segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Aurora: Capítulo 49: A Aurora não tardará


AURORA
CAPÍTULO 49: A AURORA NÃO TARDARÁ

 Maedegoen esticou a cabeça para trás e rugiu, um rugido colossal que tremeu os pilares curvados que o cercavam. Seus dez olhos fitavam o céu, coberto por uma esfera roxa que iluminava seu pelo negro. Em seu peito, havia um cristal rachado, inútil. Isso não o agradava nem um pouco.

 Ele bateu as mãos no chão, gerando crateras na rocha. Ajeitou seu corpo de gorila e olhou para frente, vendo uma série de pessoinhas correndo em sua direção. Esticou a palma e gerou um brilho púrpura em suas mãos. Do outro lado, Sasha percebeu aquilo e gelou.

 - PARA OS LADOS, AGORA! - Gritou, agarrando os dois companheiros mais próximos e se jogando para a esquerda. Pularam por uma janela, e os cacos de vidro ainda estavam no ar quando o golpe de Maedegoen acertou a estrada, obliterando o que encontrava com um estrondo ensurdecedor. Uma nuvem de poeira se levantou, cobrindo a área.

 - Céus. - Disse Dominic baixinho. Estava com Sasha e Dalan em uma sala suja e desarrumada, ajoelhados no chão. A garota se levantou e foi para o que sobrou da janela, vendo o demônio ao fundo. Uma gota de suor desceu por sua têmpora empoeirada.

 - Precisamos de um plano. - Se virou para os outros, vendo que Dalan continuava com o olhar distante. - Dalan! - Gritou para chamar a atenção. Ele a olhou sem reação, e Sasha desceu os olhos brevemente antes de continuar. - Precisamos nos focar. Ouviu?

 O rapaz concordou com a cabeça em silêncio. Se lembrou de Wieder mais uma vez, correndo para sua morte. E se lembrou de Maedegoen. Cerrou os punhos. Não deixaria aquilo barato. - Tenho um plano. - Disse finalmente, um brilho voltando às pupilas.

 Enquanto isso, Desaad estava agachado atrás de um edifício, recém-sobrevivente do novo ataque do demônio que ele próprio havia invocado. Talvez as coisas tenham saído um pouco do controle, considerou. Era melhor se afastar e deixar que a criatura cuidasse disso por ele. Tinha acabado de se levantar quando foi agarrado por trás e jogado contra a parede mais próxima com força. - Vai a algum lugar? - Era uma voz conhecida.

 - Stella? - Disse de forma abafada, o rosto prensado contra as pedras negras. A líder da Aurora estava o prendendo, uma mão em sua cabeça. O homem pensou em invocar o próprio chão para acabar com ela, mas sentiu uma lâmina encostar em seu pescoço.

 - Nem sequer tente. - Rosnou ela, perto o suficiente para que sua respiração fosse sentida no pescoço do adversário. - Tive que vender todas as recordações de meu falecido marido para comprar o que fosse necessário para salvar meus companheiros, e mesmo assim dois deles morreram. - Uma gota de sangue caiu na lâmina. - Portanto, é melhor me obedecer.

 Desaad ficou em silêncio por alguns segundos, considerando suas opções. - O que quer? - Retrucou finalmente, de cara amarrada.

 - Tudo. - Respondeu Stella, o cenho franzido. - Quero que me conte tudo.

 - EI! - Gritou Julie, procurando chamar a atenção. - AQUI, SEU GORILA GIGANTE! - Estava em cima de um telhado com Dominic, e a luz em sua mão brilhava forte. - VENHA NOS PEGAR!

 Maedegoen os observou e levantou a palma, conjurando um novo raio. Dominic agarrou a garota e saltou para o outro telhado, escapando por pouco da onda de destruição. - Não é possível que ele tenha tantos desses à disposição. - Resmungou, deixando a outra no chão. Olhou para trás, vendo a trilha de edifícios caídos atrás deles. - Uma hora tem que se cansar!

 - Dom! - Era Lyra, saltando de um prédio adjacente. - Dalan me disse o que estavam tentando fazer! Algum sucesso?

