AURORA
CAPÍTULO 15: REQUIANNO
De início, parecia apenas mais um estabelecimento abandonado à beira da estrada, escondido pelo pôr-do-sol que se alongava. Era grande, com três andares de pedras pálidas pontuados com dezenas de pequenas janelas de madeira, mas não parecia conter uma alma dentro de si. No entanto, uma pequena bandeira no topo da cobertura indicava algo mais. O símbolo de uma cruz azul em um fundo branco tremulava ao vento, e seu significado era especial. Aquele prédio era um porto seguro para membros de guilda, exauridos por suas batalhas e muito afastados de suas sedes. Requianno era o nome daquela espécie de edifícios na língua élfica, e poderia ser traduzido livremente como "local de descanso". E era naquele Requianno, precisamente o localizado no meio da Estrada Verde, que a Aurora se encontrava.
Stella Alba, a mestra da guilda, saiu do estabelecimento com a mente nebulosa. Encarou seus companheiros que se rodeavam no lado de fora e seu coração apertou. Dos nove membros que haviam saído em missão para o prefeito, apenas dois estavam relativamente ilesos. Stella chamou sua filha Sasha, sua segunda-em-comando Lyra e Amanda, as únicas que não apresentavam ferimentos consideráveis. - Aqui estão as chaves dos quartos. - Disse, entregando um molho nas mãos da garota de cabelos roxos. - Consegui seis aposentos, então dividam-nos de forma adequada. Irei pagar o motorista. - Com isso, se separou das outras e andou até uma carroça estacionada na estrada, passando pelo restante dos membros da Aurora.
Os feridos estavam sentados no chão de pedra ou nos bancos de madeira, cansados e com poucas palavras. Todos tinham curativos rudimentares de primeiros-socorros, passando de faixas enroladas nas costelas de Dominic a uma tala na mão enfaixada de Sophie. Stella suspirou, mal conseguindo encará-los. Havia sido ela quem aceitou as missões, e teve bastante sorte de todos ali terem voltado vivos. Muita sorte.
Parou ao lado da carroça puxada por grandes canabéis, separando distraidamente os tens para pagar o motorista. Tentou se alegrar ao ver a quantidade de dinheiro em sua carteira. O abono nos impostos havia lhe dado segurança financeira, o suficiente para que pudesse garantir um atendimento médico competente para seus companheiros. No final, tudo havia dado certo, não? - Que horas amanhã? - Perguntou levianamente ao motorista. Ele deveria levá-los até o final da Estrada Verde, onde existiam vilarejos reptilianos que cuidariam melhor dos feridos.
- Oito da manhã. - Respondeu o garoto sardento com a voz aguda e cantada. Assim que terminou de contar o dinheiro ele estalou o chicote, forçando os animais semelhantes a touros a seguirem estrada adiante. Stella ficou parada algum tempo, sentindo o vento fresco balançar seus cabelos, e quando se virou percebeu que o restante da Aurora já havia entrado no Requianno. Mais rápido do que eu pensei, admitiu, e caminhou em direção ao estabelecimento. Se pegou perguntando no que eles estariam pensando.
- O que está fazendo, rapaz? - Perguntou Dominic assim que entrou em seu quarto no primeiro andar. O aposento era bem apertado, mobiliado apenas com duas camas e um armário. Dentro dele Koga estava sem camisa, fazendo flexões no chão de pedra. O garoto parou e se deitou de costas, suspirando enquanto limpava a testa suada com a palma das mãos.
- Treinando. - Respondeu o rapaz, fitando o teto acima dele.
- Agora? Você está em recuperação! - Exclamou o outro homem, adentrando o quarto. Koga ficou em silêncio, buscando as palavras.
- Sabe o que eu estive fazendo nos últimos dois anos, Dom? - Perguntou o garoto, se apoiando com o cotovelo no chão. - Nada. Não treinei nada, não fiz quase nenhuma missão e passei o tempo inteiro dentro de Helleon.
