede, e uma figura sentada em uma cadeira atrás dela. O ambiente minimalista contrastava com o clima caótico do prédio e até mesmo da cidade, dando àquele lugar um tom quase místico. Sasha seguiu na vanguarda, parando bem em frente à mesa. - Senhor Jones, eu suponho. - Disse, com a voz um pouco embargada pela fumaça.

 - Não está errada. - Disse a voz aguda do homem na cadeira. Quando Dalan se aproximou, conseguiu enxergar sua fisionomia. Deveria ter uns cinquenta anos, embora a aparência fosse de alguém próximo à morte. A pele pendia dos ossos do rosto, como se o velho estivesse derretendo. Seus olhos eram vermelhos e a boca um traço, onde havia um cachimbo pendurado. Ele vestia um terno cinza, alheio ao calor dos Corredores de Pedra, e encarava sem sentimentos os garotos. - A que posso ajudá-los? - Perguntou, dando mais uma tragada em seu cachimbo.

  - O senhor deve ter... - Começou Sasha, mas o velho balançou o dedo negativamente, sorrindo.

 - Senhor não. Mudei de ideia. Majestade. - Interrompeu Jones, se reclinando na cadeira. - Afinal, estou no centro de meu império. - Anunciou ele, estendendo os braços e olhando ao redor. Dalan sentiu algo gélido descer pela garganta. Havia algo na voz daquele homem que denotava profunda insanidade. Ele riu, fazendo com que os pelos nas costas do garoto se arrepiassem, e voltou a apoiar os cotovelos na mesa. - Estou esperando.

 Sasha corou, e engoliu em seco para aguentar aquela situação. Colocou as mãos às costas, onde começou a torcê-las sem que o velho pudesse ver. - M-majestade Jones... - Disse ela por entre os dentes, cada sílaba um sofrimento. - Creio que recebeu uma mensagem minha mais cedo.

 - De correio aéreo, não? - Perguntou Jones, largando um pouco o cachimbo para tomar uma bebida de um copo de vidro à sua mesa. - Sim, eu recebi. Mandei alguns homens meus para o terminal, de forma a recebê-los, mostrar a minha compaixão... - Ele bebeu um longo gole, e bateu o copo com força na mesa. - E vocês me aparecem com um maldito anão. - Amanda respirou fundo, e Dalan a olhou alarmado. Sasha não pareceu reagir, mas suas mãos estava viradas para os companheiros, espalmadas. Não façam nada, diziam elas. - O fato de dividirmos fronteiras com essa raça imunda me enoja. Profundamente. Deveriam saber disso.

 - Senhor, eu... - Começou a garota, tentando voltar ao assunto da conversa, mas o velho explodiu.

 - EU DISSE MAJESTADE! - Gritou ele, jogando o copo na direção de Sasha. Por sorte Jones errou, e o objeto explodiu na parede. O líquido âmbar escorreu pela madeira, e seu odor se misturou à fumaça do cachimbo. - QUEM ACHAM QUE SÃO, HEIN? SURGEM NA MINHA CIDADE COM UM SER INFERIOR? É ISSO?

 - Majestade Jones, peço que mantenha a calma. - Disse calmamente Sasha, embora seus batimentos cardíacos estivessem dançando. Ficou de ouvidos atentos a qualquer movimento na porta, indicando a vinda de guardas, e rezou para que seus companheiros não se agitassem. - Nós...

 - Está me mandando ter calma? - Perguntou o velho em voz baixa, se levantando. Para alguém tão visivelmente acabado, ele se movia de forma ágil e suave. Deslizou até ficar de frente à garota de cabelos azuis. Era mais baixo que ela, o forçando a inclinar a cabeça para cima. - Em meu escritório? É isso mesmo? - Perguntou mais baixo, passando a mão pelas maria-chiquinhas dela. As mãos de Sasha continuavam espalmadas, mandando Dalan e Amanda ficarem no lugar. - Quem acha que é, sua putinha?

 Aquilo estava saindo do controle, pensou o garoto da Aurora, olhando para Amanda. Ela retribuiu com os olhos arregalados, mas se manteve imóvel. Sasha vai resolver isso, tentava dizer telepaticamente. A garota em questão tentou não oferecer nenhum sinal de nervosismo, até porque não tinha medo de Jones. O problema eram os guardas do lado de fora. - Se... Majestade. - Se apressou em se corrigir. - Nós só viemos pedir acesso à Caverna dos Reclusos. Só. Isso.

