quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Nuzlocke - Epílogo 2

RECINTO NERD NUZLOCKE - LEAF GREEN -
Epílogo 2

 A primeira coisa que Kari notou ao se aventurar do lado de fora do complexo em que estivera hospedada era o vento. Ventava bastante na praia por onde andava, empurrando suas roupas e seus cabelos em direção ao mar, tocando de forma gélida sua pele. A garota esfregou as mãos nos braços, lamentando não ter conseguido agarrar um casaco antes de escapar do edifício. Fora obrigada a fugir, evitando os guardas que faziam a segurança do perímetro, e só havia trazido consigo uma camisa leve e um short que não chegava a ultrapassar os joelhos. Mesmo assim, ela se mantinha em frente, seguindo na direção de uma caverna mais além, onde supostamente os Rockets estariam enfiados. Não arriscou liberar Kenichi e seguir pelo ar, com medo de ser avistada. Assim, caminhou solitariamente pela areia, se protegendo do vento barulhento.

 Enquanto andava, sentia o coração bater mais forte, pela primeira vez em semanas. O trabalho de um Campeão era tremendamente monótono, e um pouco de adrenalina era o suficiente para reviver o sangue em suas artérias. Além disso, estava curiosa. O que os Rockets pretendiam fazer sem seu líder? Essa pergunta seguiu ecoando pela sua mente enquanto continuava, até que finalmente chegou ao seu destino. Uma formação rochosa se elevava do chão, tão precária e inclinada que o simples fato de aguentar as ondas parecia um milagre. Kari engoliu em seco e adentrou a pequena fenda que marcava a entrada, se vendo em um cômodo escuro como o ébano.

 - EI! TEM ALGUÉM AÍ? - Gritou ela, e sua voz ecoou na caverna. Havia ficado tanto tempo sem ação que estava agindo de forma totalmente imprudente, mas nem se importou. De fato, não estava esperando que houvessem Rockets por ali, se escondendo atrás das pedras. Para sua surpresa, no entanto, uma voz a respondeu.

 - Sim. - Naquele mesmo instante, uma coletânea de luzes envolveu a garota, que protegeu os olhos. Seu coração imediatamente disparou, e seus dedos foram levados até o cinto. No entanto, não havia nenhuma Pokébola ali. - Perdão, mas... vamos evitar confusões desnecessárias. - Continuou a voz, tão calma quanto antes. Kari abriu os olhos lentamente, esperando ter armas apontadas contra si. Contudo, as luzes não vinham de lanternas, e sim estranhas criaturas que flutuavam ao seu redor, com estranhas formas negras e apenas um olho. A garota os encarou, espantada, enquanto tentava entender o que era aquilo. Alguns pareciam estranhamente com letras, mas nada além disso. 

 - É ela? - Perguntaram as formas, falando em apenas um único tom e sem expressão, fazendo com que a caverna ecoasse com a frase. 

 - Sim. - Uma nova luz surgiu no meio deles, desta vez de cor rosa, contrastando com o branco que reinava anteriormente. Kari observou assustada um familiar Pokémon se aproximar, com seu corpo pequeno e aparência frágil. A criatura que Fuji e Blaine haviam passado metade da vida procurando, e sonho de consumo de Giovanni e seus empregadores. Mew.

 - O que... - Começou ela, sem saber como continuar. Mew se aproximou, encarando-a com seus grandes olhos azuis. 

 - Receio que você tenha muitas perguntas a fazer. - Disse o Pokémon, e sua voz pulsava na mente da garota. - No entanto, deixe-me começar, por favor. Poderá nos poupar um tempo que não temos o luxo de gastar. 

 - Apresse-se, Mew. - Disseram as formas, em uma só voz. - O tempo é curto. Já esperamos a garota tempo demais.

 - Eu não entendo. - Interrompeu Kari, olhando ao redor. - Não haviam Rockets por aqui?

 - Sim, deveras. - Respondeu Mew. - Eles estão nessa ilha. No entanto, não são sua preocupação no momento. 