- Não é o único, acredite. - Admitiu o outro homem, deixando suas malas em cima da cama. - Agora, por favor saia do chão empoeirado. Você já passou mal em sua última missão, e tudo o que não precisa é ficar doente de novo.
- Exatamente! - O garoto se levantou, se levantando. - Eu não fiz nada nessa última missão! Claro, a não ser que você conte ser pateticamente salvo por Sasha e Julie, mas esse é o ponto! - Se alongou até grunhir, e começou a fazer o mesmo com as pernas. - Elas ficaram muito acima de mim, e meu papel na missão se resumiu a cair de um barranco! - Ele encarou o outro homem com um olhar determinado. - Isso não vai acontecer de novo.
Dominic ficou em silêncio, reconhecendo a verdade naquelas palavras. Tal verdade que se aplicava a ele também. - Tudo bem, mas precisa mesmo fazer isso antes de chegarmos ao vilarejo?
- Passei dois anos de sacanagem. Já tive todo o tempo para me recuperar. - Respondeu o garoto, voltando às suas flexões. Dom sentou-se na cama, fitando distraidamente o companheiro absorvia o que ele havia dito. Estava agindo da mesma forma que Koga desde que Adam morreu, notou. Passou meses de inércia, bebendo no bar enquanto o restante da guilda se decompunha. Era aquilo que a Aurora precisava, em seu momento mais difícil?
- Faça o que achar melhor, rapaz. - Avisou ele, se dirigindo à sua cama. - Assim que minhas costas se recuperarem, irei te acompanhar. - Koga sorriu, continuando com suas flexões. Era a hora de mostrar sua real importância na guilda.
Do outro lado do prédio, no terceiro andar, Lyra estava sentada de pernas cruzadas em cima de sua cama, vestida com uma camisola e com o cabelo preso em um rabo-de-cavalo. Avaliava os documentos das missões para a senhora Stella, e só cessou de olhar os papéis quando Amanda saiu do banheiro, enrolada em uma toalha grande enquanto enxugava o cabelo com uma menor. O vapor d'água a acompanhava em densas camadas, ocupando o teto do quarto.
- Nem tive tempo para te perguntar. - Disse Lyra, recolhendo os papéis enquanto a amiga procurava uma roupa em sua mala. - Como foi com Dalan? Conseguiu resolver os problemas dele?
- Com muito esforço, sim. - Respondeu a outra garota, balançando a toalha na cabeça com mais vontade. - Acredite, ele não é a pessoa mais inteligente do mundo, nem a mais perceptiva. Precisou de alguns empurrões. - Ela terminou de secar o cabelo e começou a desenrolar a toalha que cobria seu corpo.
- Ainda não entendi essa sua fixação pelos problemas do garoto. - Comentou Lyra, estreitando os olhos com um sorriso provocador. Amanda sorriu e soltou o ar pelo nariz, girando os olhos. Era o sinal de que não iria continuar nesse assunto. A outra, por sua vez, adotou uma postura mais séria. - E quanto à Samuel? Já... superou a saída dele? - Estava falando do homem que havia abandonado a guilda no dia em que Dalan chegou. A garota mais nova estava colocando o pijama, e parou quando terminou de colocar a calça.
- É claro que não. - Admitiu. Seus olhos ficaram marejados, e ela sentou-se na cama. - Ainda não consigo acreditar. - Confessou com a voz fraca, encarando o chão de pedras com os cotovelos nas pernas. - Sempre achei que todos nós éramos uma família, entende? - Perguntou, levantando a cabeça para fitar a outra, como se encontrasse alguma resposta em seu rosto. - Família não abandona família.
Lyra sorriu e se levantou para ficar ao lado da amiga, abraçando-a. - Se quiser se alegrar, acho que todos os que sobraram na Aurora se consideram família. Até mesmo Dalan e Wieder. - Amanda sorriu de volta, esfregando os olhos nas costas da mão.