 - Ele nem sequer saiu da plataforma. - Retrucou Julie, irritada. Um destroço havia a acertado um pouco acima do olho direito, e o ferimento sangrava o suficiente para tapar sua pálpebra. No entanto, não era nada comparado ao corte recém-tratado no estômago. - Ele é muito grande para o atacarmos em terreno plano. Precisamos levá-lo para cá.

 - Posso tentar alguma coisa. - Ela armou o arco que carregava nas costas, encaixando uma flecha. - Aqui não tem vento. - Comentou ao observar a redoma púrpura que cobria a fortaleza. - Isso torna meu trabalho mais fácil. - Ela estreitou os olhos, afastando o cabelo roxo com um sopro de ar. Respirou, mirou e soltou. O projétil zuniu e voou, acertando o rosto de Maedegoen, que rugiu. Lyra riu nervosa. - Agora vamos sair daqui. - Pediu, pulando para longe.

 O demônio bateu as mãos no chão, seu pelo negro subindo e descendo. Tentou encontrar quem havia o acertado, mas era impossível discerni-los àquela distância. Soltou mais um rugido e desatou a correr na direção dos prédios, o chão tremendo a cada passada.

 Ele adentrou a área residencial, derrubando o que encontrava enquanto que procurava suas presas. Koga, que estivera observando tudo do nível do chão em um beco apertado, engoliu em seco.

 - Quase na hora. - Alertou Amanda, do outro lado da ampla rua. Ela também estava tensa, com uma coletânea de cacos de vidro nas mãos. Maedegoen passou por entre os dois, e soltaram o ar preso antes de sairem correndo atrás dele. - AGORA! - Gritou a garota, mirando as pernas do demônio. Jogou seus projéteis improvisados contra o membro, e o companheiro acertou seu bastão na outra panturrilha. O monstro rosnou e se virou, mas eles já haviam corrido para a segurança das ruelas adjacentes.

 Maedegoen se virou mais uma vez, sentindo algo em suas costas. Tentou olhar para trás, mas não conseguiu enxergar nada. Desistiu após procurar brevemente, e as roupas cinzas em suas costelas começaram a escalar. Alguns prédios distantes, Dalan e Julie observavam a cena, e a garota se adiantou com o coração acelerado.

 - Sophie. - Disse baixinho, e deu um passo à frente. Foi contida pelo companheiro, que segurou seu braço. Se virou para ele com raiva, o sangue ainda úmido manchando a testa. - O que pensa que está fazendo?

 Dalan não respondeu de primeira, preferindo encará-la com seriedade, um azul opaco cobrindo as laterais de seus olhos. - Confie nela, Julie. Sophie consegue cuidar disso.

 - Do quê está falando? - Se enfureceu a garota, recolhendo o braço com truculência. Não conseguiu se soltar. - Ela está escalando as costas de um demônio! Não vou deixar que--

 - Ela é a nossa melhor chance. - Interrompeu o rapaz. - E eu só a pedi pra fazer isso porque tenho total certeza de suas capacidades. - Se aproximou, conservando a seriedade do rosto. Não tinha tempo nem paciência para entrar em um argumento no momento. - Confie nela, Julie. Sophie precisa de seu apoio mais do que qualquer coisa.

 A membro da Aurora mordeu a língua, controlando uma resposta. Se lembrou do ocorrido contra a Dama dos Pesadelos, e de tudo que tinha dito à irmã gêmea. Desviou o rosto, voltando a observar o demônio e as pequenas roupas que o escalavam. Tudo o que mais queria era ir lá e interromper tudo aquilo, mas algo dentro dela a fez parar. Por pouco. - Que você esteja certo. - Disse por entre os dentes.

 Maedegoen se aproximava de um edifício com teto oval, uma das poucas construções cuja arquitetura se diferenciava dos prédios retangulares e nus. Escondidos pela estrutura única, Kulela e Sasha estavam agachados, se preparando para a próxima parte do plano. O reptiliano amarrava um curativo no ferimento da perna direita da garota, que estava de pé e colada ao telhado, tentando ouvir a aproximação da criatura.

