RECINTO NERD NUZLOCKE - LEAF GREEN -
CAPÍTULO 22: JACKPOT
Kari acordou por um momento, desnorteada. O lugar em que estava era bastante escuro e silencioso, exceto por sons de passos em uma superfície metálica. Tentou se mover, e percebeu que estava amarrada por cordas grossas, arrastada pelo chão. À sua frente, dois homens andavam, e o da esquerda a puxava. Grunhiu de forma fraca, e o homem da direita percebeu que ela estava acordada.
- Olha só quem está de pé! - A próxima coisa que Kari viu foi o contorno de uma bota, e o impacto jogou sua cabeça para trás. Sentiu o sangue quente na boca, e desfaleceu novamente.
Voltou a acordar violentamente, com um balde de água fria no rosto. Ofegou e cuspiu, arfando por ar. Antes que pudesse se recompor, um soco surgiu do nada, acertando-a no estômago. O ato de respirar se tornou mais difícil, e ela tossiu e se desesperou em busca de oxigênio. Aos poucos, contudo, recuperou o fôlego. Olhou ao redor, tremendo pelo líquido frio. Estava amarrada em uma cadeira de madeira, com os braços para trás. Havia um homem alto parado à sua frente, vestindo uma espécie de boina. Kari apertou os olhos para ver quem era, mas a única luz do aposento estava localizada atrás dele, ocultando seu rosto.
- Bom dia, flor do dia. Dormiu bem? - Reconheceu vagamente sua voz como a do Rocket do bar. Antes que ela respondesse, ele soltou outro soco, acertando o rosto da garota dessa vez. Kari cuspiu sangue, e precisou de alguns segundos para se recompor.
- Um pouco... mas me diga, além de bater em outros Pokémon... você também arranja tempo de espancar garotas? Que tal me desamarrar para ver se você é tão machão? - Kari o encarou, encarando-o sem medo. Por mais que parte dela estivesse extremamente assustada, não ganharia em nada desmonstrando isso para o Rocket.
O homem desferiu outro soco no rosto dela. - Espancar, não. Torturar é a palavra certa.
- Posso... - Ela parou por um instante, passando a língua nos dentes encharcados de sangue. Por sorte, nenhum havia se quebrado. - ... saber o motivo de toda essa recepção? Eu juro que ia dar gorjeta ao garçom.
- Ah, você é do tipo engraçadinha, não? Normalmente pessoas em sua posição ficam morrendo de medo.
- Eu não vou me tremer por causa de um covarde assassino como você. É difícil ter medo de alguém que você perseguiu por longas distâncias.
O homem se agachou, colocando o rosto a centímetros dela. Ele colocou a mão no bolso, e uma faca-borboleta surgiu entre eles. - O que foi? - Disse o Rocket, reparando no desconforto de Kari. - O gato comeu sua língua? - A garota sentiu uma gota descer pelo lado da cabeça, e embora ainda estivesse encharcada pelo balde d'água, sabia que era suor. O homem passou o lado cego da lâmina em seu braço, de forma suave e calma.
- Você pode responder minha pergunta agora? - Perguntou Kari, procurando encará-lo nos olhos sem demonstrar seu nervosismo. O lado da lâmina agora passeava por seu braço, e ela sabia que apenas mais um pouco de pressão para fazer o sangue espirrar.
- O quê? Ah, sim. - Ele guardou a faca, manipulando-a habilmente antes. Sem que o homem percebesse, Kari respirou aliviada. - Você se tornou um chamariz de atenção, sabia? Monte Lua, Cerulean, Ponte Dourada... Por onde a senhorita passava, problemas surgiam.
- Deixe-me adivinhar. Seus superiores te mandaram me prender, certo?
- Meus superiores? Há! - Ele jogou a cabeça para trás, e voltou com um novo ânimo em seus olhos. - Eles apenas ouvem falar de uma fedelha que está se metendo onde não devia. Não, garota, eu decidi agir por mim mesmo. Sou mais esperto do que os outros membros de baixo escalão, sabia? Posso identificar uma ameaça em potencial quando vejo. Então decidi levá-la até aqui, para apresentá-la a nosso líder. Ele está vindo diretamente de Saffron ao meu pedido, e saberá o que fazer com você.