- É uma forma de encarar. - Disse, mas não pareceu se conformar com isso. Continuou a se vestir enquanto que a companheira voltava aos papéis de Stella. Família não abandona família, refletiu repetidamente.
Os feridos estavam sentados no chão de pedra ou nos bancos de madeira, cansados e com poucas palavras. Todos tinham curativos rudimentares de primeiros-socorros, passando de faixas enroladas nas costelas de Dominic a uma tala na mão enfaixada de Sophie. Stella suspirou, mal conseguindo encará-los. Havia sido ela quem aceitou as missões, e teve bastante sorte de todos ali terem voltado vivos. Muita sorte.
Parou ao lado da carroça puxada por grandes canabéis, separando distraidamente os tens para pagar o motorista. Tentou se alegrar ao ver a quantidade de dinheiro em sua carteira. O abono nos impostos havia lhe dado segurança financeira, o suficiente para que pudesse garantir um atendimento médico competente para seus companheiros. No final, tudo havia dado certo, não? - Que horas amanhã? - Perguntou levianamente ao motorista. Ele deveria levá-los até o final da Estrada Verde, onde existiam vilarejos reptilianos que cuidariam melhor dos feridos.
- Oito da manhã. - Respondeu o garoto sardento com a voz aguda e cantada. Assim que terminou de contar o dinheiro ele estalou o chicote, forçando os animais semelhantes a touros a seguirem estrada adiante. Stella ficou parada algum tempo, sentindo o vento fresco balançar seus cabelos, e quando se virou percebeu que o restante da Aurora já havia entrado no Requianno. Mais rápido do que eu pensei, admitiu, e caminhou em direção ao estabelecimento. Se pegou perguntando no que eles estariam pensando.
- O que está fazendo, rapaz? - Perguntou Dominic assim que entrou em seu quarto no primeiro andar. O aposento era bem apertado, mobiliado apenas com duas camas e um armário. Dentro dele Koga estava sem camisa, fazendo flexões no chão de pedra. O garoto parou e se deitou de costas, suspirando enquanto limpava a testa suada com a palma das mãos.
- Treinando. - Respondeu o rapaz, fitando o teto acima dele.
- Agora? Você está em recuperação! - Exclamou o outro homem, adentrando o quarto. Koga ficou em silêncio, buscando as palavras.
- Sabe o que eu estive fazendo nos últimos dois anos, Dom? - Perguntou o garoto, se apoiando com o cotovelo no chão. - Nada. Não treinei nada, não fiz quase nenhuma missão e passei o tempo inteiro dentro de Helleon.
- Não é o único, acredite. - Admitiu o outro homem, deixando suas malas em cima da cama. - Agora, por favor saia do chão empoeirado. Você já passou mal em sua última missão, e tudo o que não precisa é ficar doente de novo.
- Exatamente! - O garoto se levantou, se levantando. - Eu não fiz nada nessa última missão! Claro, a não ser que você conte ser pateticamente salvo por Sasha e Julie, mas esse é o ponto! - Se alongou até grunhir, e começou a fazer o mesmo com as pernas. - Elas ficaram muito acima de mim, e meu papel na missão se resumiu a cair de um barranco! - Ele encarou o outro homem com um olhar determinado. - Isso não vai acontecer de novo.
Dominic ficou em silêncio, reconhecendo a verdade naquelas palavras. Tal verdade que se aplicava a ele também. - Tudo bem, mas precisa mesmo fazer isso antes de chegarmos ao vilarejo?
- Passei dois anos de sacanagem. Já tive todo o tempo para me recuperar. - Respondeu o garoto, voltando às suas flexões. Dom sentou-se na cama, fitando distraidamente o companheiro absorvia o que ele havia dito. Estava agindo da mesma forma que Koga desde que Adam morreu, notou. Passou meses de inércia, bebendo no bar enquanto o restante da guilda se decompunha. Era aquilo que a Aurora precisava, em seu momento mais difícil?