 - Se não estivéssemos perto do fim do mundo... - Começou o curandeiro, rompendo o excesso da atadura com os dentes. - Eu diria que essa é a ideia mais idiota que eu já ouvi na minha vida.

 - Calado. - Ordenou Sasha. Kulela terminou com o tratamento apressado, e ela testou a pisada no chão. - Parece ser o suficiente.

 - Se você sobreviver a isso, irei chamar os jornalistas pessoalmente. - Avisou o reptiliano enquanto a companheira pegava uma estaca de madeira particularmente afiada ao seu lado, reminiscente de algum móvel que Dominic havia encontrado. - Deve chamar mais atenção dos jornais do que termos derrotado um demônio de sete metros que queria trazer Zemopheus para este lado da fronteira. Pelo menos dos que eu conheço.

 - Apenas tome cuidado com o que ele for fazer em seguida. E vá para sua posição. - Ordenou Sasha, tomando o máximo de distância do teto angulado que conseguia. Encostou as costas em um corrimão e se agachou para colar as mãos no chão e apoiar os pés. Ouvia os sons dos passos do demônio, tremendo o piso. Uma gota de suor desceu pelo seu rosto.

 Kulela inclinou o corpo para enxergar melhor a criatura, estreitando os olhos. - Acho que...

 - AGORA! - Gritou a garota, disparando. Correu o telhado à sua frente, uma inclinação de quase quarenta e cinco graus. O ferimento na perna ardeu, mas não havia como se importar naquele momento. Chegou ao pico e saltou, confiando piamente em seus instintos. Estava no ar quando viu Maedegoen em sua direção, olhando para frente em busca de suas presas. Sasha poderia ter sorrido se fosse esse tipo de pessoa. Agarrou a estaca com as duas mãos e jogou o peso para trás, o vento do deslocamento agitando seus curtos cabelos azuis e sua trajetória a levando para o ombro direito do demônio. Berrou o mais alto que podia e jogou os braços para frente, enfiando a arma bem fundo no corpo de Maedegoen. Ele gritou e ela também, o tranco forte quebrando seus pulsos e a jogando para trás em direção da morte.

 Ironicamente, foi a própria criatura que a salvou de certa forma, pois seu gigantesco braço se deslocou para trás e a acertou, arremessando-a contra as janelas do edifício mais próximo. As roupas cinzas que já estavam penduradas no pescoço do demônio quase caíram, e Sophie se materializou por reflexo. Um caco de vidro brilhava em sua mão direita.

 Julie enquanto isso saltava de teto em teto, com Dalan ao seu lado. O coração praticamente vibrava em seu peito. A irmã enquanto isso conseguiu se reequilibrar, subindo a cabeça de Maedegoen. Ele, em qualquer outro momento, a sentiria escalando em sua nuca, mas o ferimento em seu ombro ocupava todas as suas atenções. Puxou a estaca com a mão esquerda, e o movimento brusco fez com que Sophie caísse bem quando havia chegado ao topo do crânio. Julie gritou, mas ela conseguiu agarrar um tufo de cabelos da testa para se segurar. Bem à frente dos olhos do monstro.

 As dez pupilas, espalhadas de forma aparentemente aleatória em seu rosto, a encararam como se fossem apenas uma. Sophie sentiu o frio gélido envolver seu corpo, a arma quase caindo de suas mãos suadas. Olhou para baixo, encarando os olhos amarelos que a observavam silenciosamente. Sua mão esquerda se apertou nos fios de cabelo negro que seguravam sua vida. E então, ela endureceu o queixo e enfiou o caco de vidro na órbita mais próxima. E o mundo explodiu.

 Se Maedegoen já havia gritado daquele jeito, não sabiam. Nem mesmo quando Wieder destruiu o cristal que usava para encontrar Zemopheus ele havia berrado tanto. O som foi o suficiente para rachar as janelas e tremer os destroços mais próximos, e Sophie só conseguiu contorcer o rosto, a mão direita envolta em sangue negro e quente.