 - Caverna dos Reclusos, é? E se eu não deixar? - Ele puxou os cabelos da garota com força para baixo. A cabeça dela pendeu um pouco para o lado, e suas mãos se cerraram. Calma, disse ela para si mesma forçando o rosto a ser manter imutável. Sem reações bruscas. - Hein? O que acontece se eu não deixar? - Sussurrou Jones em seu ouvido.

 - Creio que possamos resolver isso sem nenhum problema, majestade. - Sugeriu ela com o rosto vermelho. A humilhação daquela situação a queimava por dentro, tentando ao máximo não socar o velho até seus dentes caírem. A missão, pensava ela. A prioridade é a missão.

 - Não, eu não acho. - Ele sacou uma faca de seu colete, e mirou no estômago de Sasha. A garota, atenta, saltou para trás e os companheiros se adiantaram para ajudá-la. - Acham que podem vir aqui com um anão e ainda me cobrar ajuda? Em meu império? - Disse Jones, com os olhos ensandecidos. - GUARDAS! PRENDAM-NOS!

 - Acho que isso não foi uma boa ideia. - Disse Dalan, observando alarmado dois homens entrarem na sala, com armas em riste.

 - Cale a boca. - Mandou Sasha, puxando a faca do velho e atirando-a contra os atacantes. O cabo da arma acertou a têmpora de um deles, que caiu desacordado. Amanda se adiantou e conjurou seu poderes. A fumaça indicou a mudança do ar, que se impeliu contra o homem remanescente. Ele foi jogado para o lado, contra a porta aberta, e Dalan saltou para congelar seu rosto.

 - GUARDAS! GUARDAAAS! - Gritou a todos os pulmões Jones, e Amanda se adiantou para silenciá-lo. Sasha no entanto segurou sua mão, correndo em direção à saída. Ela puxou Dalan pelo colarinho e saiu no corredor, olhando para os dois lados.

 - Precisamos fugir. Agora! - Disparou para a direita, se encontrando em outra bifurcação. Haviam quatro guardas vindo de um lado, fazendo com que ela corresse pelo outro. Dalan derrubou os móveis para criar obstáculos, enquanto que Sasha virava uma esquina para se aproximar das escadas. Quase lá, pensou ela, até que viu vários homens correrem no andar inferior, subindo os degraus.

 - Por aqui! - Alertou Amanda, abrindo uma pequena porta na parede. Os três entraram apressados, se vendo em um armário de faxina. Através dos rodos e baldes, conseguiram se ajeitar em desespero. Do lado de fora, os guardas se organizavam.

 - Cerquem o prédio e vasculhem todos os andares! Andem! - Gritou uma voz masculina. O trio ficou em silêncio, rezando arduamente, até que os passos se afastaram. Dalan respirou um pouco mais aliviado, embora não se iludisse. O fogo havia diminuído, mas ainda estavam na panela.

 - O que faremos agora? - Perguntou Amanda, espremida na parede. O cérebro do companheiro funcionava a todo vapor, considerando suas poucas opções.

 - Sasha, você precisa sair. - Disse o rapaz, lembrando-se de algo. - Wieder está lá fora, à solta com esses racistas, e você é a única que consegue sair daqui sem maiores problemas. - Disse ele, encarando a garota.

 - O quê? - Se indignou ela, franzindo as sobrancelhas. - Não irei abandonar vocês na situação que eu criei. Eu já te disse naquela caverna em Vertreit, Dalan, nós não deixamos ninguém para trás!

 - Mas eu... - Tentou dizer o garoto, mas Amanda colocou a mão em seu ombro, o interrompendo.

 - Sasha, preste atenção. - Disse ela com uma voz calma, também encarando a companheira. - Temos que nos lembrar do motivo de virmos a Wildest. Precisamos descobrir se aquela caverna está vazia, e só poderemos fazer isso caso você saia daqui. Pela Aurora, lembra? - Perguntou, contorcendo o rosto em uma expressão de misericórdia. A outra garota desviou o olhar, respirando rápido.

 - E vocês? - Perguntou ela depois de algum tempo de reflexão, de olhos arregalados. - Como vão sair dessa? - Amanda apoiou o cotovelo no ombro de Dalan, sorrindo e estreitando os olhos.

 - Vamos achar nosso jeito. Agora vá. - A garota abriu a porta, convidando Sasha a sair. Ela olhou mais uma vez para os dois e disparou pelo corredor. Amanda suspirou aliviada, se afastando de Dalan. - Dica. Se quiser um dia convencer Sasha a fazer qualquer coisa pra você, diga que é o único jeito de cumprirem alguma missão. Ela tenta fazer parecer que nós somos a prioridade, mas quem a conhece sabe a verdade. - Ao dizer isso ela sorriu, aproveitando o rosto admirado de Dalan.