- Faça o que achar melhor, rapaz. - Avisou ele, se dirigindo à sua cama. - Assim que minhas costas se recuperarem, irei te acompanhar. - Koga sorriu, continuando com suas flexões. Era a hora de mostrar sua real importância na guilda.
Do outro lado do prédio, no terceiro andar, Lyra estava sentada de pernas cruzadas em cima de sua cama, vestida com uma camisola e com o cabelo preso em um rabo-de-cavalo. Avaliava os documentos das missões para a senhora Stella, e só cessou de olhar os papéis quando Amanda saiu do banheiro, enrolada em uma toalha grande enquanto enxugava o cabelo com uma menor. O vapor d'água a acompanhava em densas camadas, ocupando o teto do quarto.
- Nem tive tempo para te perguntar. - Disse Lyra, recolhendo os papéis enquanto a amiga procurava uma roupa em sua mala. - Como foi com Dalan? Conseguiu resolver os problemas dele?
- Com muito esforço, sim. - Respondeu a outra garota, balançando a toalha na cabeça com mais vontade. - Acredite, ele não é a pessoa mais inteligente do mundo, nem a mais perceptiva. Precisou de alguns empurrões. - Ela terminou de secar o cabelo e começou a desenrolar a toalha que cobria seu corpo.
- Ainda não entendi essa sua fixação pelos problemas do garoto. - Comentou Lyra, estreitando os olhos com um sorriso provocador. Amanda sorriu e soltou o ar pelo nariz, girando os olhos. Era o sinal de que não iria continuar nesse assunto. A outra, por sua vez, adotou uma postura mais séria. - E quanto à Samuel? Já... superou a saída dele? - Estava falando do homem que havia abandonado a guilda no dia em que Dalan chegou. A garota mais nova estava colocando o pijama, e parou quando terminou de colocar a calça.
- É claro que não. - Admitiu. Seus olhos ficaram marejados, e ela sentou-se na cama. - Ainda não consigo acreditar. - Confessou com a voz fraca, encarando o chão de pedras com os cotovelos nas pernas. - Sempre achei que todos nós éramos uma família, entende? - Perguntou, levantando a cabeça para fitar a outra, como se encontrasse alguma resposta em seu rosto. - Família não abandona família.
Lyra sorriu e se levantou para ficar ao lado da amiga, abraçando-a. - Se quiser se alegrar, acho que todos os que sobraram na Aurora se consideram família. Até mesmo Dalan e Wieder. - Amanda sorriu de volta, esfregando os olhos nas costas da mão.
- É uma forma de encarar. - Disse, mas não pareceu se conformar com isso. Continuou a se vestir enquanto que a companheira voltava aos papéis de Stella. Família não abandona família, refletiu repetidamente.
No quarto ao lado, Julie estava com rolo de esparadrapos na mão sadia, e tentava enrolá-los desajeitadamente em torno da cintura da irmã. Sophie ficou calada, aguardando, até que a gêmea terminou a terceira volta. - Acho que está tudo bem agora. Obrigada. - Disse com a voz fraca.
Julie mordeu a língua, observando seu trabalho recém-feito. - Eu devia ter ido com você. Não era pra você ter feito uma missão sozinha.
- Não, tudo bem! Eu... não estava sozinha. - Se adiantou a irmã, mas ainda com a voz fraca. A outra garota fez um muxoxo e se levantou, caminhando até sua cama. Sophie abaixou a camisa e começou a torcer as mãos, encarando-as.
- O que houve? - Perguntou Julie, retirando seus brincos.
- Eu... - A irmã mordeu a boca por dentro. Tinha tantas coisas que poderia falar. Por exemplo, não sabia se Dalan era uma pessoa terrível ou o completo contrário. Não sabia se ele e Amanda teriam algo a mais, e como se sentia em relação a isso. No entanto, havia um desejo, muito mais antigo do que os outros, que se manifestou novamente em Thomas Galvan. - Eu queria ser mais forte. - Disse baixinho. Dalan e Amanda pareciam ter uma sincronia de alguma forma, e isso provavelmente era porque estavam no mesmo nível. Ninguém ligaria para ela por muito tempo, um peso morto, inútil a longo prazo. A outra garota estreitou os olhos e abriu um pouco a boca, pensando.