 O demônio cessou seu berro abruptamente, e os olhos remanescentes encararam a membro da Aurora em uma fúria incontrolável. Ela não teve reação.

 - SOPHIE! - Gritou Amanda, correndo em sua direção. A companheira não conseguia escutá-la, mas a avistou abrindo os braços no teto mais próximo. A gigantesca mão da criatura veio na direção dela, que agiu sem pensar. Saltou para o pescoço de Maedegoen, correndo por seu ombro e saltando na direção do prédio. Enquanto estava no ar, seu coração parou. Não iria conseguir chegar.

 Já havia fechado os olhos quando sentiu um tranco forte no braço direito, e sua queda cessou. Olhou para cima, vendo que Amanda a havia agarrado com as duas mãos. Estava com o pé apoiado na mureta do telhado, o rosto se enchendo de vermelho pelo esforço. Jogou seu peso para trás, usando todas as suas forças para levantar a outra garota. Sophie olhou para cima do ombro, trêmula. Ainda estavam na mira do monstro.

 - EI! - Gritou Lyra no teto do prédio do outro lado da rua, fazendo chover uma miríade de flechas na cabeça de Maedegoen. Ele simplesmente jogou o braço para trás, destruindo o penúltimo andar e derrubando a membro da Aurora em uma nuvem de destroços.

 - LYRA! - Gritou a garota de cabelos loiros, as lágrimas já ao redor dos olhos. Uma sombra cobriu a luz púrpura que a banhava, e levantou a cabeça. O demônio estava com o braço esticado para as duas. Amanda conseguiu puxar a companheira, mas as duas caíram no chão, temporariamente indefesas. Sophie conseguiu apenas virar de costas, encarando de perto a morte que se aproximava.

 Eis que, de repente, sentiu algo frio e molhado no chão à sua esquerda. Olhou naquela direção. Dalan vinha deslizando no gelo com os joelhos dobrados e os dois braços para trás, tão rápido quanto Sasha. - SE SEGUREM! - Gritou. Saltou os últimos metros e agarrou as duas, bem no momento em que a criatura destruía o piso. Os garotos rolaram no chão que se inclinava, caindo sem controle na escuridão.

 - EI, BABACA! - Era a vez de Dominic e Kulela, correndo pela rua para atacar Maedegoen pelas costas. O berro pareceu chamar a atenção do demônio, que se virou ensandecido. Um de seus olhos estava vazado, e isso parecia o tornar mais ameaçador do que nunca. Os membros da Aurora pararam, tomados pelo mais puro medo, e não reagiram quando o monstro os chutou e os arremessou centenas de metros pela estrada. Estavam sendo derrubados que nem moscas. O adversário se virou em seguida para o prédio onde estava Sophie, Dalan e Amanda, procurando a presa que o havia ferido. Um bastão dourado rodopiou no ar, acertando sua testa.

 - Eu não acredito. - Disse Julie no teto de um edifício próximo, incrédula. Koga, no auge de sua estupidez, havia arremessado sua única arma contra Maedegoen, que agora se virava contra ele. O rapaz sentiu a testa suar, olhando para os lados assustado. Parecia uma boa ideia em sua cabeça.

 O demônio esticou a palma, começando a conjurar seu raio. Koga não se moveu. Não havia como fugir a um golpe daqueles, tão próximo. Julie, do outro lado, corria para se aproximar. Também tinha sua última cartada desesperada. - EI! - Gritou, e levantou a mão direita. A luz brilhou em sua mão, tão forte que pareceu envolvê-la em uma esfera luminosa.

 E, surpreendentemente, isso pareceu afetar a criatura.

 Ele rugiu, tropeçando para trás enquanto procurava se afastar da luz. Acabou caindo em cima de um prédio, destruindo-o e derrubando os mais próximos. Koga saltou para longe, mas não havia mais onde pousar. Bateu na parede destroçada de um edifício, onde se chocou com uma janela antes de cair pesadamente no chão, a poucos metros de Sasha. Ela estivera acompanhando a confusão, segurando a inconsciente Lyra no ombro esquerdo. Seus olhos brilhavam. Tinham um plano B.