- Saffron? Seu líder mora em Saffron? - A próxima coisa que sentiu foi um chute no rosto, tão forte que desequilibrou sua cadeira. Ela caiu no chão com força, sentindo o sangue espirrado em todo o seu rosto. Em seguida, o homem começou a pisoteá-la, e cada pisão ela se aproximava cada vez mais do desfalecimento. Finalmente a violência cessou, e ela sentiu a cadeira sendo puxada de volta a seu lugar normal. Kari ficou imóvel, procurando não desmaiar. A dor se propagava de cada centímetro de seu corpo, mas sua mente estava a mil. O homem era muito burro, pensou, e só sabia resolver as coisas com violência. Ela o olhou com um olho, sendo que o outro estava tapado pela cascata de sangue que saía de um novo corte na testa. Mesmo sentindo medo pela tortura, ela sabia que essa poderia ser a única forma de conseguir mais informações sobre os Rockets. Assim, suspirou fundo e falou:
- Se você trata todas as mulheres assim, acho que vou concluir que sua vida amorosa anda um desastre. - Ela esperou mais socos, contudo o homem soltou uma risada pelo nariz.
- Apenas as enxeridas, garota. Não se preocupe. - Ele olhou para trás, e Kari sentiu o nervosismo em seu olhar. Talvez ele tivesse ordens de não espancá-la, pensou. Poderia usar isso como proveito.
- Ei! Vamos ser francos aqui. Seu chefe deve chegar daqui a pouco, e posso concluir que apenas duas opções sobraram para mim: A primeira é ser morta, provavelmente de forma dolorosa. A segunda é ser convencida a entrar para os Rockets. De qualquer jeito, não vejo motivos de não podermos ter uma conversa civilizada.
O homem colocou o queixo, comicamente adotando uma postura de ser pensante. Kari o encarou, sentindo o sangue descer pelo rosto. Burro e orgulhoso, pensou. Péssima combinação.
- Muito bem! - Disse o Rocket, finalmente. - Que tal fazermos o seguinte: Você faz três perguntas, e eu escolho se vou respondê-las ou não. Caso eu não goste delas, você apanha. O que acha?
Eu acho que vou espancar a sua cara imbecil no segundo que for desamarrada, canalha. Kari não conseguia se soltar das cordas, mas iria usufruir da vitória intelectual por enquanto. Preciso escolher as perguntas cuidadosamente, pensou. Uma antiga questão surgiu em sua mente.
- Me diga, essa líder de ginásio de Celadon é muito ruinzinha. O que houve com ela?
- Hah! Muitas coisas, garota. Podemos dizer que ela foi... convencida a assumir esse posto. Nós gostamos muito de Celadon, e não gostaríamos de sair graças a um líder enxerido.
Uau. Para uma resposta tão curta, Kari conseguiu concluir e supor um bocado. Primeiro, ela estava certa sobre Erika ser muito ruim para conseguir uma vaga de líder de ginásio. Segundo, que os Rockets pareciam procurar lugares com líderes ruins para se abrigar, o que a levava para Cerulean. Terceiro, muito provavelmente os Rockets haviam conseguido manipular a fuga das irmãs mais velhas e experientes de Misty, obrigando-as a colocar a caçula inexperiente como líder. E quarto e mais assustador, pelo visto os Rockets tinham força dentro da Liga Pokémon, o suficiente para poderem escolher um líder de ginásio.
- Mais alguma pergunta?
- Bem... - Kari voltou a pensar. O Rocket não responderia algo importante caso ela perguntasse algo óbvio, mas se pudesse jogar com ele... - Esse lugar é um cemitério. É sério que vocês usam isso como base?
- Ei! Cale a boca! Tivemos muito trabalho em montar esse lugar!
- Bem, só estou dizendo que, para alguém que tem contato direto com o líder da equipe Rocket, seu local de trabalho parece um pouco mixuruca.
- Eu disse, quieta! - Ele a socou novamente no rosto. - Não fale do que não sabe! Esse lugar era uma grande base Rocket, mas estamos nos mudando. Eu sou tão importante na organização que fui mandado para supervisar a mudança, e até mesmo levar nossos novos produtos da Silph até nossa próxima empreitada.
Kari ficou quieta, pensando intensamente. A próxima pergunta, se fosse feita, seria sua última. Precisava analisar o que ela tinha até agora. Os Rockets estavam levando algo da Silph para algum outro lugar. Pelo jeito que ele falou, provavelmente não era Saffron, mas algo grande aconteceria nessa cidade. Sabrina era a líder do ginásio, e parecia forte o suficiente para dar trabalho a qualquer coisas que os criminosos fizessem. Para mandar esse idiota fazer uma tarefa, seria em um lugar mais calmo...