- Sasha te disse alguma coisa? - Perguntou desconfiada. Sophie levantou a cabeça com os olhos arregalados em resposta.
- N-n-n-não... não é isso. - Respondeu apressadamente, balançando negativamente a cabeça. Ela voltou à suas mãos, retorcendo-as lentamente. - Eu só... acho que queria fazer mais, sabia? Isso talvez... me ajudasse a me sentir melhor. - Não estava disposta em contar sobre as consequências que essa sensação de inferioridade causava, principalmente porque ainda não havia entendido direito seus sentimentos. Só sentia que a maior parte de culpa naquela situação era dela.
Julie suspirou. - Você é parte vital da Aurora, Sophie. Não se menospreze desse jeito.
- Não, mas... - Havia algo que a perturbava havia muito tempo. - Eu sinto que essa minha... essa minha fraqueza apenas puxa as outras pessoas para baixo. - Confessou com a mão no peito, se agitando. - Você poderia fazer muito mais na guilda se não fosse por mim! Nos últimos dois anos não pegou quase nenhuma missão! Se eu fizesse alguma coisa, você poderia...
- Somos uma dupla, irmãzinha. - Interrompeu a outra, sorrindo pacificamente. - Se eu fiquei dentro da sede durante todo tempo, era para ficarmos juntas. - Sophie respirou fundo, sentindo o coração se apertar e os olhos marejarem. Então era verdade. A irmã havia sacrificado seu crescimento na Aurora para cuidar dela. Se sentiu mal, e deitou na cama com o rosto virado para o outro lado.
- Obrigada. - Sibilou, e afundou o rosto no travesseiro. Julie conseguia enxergar a dor na irmã, mas o que poderia dizer? Se louvasse a garota demasiadamente, ela provavelmente se colocaria em situações bem mais perigosas nas missões seguintes, e poderia facilmente morrer. Deixá-la assim, por mais que quebrasse seu coração, era o único jeito de mantê-la segura. Seria Julie quem iria protegê-la enquanto procuravam o pai. Havia feito essa promessa há muito tempo.
Havia acontecido alguma coisa com ela na última missão, concluiu Julie enquanto se deitava. Ela não estava assim antes, e não parecia disposta a contar o que houve. Se Sophie não confessasse, concluiu, teria que perguntar para seus companheiros naquele dia. Se perguntou se Amanda ou Dalan haviam feito alguma coisa.
Dalan que, por sua vez, caminhava à frente da porta do quarto das garotas naquele exato momento. Assobiava distraído, procurando o tonel de água que supostamente estaria naquele andar. Sua sede estava angustiante, e isso o deixava bastante irritado. Pra quê esconder água, se perguntava. Como esperavam que ele ficasse sem um único copo antes de dormir? Ou percorrer um labirinto para achar algo tão básico? Passou por uma porta aberta que dava para o ar livre, e adentrou-a como se esperasse ver o tonel ali, rindo e se escondendo. Chegou em uma varanda, iluminada pela lua cheia acima, e olhou para os lados com raiva. Tal qual foi sua surpresa quando avistou duas figuras na semi-escuridão, e uma delas tinha um par de familiares maria-chiquinhas.
O rapaz instintivamente voltou ao corredor, com as costas coladas na parede e o coração batendo forte. Aquela não parecia ser uma situação normal em que duas pessoas se encontravam. Não numa varanda de pedras, iluminada pela lua. Soava um pouco... romântico? Então quem estaria com Sasha? Dalan não resistiu à sua curiosidade, e esticou o pescoço para identificar a segunda pessoa. Para seu espanto, percebeu que era Marcus, o membro da Aurora que havia encontrado no bar Quatro Luas alguns dias atrás. Ele e Sasha? O que estava acontecendo ali? O garoto ficou quieto, tentando ouvir o que estavam falando.