 Enquanto isso, Julie fitava assustada a destruição que havia causado. Olhou para a própria mão, sem entender o que tinha acontecido. Apenas um grito a fez sair de seus pensamentos. Sophie estava pedindo por socorro. Saltou os telhados até onde os companheiros haviam sido atacados, inclinando a cabeça no buraco causado pelo ataque de Maedegoen e iluminando a escuridão. Sua irmã estava lá, alguns andares abaixo e em pé ao lado dos desacordados Dalan e Amanda.

 - Ah, graças aos deuses! - Disse ela, limpando as lágrimas do rosto. Se virou para os amigos caídos. - Dalan nos salvou, mas eles foram feridos! Temos que tirá-los daqui! - Levantou a cabeça para a irmã, que por sua vez se virou para o demônio. Estava se levantando, seu rugido voltando a romper os ares.

 Do outro lado da fortaleza, Stella estava com Desaad preso pelos braços, incapaz de reagir diante da fúria de Maedegoen, que se levantava. Ficou em silêncio, o queixo tremendo. - Ele vai destruir a todos. - Disse subitamente o líder do Culto Púrpura, também assombrado. - Não se importa mais com recolher mais uma vez o contra-encanto deles. Ele vai matar todos em sua fúria.

 - Eles vão conseguir. - Soltou a líder da Aurora, mais para si mesma do que para o adversário. - Tenho certeza. Eles vão dar um jeito.

 Um raio cruzou os ares, acertando o teto em que Julie estava. Julie tentou o manter longe com seus poderes de luz, mas estava muito longe para fazer alguma coisa relevante. A criatura preparava seu raio, e ela se virou aterrorizada para a irmã, alguns andares abaixo. Havia uma improvisada trilha em sua direção, e Julie saltou para descer até Sophie. - SE PROTEJA! - Soava inútil. O golpe que o monstro preparava fazia o chão tremer, indicando que seria muito mais forte do que os anteriores. Não tinham como fugir.

 Julie se jogou no buraco onde Sophie estava caída, procurando se esconder do demônio. Mirava um plano inclinado, mas acabou escorregando no destroço. Sentiu o coração parar e esticou o braço para agarrar em alguma coisa e, para sua surpresa, encontrou um braço suado e magro. Olhou para cima, onde viu uma exausta Sasha no teto a segurando pelo cotovelo. - Vamos. Rápido. - Grunhiu ela. A outra olhou para baixo e viu que a altura já era segura, e se largou. A companheira pousou ao seu lado. - Eu deixei Lyra e Koga em um edifício por perto, mas temos que levar aquela coisa para longe deles. - Ordenou tentando puxar Amanda, mas os pulsos quebrados tornavam seu trabalho mais difícil. Julie limpou o sangue seco do rosto e levantou Dalan, pedindo que Sophie cuidasse de Amanda.

 - Por onde? - Perguntou nervosa, sentindo o nervosismo martelar seu coração. Sasha correu até uma janela, esticando a cabeça para ver a altura para o chão. Conseguiriam descer. Se virou para as companheiras em pé, um plano em sua cabeça.

 - Prestem atenção. - Disse, ficando em silêncio por um instante para ouvir se Maedegoen se aproximava. - Julie, de alguma forma você conseguiu assustar aquele monstro. É a nossa melhor chance. - Confessou ao encarar a garota. - Vamos tirar os feridos daqui e depois eu e Sophie iremos chamar a atenção dele para que tenha o caminho livre.

 - Vamos simplesmente deixar Amanda e Dalan sozinhos? - Perguntou Sophie enquanto a irmã ficava quieta. - Eles estão feridos, e tem aquela... coisa à solta.

 - Só sobramos nós três, Sophie. - Alertou Sasha, dando um passo à frente. Julie deixou o queixo cair. - Temos que arriscar.

 - Não acho certo. - Confessou a garota, ajeitando Amanda no ombro. - Eles podem morrer! - Agora Julie tremia. Havia um brilho em seu olhar.

 - Poderemos todas morrer se não fizermos nada. - Grunhiu Sasha, e Sophie se encolheu. - Temos que arriscar!