- Sabe, que tal eu não responder a sua próxima pergunta, hein? Que tal nos divertirmos até o líder chegar? - Perguntou o homem, se agachando novamente para ficar na mesma altura do rosto da garota, que continuava pensando. Conclua algo, Kari, gritava a si mesma. Os Rockets deveriam ir a algum lugar indefeso. Um lugar com líder fraco ou sem ginásio. Por algum motivo, a menção à Companhia Silph a lembrava de algo. Sentia que tinha algo em sua mente gritando, pedindo para ser notado...
Uma última memória foi notada em suas lembranças, a de um homem com paradeiro desconhecido. As informações bateram de forma repentina. Kari arregalou os olhos, e encarou o homem. - Vocês estão indo para --
A porta se abriu com força, e dois Rockets entraram na sala. O captor de Kari se levantou para cumprimentá-los, mas os dois o socaram e o imobilizaram. Ele ofegou e cuspiu sangue no chão, quando uma voz surgiu do corredor escuro.
- Alan. Devo lhe dizer que seus métodos foram... insatisfatórios. - A voz era profunda e lenta, e os cabelos da nuca de Kari se arrepiaram ao ouví-la.
- Senhor? Senhor, eu--
- Silêncio! Você sequestrou uma civil e levou-a até nossa base? O quê, em nome dos Rockets, você estava pensando?
- Eu, eu... Ela é uma ameaça, senhor! Ela vem nos atrapalhado desde o Monte da Lua! Senhor, eu...
O homem acenou na escuridão, e um dos capangas partiu sem hesitar o pescoço de Alan. Kari sobressaltou na cadeira, observando o corpo do homem deslizar para o chão.
- Apenas ignorantes como você são atrapalhados por uma garota. Nós somos os Rockets. - Ele se virou para os capangas. - Queimem esse lugar. Foi comprometido. - Os homens fecharam a porta, e Kari viu desesperada o fogo se propagar do outro lado.
- Ei! EI! VOLTEM AQUI! - O fogo aumentava no corredor, e a fumaça começava a entrar no quarto. Kari tentou se levantar da cadeira, mas caiu no processo. Se sacudiu violentamente, mas as cordas estavam bem apertadas. Seu desespero foi crescendo exponencialmente, e o quarto ia ficando mais negro.
As chamas chegaram até a porta, e a consumiram com gula. Kari tentou se arrastar para longe, mas tudo que conseguiu foi girar o corpo. A fumaça já ardia em seus olhos, e ela começou a tossir fortemente. Como foi que escapei do S.S.Anne, pensou enquanto tentava se livrar das amarras, com a força reduzindo a cada instante. Se lembrou que Nala havia a salvado, mas nenhum Pokémon estava a sua vista.
Quando estava quase sem forças, um buraco surgiu no teto. Estava bastante escuro para ver o que estava acontecendo, mas o contorno de Zelda surgiu na escuridão, batendo as asas para espalhar a fumaça.
- ELA ESTÁ AQUI! LIZ, SARA! - Gritou a Golbat. A silhueta de Liz surgiu, e ela invocou água das mãos para apagar o fogo da porta. No entanto, tudo que conseguiu foi diminuí-lo. - Esqueça isso, precisamos tirar ela daqui por cima! Se segure nela! - Kari observou a Wigglytuff se aproximar, com o rosto surpreendentemente calmo, embora seus olhos se mostrassem tensionados. Foi a última coisa que a garota viu, pois desfaleceu no instante seguinte.
Quando acordou, estava jogada na grama molhada pelo orvalho. Ela tossiu com força, sentindo todo o corpo gritar de agonia em resposta. Silhuetas se contrastavam com o céu noturno, todas falando ao mesmo tempo, mas Kari não conseguia identificar nenhuma voz. Apenas um pensamento se mantinha em sua mente, e ela se esforçou para não deixá-lo fugir.
- Precisamos levá-la ao hospital! - A voz de Sara foi ouvida, e a garota se sentiu levantada novamente. No entanto, ela se livrou do aperto, caindo na grama novamente.
- Não, não, não. - Repetiu fracamente a garota, tentando se sentar. - Precisamos... precisamos nos apressar.
- O quê? O que houve, Kari? - Sakura parecia bem perto dela. Kari revisou seus pensamentos, tentando mantê-los atrelados. Cidade sem um ginásio recentemente. Companhia Silph. Pessoas sumidas. Tudo fazia sentido. Ela tirou a mão do rosto, encarando seus Pokémon.
- Precisamos voltar a Lavender.
Nenhum comentário:
Postar um comentário