 - Bem, eu tenho que dar o braço a torcer. - Admitiu ele, impressionado pela maneira com que Sasha havia sido manipulada. - Só que... e a gente? - Perguntou, encolhendo os ombros. - Eu não havia pensado até essa parte.

 - Agora... nós improvisamos. - Disse ela, com o sorriso ainda mais aberto. Amanda olhou para os lados, pegou um rodo e saiu pela porta aberta. Dalan engoliu em seco, não gostando nem um pouco daquela ideia, mas correu para seguir a garota.

 No andar inferior, ao lado das escadas, Sasha saltava em cima de um guarda derrubando-o no chão. Seu companheiro mais próximo puxou a adaga, mas a garota chutou-a antes do homem conseguir brandir a arma. Completou o movimento pisando no chão com a perna que havia levantado antes e chutando com a outra, acertando o rosto do adversário. Ele caiu, e junto com ele veio a membro da Aurora, desequilibrada pelo movimento sem jeito. Apresse-se, ordenou a si mesma, e se levantou sem demora. Dois outros guardas vinham correndo pelo corredor, mas ela pulou no corrimão da escadaria e desceu até onde os degraus faziam uma curva de cento e oitenta graus. Jogou as costas na parede para frear seu movimento, sentindo um projétil acertar as barras metálicas ao seu lado. Quando abriu os olhos avistou o andar inferior, e a porta no fim do corredor à sua frente. Apoiou o pé na base do corrimão e se impeliu para frente, saltando o último lance de escadas.

 Caiu no chão rolando para seguir adiante. Dois homens tentaram se por entre ela e a saída, mas Sasha aumentou a velocidade. Acabou disparando pela porta, correndo mais rápido do que conseguia controlar. Tropeçou e e rolou alguns metros, levantando a areia por todo o lado.

 - Sasha? - Perguntou uma voz, quase que incompreensível pelo estado em que a garota se encontrava. Espanou um pouco de terra do rosto, vendo que Wieder estava ao lado dela. - O que está acontecendo? E onde estão os outros?

 Um brilho metálico reluziu contra o sol e Sasha saltou para o lado, derrubando o anão para o chão. A faca girou por onde estava a cabeça dele meros segundos antes, indo cravejar o chão mais à frente. A garota olhou para trás, alarmada, e viu meia dúzia de guardas saírem do edifício. Ficou prontamente de joelhos, segurando o companheiro nos braços. - Espero que não se importe de ser carregado.

 - O que quer dizer com issooooooooooo! - Tentou dizer Wieder, mas Sasha já havia o agarrado e disparado o máximo que podia, descendo as longas estradas de Wildest. Os Libertadores tentaram iniciar uma corrida, mas ela já estava muito longe para ser perseguida. Se entreolharam e voltaram ao prédio, onde os outros dois alvos tocavam o caos.

Dois andares acima, Dalan e Amanda procuravam fazer o máximo de rebuliço que conseguiam. Toda atenção para eles era um pouco menos para Sasha e Wieder, concluiu o garoto, dando um cotovelo no adversário mais próximo. Sua companheira corria à sua frente, batendo com o rodo nas janelas. De vez em quando um guarda tentava interceptá-los, mas eles rapidamente o derrubavam e seguiam adiante. Dalan olhou para trás, vendo o mar de homens que os perseguiam. Essa parecia uma ideia pior do que a de Sasha, concluiu.

 - Opa! - Alertou Amanda, estancando. O rapaz se chocou com ela, e ambos quase caíram. Ele levantou a cabeça para ver o que estava acontecendo, e com pavor percebeu que havia outro mar de guardas bloqueando o caminho. O restante que os perseguia desacelerou, fechando as opções de fuga.

 - Tem um improviso agora? - Perguntou o garoto por entre os dentes, se aproximando da parede. Amanda apenas sorriu, de uma forma surpreendente considerada a situação.

 - Sempre. - Os guardas começaram a se aproximar, e ela apontou para um dos corredores. - GRAÇAS AOS DEUSES, A POLÍCIA CHEGOU!

 Todos ali olharam. Até mesmo Dalan virou a cabeça para onde a companheira estava apontando, aliviado pela chegada de reforços. Antes de perceber que não havia nada, sentiu uma mão em seu pescoço puxando-o para trás. Não conseguiu reagir, e quando deu por si estava atravessando uma das janelas quebradas. Gritou por reflexo, caindo de costas do terceiro andar para o desconhecido, com Amanda o agarrando ao seu lado.

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