 - Tem razão. - Disse a voz fraca de Julie. - Poderemos todas morrer se não fizer nada.

 - Isso. - Concordou Sasha, ainda olhando para Sophie. Se virou para a outra. - Então corra pois--

 A ordem nunca foi dada, pois Julie estendeu a mão e fez com que ela brilhasse imensamente. As outras garotas gritaram, caindo no chão e segurando os olhos. Estavam cegas, pelo menos temporariamente.

 - JULIE! - Gritaram em uníssono, rolando no chão. Sasha tentou se levantar, mas Julie deixou o desacordado Dalan em cima dela. Virou o rosto para a irmã, que segurava o rosto com as duas mãos. Havia uma expressão de dor e pena em seu olhar, e lágrimas caíram efusivamente pelas bochechas. Virou-se para o outro lado sofrendo, saltando para fora do prédio.

 - EI! - Gritou com todo seu empenho, saindo do beco para a rua principal. Maedegoen já estava em pé, procurando suas presas. - VEM ME PEGAR! - Abriu os braços, a face vermelha.

 Era difícil saber o que se passava na cabeça de um demônio. Não era uma mente explorada pelos pesquisadores da Aliança, e muitas vezes isso levava a enganos trágicos. Naquele dia, talvez a criatura tivesse confundido a garota à sua frente com a outra que havia lhe cegado um olho. Talvez soubesse que ela tinha conjurado a luz que tinha lhe ferido. Quem sabe. Essa discussão levaria a conceitos filosóficos e espirituais sobre a natureza dos demônios, uma área em que seria difícil discernir a verdades das mentiras. O que claramente era verdade, no entanto, foi o fato de Maedegoen ter esticado a mão na direção de Julie, a agarrando com força. E apertou.

Imediatamente quase todas costelas da garota se partiram, furando músculos, órgãos e pele, qualquer coisa que encontravam no caminho. A garota jogou o pescoço para trás e gritou, o sangue subindo pela garganta. A dor era inexcrutável, o suficiente para desmaiar seres muito mais fortes. Só que Julie não era uma pessoa comum. Tinha uma vontade tão forte que a fazia respirar mesmo com os pulmões dilacerados e . Forçou sua cabeça trêmula para frente, o rosto contorcido em fúria e vontade. Sangue pingava do nariz e da boca, mas ela não cedia. Se obrigou a encarar os nove olhos do demônio, rangendo os dentes. Ali estava tudo que odiava. Tudo que ameaçava seus amigos e sua irmã. Ele atacara Koga. Atacara Dominic. E queria a morte de Sophie. Nunca poderia deixá-lo. Tinha que protegê-la. Tinha que protegê-los. Tinha que dar tudo que conseguia.

 - Nunca mais... - Chorava. Tremia. E não desistia. - Nunca mais... encoste... - Não conseguia sentir sua mão, mas tinha que ativar seus poderes. Era tudo que importava. - ... na Aurora.

 Gritou, invocando cada grama de seu ser para usar seus poderes. A luz veio de seu sangue, iluminando cada pedaço de pele em seu corpo. Maedegoen gritou, aterrorizado. Havia caído em uma armadilha. Tentou se livrar da garota, que se segurou. Não podia soltá-lo. Tinha que estar próxima. Era a última chance. Gritou, sendo rodeada pela esfera de luz. Cada pingo de sua alma queimava, cada grama de vontade era usada. E Julie Helder, membro da Aurora, brilhava em luz branca. Cada vez mais forte, enquanto que o demônio gritava e ela também, envoltos na mesma esfera, cada vez mais forte, e mais forte, tão brilhante quanto o sol, mais brilhante que o sol, a luz tão branca que














































 lie? JULIE! - Sasha corria pela fortaleza de pedras, procurando sua companheira. Os outros membros da Aurora também estavam na busca, todos com o coração a mil. Sophie chorava, assim como Amanda e Koga. Não havia sinal da garota. Maedegoen estava caído, morto, mas não era mais o foco. O foco era a amiga perdida. - JULIE! - Gritou a garota de cabelos azuis, passando pelo corpo do demônio. Entrou no edifício que ele havia caído, e seu coração parou. - Julie. - Correu para ela, mas antes que chegasse sabia que já era tarde. Havia muito sangue. Se ajoelhou ao seu lado, procurando um pulso em seu pescoço. Para sua surpresa, ela abriu os olhos.