- ... está ficando mais difícil de controlar, sabe? - Dizia Marcus, encarando sua mão direita. - Isso quase comprometeu minha última missão. Se estivesse sozinho...
- Você sabe o que deveria fazer. - Respondeu Sasha, apoiando as duas mãos na sacada de pedra cinza. O vento agitava seus cabelos, mas seu rosto era impassível. - Se continuar assim, alguém acabará morrendo. Precisa procurá-los.
- Eles nunca me aceitariam de volta. - Disparou o garoto, ajeitando seu tapa-olho. - Sabe como são. Só preciso de um tempo para meditar e retomar meu equilíbrio. Consigo fazer isso sozinho.
- Bem, se tem alguém nessa guilda que eu confio a tal ponto, é você, Marcus. - Dalan ajeitou o corpo, procurando uma posição para escutar melhor as palavras trazidas pelo vento. Isso estava ficando bom. - Apenas não postergue isso. Precisamos de você cem por cento.
- Não se preocupe. - Respondeu o rapaz, se virando para ficar de costas para a sacada. Dalan recuou a cabeça, aterrorizado, mas não pareceu ser notado. O outro garoto apenas cruzou os braços e apoiou o pé esquerdo na fachada. - Agora, você me chamou aqui para...?
Sasha ficou em silêncio, observando a floresta infinita à sua frente. Dalan estava quase se arriscando para ouvir melhor, achando que ela estava falando baixo demais, quando sua voz irrompeu pelo ar. - Eu precisava de seu pessoal para checar uma coisa para mim.
Era só isso? Dalan revirou os olhos, se amaldiçoando por ter colocado suas expectativas tão altas. De qualquer forma, ainda curioso, voltou a ouvir a conversa. - Continue. - Pediu Marcus. Sasha desviou os olhos e pareceu arrependida de iniciar aquela conversa, mas seguiu em frente.
- Minha missão se consistiu em prender um velho que estava ocupando um território não-permitido. - Começou Sasha, se abraçando. Era difícil dizer se era por causa do frio ou da história que contaria. - A questão é que ele havia ficado louco. E supostamente... supostamente era porque tinha avistado Zemopheus. Aqui. Deste lado da fronteira.
Dalan ficou calado, sentindo o coração disparar. Não poderia ter ouvido certo. Certamente a garota havia dito outra coisa, e não o nome da encarnação do mal, o demônio que havia enganado deuses e provocado uma guerra cujo início se misturava com o início dos tempos. Marcus não reagiu da mesma forma, mas se virou na sacada e encarou a floresta, como se conseguisse enxergar através das árvores. - Você sabe que isso é completamente irreal, não?
- Vindo de apenas uma fonte, sim. - Disse Sasha, virando a cabeça para também encarar a mata silenciosa. - Por isso queria que você checasse com os seus passarinhos. Preciso de confirmação. Da forma mais discreta possível, por favor.
- Não sou idiota. É claro que farei isso por baixo dos panos. - Disparou Marcus, sem se mover. Os dois continuaram em silêncio por algum tempo, ambos imaginando o pior. - E se... for verdade? O que pretende fazer com essa informação?
Correr seria um bom início, pensou nervosamente Dalan. A garota, por sua vez, descruzou os braços. - Então eu saberei. E isso já seria um pouco melhor.
Ela começou a voltar para dentro do edifício, e o rapaz escondido ouviu seus passos se aproximando. Desesperado, ele tropeçou até o corredor interno, andando rapidamente até seu quarto em seguida. Ouviu um copo se quebrando na distância e se assustou, apressando o passo depois. Estava quase correndo quando chegou, e adentrou o aposento como um raio, batendo a porta atrás de si. Wieder, que estava deitado em sua própria cama, abaixou o livro que lia e encarou o garoto.