 - Como assim? - Perguntou a garota. - Se soubesse o que fizeram, você --

 - Sim, eu sei o que fizeram. - Desta vez Mew foi mais conciso, e Kari se calou em seguida. - Não questione o mal em seus atos, mas são males menores. Há algo muito mais ameaçador no horizonte, e a cada dia que passa se torna mais perigoso. Direi algo que já sabe, Kari, mas me responda: já ouviu falar de um ser chamado... Mewtwo?

 A atmosfera na caverna se tensionou instantaneamente, se tornando tão sólida que uma faca teria dificuldade de atravessar o ar. Os seres estranhos continuavam em silêncio, mas algo em seus únicos olhos havia mudado. Kari engoliu em seco, esquadrinhando suas memórias. 

 - Ele... era seu clone, não? - Respondeu ela.

 - Quase correto. Ele é meu clone, e ainda está à solta. - Os olhos azuis de Mew estavam frios, brilhando profundamente. - Mewtwo é a maior ameaça que já pisou em Kanto, e suas atitudes podem ser sentidas por todo o continente. Seu surgimento esteve ligado à ascenção dos Rockets, e sua fuga pôde ser sentida até mesmo em Viridian, como você mesma pode presenciar. - A lembrança do caos na floresta de Viridian se manifestou repentinamente na mente da garota, que engoliu em seco. O Pokémon místico continuou. - E seu exílio trouxe pandemônio. Os últimos meses foram sofridos para todos no continente, e isso não pode continuar assim.

 - Eu... não entendo. - Kair olhou ao redor, como se esperasse encontrar algo que fizesse sentido. - Onde... onde eu entro nessa história?

 - Apresse-se, Mew. - Repetiram os seres estranhos, e o outro continuou.

 - Tudo ao seu tempo. Antes disso, Kari, saiba uma regra extremamente importante de nosso mundo: para manter o equilíbrio de forças nesse plano, toda região suficientemente grande possuiu uma trindade. Eles são a base em que tudo pode existir. Essa é uma constante. Você pode viajar para qualquer área do planeta, e sempre existirão três. Fogo, gelo e trovão. Rubi, safira e esmeralda. Tempo, espaço e dimensões. Branco, negro e cinza. - Os olhos de Mew pareciam maiores, englobando a garota por inteiro. - E, para cada trindade, deve existir um Guardião. - Ele parou, parecendo prender a respiração para que Kari pudesse absorver tudo aquilo. - E eu sou o Guardião de Kanto. Articuno, Zapdos e Moltres constituem nossa trindade. Juntos, temos o dever de manter o equilíbrio de forças no continente, tão repleto de seres incríveis. No entanto... algo aconteceu.

 - Mewtwo. - Disse Kari, adivinhando o que vinha.

 - Sim. Mewtwo tem um poder bastante semelhante ao meu, o que desintregou o delicado equilíbrio. No instante em que ele explodiu sua prisão em Cinnabar, a trindade perdeu o controle. Fui obrigado a prendê-los para que não causassem um terrível mal, mas isso prejudicou ainda mais a balança. Eu não podia fazê-los voltar ao normal, não naquele nível de força que apresentavam. E de forma nenhuma cogitava destruí-los.

 - Não entendo. - Começou Kari. - Por quê não foi direto até Mewtwo? Digo, se ele havia causado todo esse desequilíbrio, porque não retirá-lo da equação?

 - Porque ele é parte de mim. Meus poderes não funcionam em sua fisiologia mutante, assim como não funcionam em meu próprio corpo e em nenhum dos Guardiões. Somos seres de equilíbrio, Kari, e não de combate. 

 - Este é o seu trabalho. - Disseram os seres negros. Kari olhou ao redor, assustaada.

 - O quê?

 - Veja. - Recomeçou Mew, atraindo novamente sua atenção. - Enquanto eu mantinha controle sobre os Pássaros, comecei a me perguntar o que faria em seguida. Precisava de alguém com força suficiente para combater Mewtwo, e de coração puro o bastante para que não sucumbisse à sua corrupção. Nesse momento, você entrou nos aposentos de Articuno, Kari. Pensei em impedí-la, mas antes que pudesse chegar até a caverna, você o havia derrotado. Imediatamente o controlei, mas fiquei extremamente curioso. Quem possuía força o suficiente para fazer aquilo? Precisava conhecer essa pessoa. Entrei em sua mente, e testemunhei seus feitos. Sua coragem e virtude ao derrotar os Rockets não passaram despercebidas, e logo vi que estava lidando com alguém verdadeiramente puro. No entanto, faltava-lhe o conhecimento. E eu ainda precisava de uma confirmação de sua força. 