 - S...s...sa.... - Tentou falar, o rosto pálido. Sasha levantou a cabeça, desesperada.

 - SOPHIE! KULELA! AQUI, AGORA! - Se virou para a companheira, segurando sua mão. - Não tente falar nada, Kulela já está vindo, ouviu? - Sua voz estava embolada, e lágrimas caíam de seus olhos para os ferimentos da outra. Julie sorriu fracamente.

 - Eu fui... - Tossiu, e sangue desceu por seus lábios. Encarava Sasha com um misto de alegria zombeira e tristeza profunda. - Fui corajosa... dessa vez?

 Sasha soluçou, torcendo o rosto para conter as lágrimas. Tentou falar, mas não aguentou. Ao invés disso apenas acenou enfaticamente a cabeça.

 - Não... - Era Sophie quem havia chegado. Correu para a irmã, e a outra se levantou.

 - KULELAAA! - Saiu para procurá-lo, deixando as gêmeas sozinhas. Sophie tremia como nunca, segurando o rosto tão parecido com o seu. Discretas lágrimas saíam dos olhos de Julie, e ela tentou sorrir.

 - Sophie... - O sorriso mudou para um traço torcido enquanto que ela encarava o rosto da irmã. Sophie chorava copiosamente, e encostou a cabeça na testa da outra.

 - Por favor, não vá... - Pediu a garota, contorcendo o rosto. - Eu preciso de você. Preciso de você ao meu lado. - Encarou os olhos da gêmea. - Eu prometo que nunca vou me importar mais com nada que você faça e sempre vou obedecer tudo que você quiser. Passo o dia ao seu lado, não saio da sua vista, mas por favor... - Lágrimas caíam como a chuva. - Por favor, não morra...

 Julie também chorava. Queria muito ver a irmã crescer, viver, encontrar o pai perdido. Sentia que falhara inúmeras vezes com ela, e pediu por uma segunda chance. Só que sabia que não iria receber. - Sophie... - Tentou começar, se enrolando com a própria língua. - Preste atenção.

 - Não, não... - Choramingou a outra. - Por favor, não fala nada. Você vai poder me dizer amanhã. Você vai. - Segurava a camisa da gêmea com tanta força que não havia como largar. - Tem que conseguir. Você... sempre conseguiu.

 - Sophie... - Tentou levantar a mão, mas não tinha forças. Não conseguia mais abraçar sua própria irmã, e isso a matava por dentro. - Sophie!

 A garota se afastou como se tivesse tomado um choque. Sua franja cobriu sua testa, e ela ficou em silêncio choroso enquanto que Julie continuava. - Eu... - Começou, sem saber o que dizer. O que alguém diria em sua situação? Já podia sentir a escuridão tomar conta de si. Não tinha muito tempo. Encarou o rosto tão igual ao seu e abriu a boca, mas nada saiu, exceto lágrimas pelos olhos. Fechou os lábios, tremendo. Sentia que deveria dizer alguma coisa, mas estava tão difícil. Tão doloroso. Engoliu em seco, sentindo o sangue quente na garganta. Procurou respirar, e não conseguiu. Estava quase na hora. Sorriu. - Me... desculpa.

 E com isso ela fechou os olhos, e Sophie gritou. Gritou mais alto do que nunca, mais alto até do que o próprio demônio atrás dela conseguiria. Deixou a cabeça cair perto da irmã, no momento em que o restante da guilda chegou, tarde demais para fazer alguma coisa. Apenas observaram a companheira caída, a mesma que haviam amado e que agora os deixava, a mesma que havia salvado tudo o que conheciam. Ela, que por tantos anos lutou por seu espaço, agora descansava em paz.

 Pois Julie havia brilhado, tão forte quanto uma aurora.

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