- O que houve? - Perguntou o anão. Vestia uma touca de dormir branca, e estava coberto dos pés aos ombros. Dalan não respondeu, ainda extremamente nervoso pelo que havia acontecido, e rapidamente começou a vestir seu pijama. Estava motivado por uma confiança infantil de que nada poderia atacá-lo em sua cama. - Bem, eu vou fingir que seu comportamento é normal. - Declarou Wieder, de volta à sua leitura. - De qualquer forma, queria nos parabenizar.
- Pelo quê? - Perguntou Dalan distraído, deitando na cama. Puxou as cobertas até o queixo, com o coração ainda batendo forte.
- Por conseguirmos fazer as tais missões incrivelmente importantes. - Respondeu o anão, sorrindo de orelha a orelha. - Normalmente você tem um tempo até fazer algo marcante numa guilda. Estamos na Aurora há menos de uma semana, e já fomos essenciais. - Ele lambeu o dedo e virou a página. - Agora só falta um repórter para divulgar nossos feitos. Talvez eu arranje um quando voltarmos à Helleon.
O rapaz não tinha muita vontade de conversar, mas Wieder estava tão mergulhado em seus sonhos de fama que nem percebeu. Dalan se revirou na cama, encarando de olhos bem abertos a parede cinza. Será que Zemopheus estaria realmente lá fora? Espreitando, fazendo planos? E se o maior inimigo de toda Aliança estava em território teoricamente seguro, o que estava acontecendo com o exército na Fronteira? Hein? O garoto se revirou nas cobertas, crente de que a noite seria longa.
Sasha também acreditava nisso, e pelos mesmos motivos. Ela andava calmamente pelos corredores do hotel, se dirigindo ao seu quarto. As palavras de Marcus ecoavam em sua mente. O que faria se encontrasse Zemopheus? Ele era um adversário de um nível incapaz de ser imaginado. Não havia como derrotá-lo. E isso a enfurecia por dentro. Não havia nada a fazer caso o encontrassem. Apenas rezar para uma morte rápida.
- Feche a porta. - Pediu Stella. Sasha se assustou, percebendo que já estava no quarto. De forma quieta ela obedeceu, desabotoando a camisa em seguida para vestir o pijama. A mãe estava sentada na escrivaninha, iluminada apenas por uma lamparina e cercada por diversos papéis aparentemente oficiais.
- O que é isso? - Perguntou a garota, retirando a camisa.
- Nossas contas. - Respondeu a outra mulher, ajeitando os óculos em seu rosto. - Com o abono do prefeito por realizarmos as missões dele, temos um caixa sobrando. Estou pensando em qual dívida pagar primeiro.
- Tem certeza de que não existe nenhuma pegadinha nas promessa dele? - Perguntou Sasha, ansiosa para afastar a mente dos terrores ocultos.
- Só saberei quando comparecer à reunião do Conselho Regional, Sasha. - Respondeu a mãe, puxando uma dívida de mais de sete anos, ainda dos tempos em que seu marido era o líder da guilda. - De qualquer jeito, não é um problema para agora. Preciso que você descanse para me ajudar com a logística amanhã. Lyra deve passar a noite inteira lendo os contratos das missões que realizamos para o prefeito em busca de alguma falcatrua, e irei precisar de ajuda.
- Tudo bem. - Respondeu a garota, terminando de vestir a camisola. Se deitou na cama, pensando se contava ou não à mãe sobre o que havia descoberto em sua missão. O terror inerente àquele assunto voltou a assombrá-la, e Sasha respirou fundo. Não adiantava perturbar a mãe sobre aquilo. Pelo menos não enquanto não tivesse certeza de que estavam sob perigo. Seu trabalho era proteger a guilda, e não causar confusões.
De qualquer forma, a Aurora por inteiro já parecia estar repleta de problemas e temores para adicionar mais um à bandeja.
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