 - Você me levou até o laboratório em Cinnabar. - Disse ela, se lembrando dos acontecimentos na mansão de Blaine.

 - Sim. Era a atitude mais apropriada. E logo em seguida, a coloquei no caminho de Moltres e Zapdos, onde você se provou novamente acima do esperado. Acompanhei sua jornada até a Liga, onde se tornou a Campeã. Para mim, não havia mais dúvidas. Havia encontrado minha Encarregada.

 - Encarregada? O que... o que quer dizer com isso? - Perguntou Kari, sentindo o coração bater mais forte.

 - Veja, cada Guardião possui alguém capaz de fazer algo que o próprio Guardião é incapaz de fazer. Por eras, evitei esse estigma, preferindo compartilhar meus pensamentos e decisões com a antiga Tribo dos Unowns, os seres que estão respeitosamente à sua volta. - A garota os olhou novamente, mas mesmo conhecendo seus nomes, não pareciam menos estranhos. - No entanto, finalmente me encontrei em uma situação que necessitava arduamente de um Encarregado. E você se mostrou digna, Kari. A única, de fato.

 - Você... quer que eu derrote Mewtwo, não? - Perguntou ela, encarando com seus olhos verdes o Guardião à sua frente. Mew acenou positivamente com a cabeça.

 - Sim. Conseguiu conter a Trindade por um tempo, com a sua ajuda, mas creio que não conseguirei fazer isso por muito mais tempo. Preciso combater o fruto dessa loucura, e ele tem nome. E só há uma pessoa capaz de enfrentá-lo. 

 Kari parou, encarando em silêncio seu próprio punho enquanto remexia seus dedos. Mesmo depois de um tempo, não sabia o que a havia feito responder tão rápido. Talvez fosse os Unowns ao seu redor. Talvez fosse o colossal tédio que angustiava seu coração. Ou talvez a idéia de um ser tão poderoso à solta, responsável indiretamente por todo o caos que havia acontecido em Kanto, fosse demais para ela. De qualquer jeito, a garota fechou o punho com força, levantando a cabeça em seguida.

 - Eu vou. - Os Unowns ao redor se dispersaram, e um brilho estranho começou a circular a garota. Ela sentiu o cabelo e as roupas balançarem, como se estivesse no meio de um tornado. A determinação em sua alma começou a se manifestar em seu corpo, liberando a adrenalina em seu sangue. Não se sentia viva em muitos dias. Com um sorriso, ela sumiu, deixando apenas Mew e os Unowns na caverna. Um dos seres negros, com o corpo parecendo curiosamente a letra D, se aproximou do Guardião.

 - Você sabe o que acontecerá, não? - Analisada de forma mais particular, a voz dos Unowns possuía um toque robótico, embora quase imperceptível. Mew o encarou, e seus olhos se encheram de tristeza.

 - Vocês me contaram. Ela conseguirá realizar seu trabalho.

 - A que preço? - Perguntou o Unown. Mew começou a se afastar, mas o ser negro continuou. - Ela sofrerá como jamais conseguiria imaginar. - Depois de um momento de silêncio, o Guaridão respondeu.

 - Cada um de nós tem um papel a desempenhar nessa teia cósmica. O dela foi permeado de momentos tristes e alegres, mas até agora tem sido predominantemente feliz. - Mew recomeçou a levitar, entrando na escuridão da caverna. - Infelizmente o que a espera é apenas a dor. Física, espiritual e emocional. Todos em níveis tão altos que eu... - Ele parou de falar, como se reconsiderasse suas ações. - Me perdoe, Kari. Espero que um dia consiga me perdoar por todas as trevas que sofrerá.

 E com isso, ele desapareceu, assim como os Unowns. A caverna imediatamente se tornou escura como o breu. Lá fora, na noite, as ondas batiam.

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