sábado, 12 de outubro de 2013

Nuzlocke - Epílogo 3 (FINAL)

RECINTO NERD NUZLOCKE - LEAF GREEN -
EPÍLOGO 3

 Os segundos que Kari passou no teleporte foram os mais bizarros de sua vida, compostos de brilhos fortes e sensações de enjôo. Ela se viu de repente em uma caverna ampla, iluminada com um brilho estranho e azul. Imediatamente se apoiou em uma formação rochosa ao seu lado, respirando fundo para não vomitar. Sentiu um peso estranho no bolso traseiro, mas estava zonza bastante para se importar. Fechou os olhos com o esforço, só abrindo quando teve certeza de que não iria despejar o almoço nas pedras.

 Em seguida, olhou ao redor. Estava em uma espécie de estrada de rochas, banhada pela esquerda e pela direita por córregos que seguiam seus cursos lentamente. Kari encarou a água, e percebeu seres estranhos grudados nas pedra. Pareciam massas disformes de cor rosa, mas se mexiam independentemente, chegando até mesmo a copiar a cor e forma das pedras ao redor. Ela observou por alguns instantes o ato curioso, até que sentiu o ar deslocar à sua frente. Quando levantou a cabeça, já estava de frente com Mewtwo.

  A garota caiu para trás, batendo com as costas nas pedras pontudas. Mewtwo continuou onde estava, levitando um pouco acima do chão, encarando-a com um olhar fulminante. Ela imediatamente sentiu o pavor crescer dentro de si, se manifestando em seu corpo através dos membros trêmulos e do estômago gélido. Estava na cara que não estava enfrentando um adversário normal, muito menos derrotável. Sua mão foi automaticamente até as Pokébolas no cinto, mas ela parou o movimento forçadamente. Colocar seus Pokémon para combater aquela... criatura seria um massacre. Assim, ficou apenas encarando o adversário com os dentes enfiados na língua, procurando avidamente uma saída daquela situação.

 - Humana. - Disse uma voz desconhecida em sua cabeça, mas Kari não precisava ser um gênio para adivinhar de quem era. - Se acha que poderá me derrotar em uma reles batalha, pense novamente. - Mewtwo avançou, e a garota tateou desesperadamente para trás. - Hoje você encontrará apenas a morte.

 Kari olhou ao redor, engolindo em seco. Precisava de alguma chance de fugir, e enquanto não achava necessitava urgentemente de uma distração. - Acho que conversar é algo muito rudimentar para você, não é? - Perguntou ela, encarando o Pokémon de relance.

 - Acha que não consigo sentir o cheiro de Mew em você? - Mewtwo elevou a voz na cabeça da garota e imediatamente seus olhos brilharam. Kari se sentiu levantada como se uma força invisível a agarrasse, sendo colocada na altura dos olhos do adversário. - Passei anos preso, enjaulado em um laboratório, sendo examinado e humilhado a cada segundo. Não me lembro de Mew ter movido um dedo sequer para me retirar dali, não é mesmo? - Ele trouxe a garota para mais perto com a força de sua mente. - Me diga, o que ele quer agora? O que o obrigou a mandar alguém em seu lugar? Hein? ME DIGA!

 Naquele momento, a garota sentiu uma dor enorme se originar do centro de seu cérebro e se expandir, cobrindo todos os seus sentidos. Ela não sabia se estava gritando ou não, nem mesmo se Mewtwo continuava falando em sua mente. Só havia a dor, aguda e afiada, penetrando em cada célula de seu corpo.

 Eis que, tão rápido quanto surgiu, a dor desapareceu. Kari arfou onde estava, ainda presa no aperto invisível, sentindo o sangue quente sair de suas narinas, orelhas e olhos. O que estou fazendo aqui, perguntou ela a si mesma. Estava brincando com níveis muito mais altos do que sua alçada permitia sonhar. Um pensamento assustador rondou sua mente, se fixando no crânio ainda dolorido. Iria morrer, e não havia nada que pudesse fazer quanto a isso.

 De alguma forma, conseguiu ouvir Mewtwo ainda falando em sua cabeça. - ... terei que arrancar seus membros em busca da resposta? Terei que fazê-la sofrer o mesmo que sofri em Cinnabar? Me responda: O QUE MEW QUER DE MIM? - No meio de toda aquele medo e desespero que Kari sentia, ainda havia um cerne firme que estava no limite, chegando ao ápice quando o adversário gritou em sua mente, fazendo as dores voltarem a reverberar. A garota rangeu os dentes, sentindo o peito aquecer com uma força interior. Se fosse mesmo morrer, concluiu, não iria em silêncio.

 - Ele quer que você suma. - Disse a garota com dificuldades, mas Mewtwo pareceu ouvir muito bem. Ele estancou onde estava, e Kari conseguiu sentir o aperto diminuir um décimo. - Você é uma ameaça ao equilíbrio. Kanto está em perigo com você à solta, fazendo o que lhe der na telha. - Ela piscou os olhos, sentindo o sangue molhar os cílios, e encarou o Pokémon furiosamente. - E eu vim aqui acabar com você.

 Por um instante, não houve resposta. No segundo seguinte, no entanto, a garota sentiu o corpo ser catapultado para longe, desintegrando uma formação rochosa no caminho. Ela caiu com força no chão, ofegando através da agonia. Respirar era incrivelmente dolorido, fazendo crer com que várias costelas estivessem partidas. A perna direita também estava quebrada, e doía tanto que chegava a tremer. Kari passou a mão trêmula nos olhos, procurando limpar o sangue que jorrava incontrolavelmente de um ferimento na testa. Parabéns, pensou para si mesma, conseguiu deixá-lo puto. E agora? Antes que conseguisse formular um plano, foi arremessada novamente pelos ares, desta vez caindo no riacho. A água se tornou imediatamente vermelha pelo sangue, e Kari procurou lutar contra o desfalecimento. Não posso partir assim, era tudo que conseguia pensar. Não sem luta.

 Acabou sendo levada pela correnteza até a borda do rio, onde parou de costas nas pedras. Um incômodo se originou de seu bolso traseiro, mas foi quase que completamente ofuscado pela miríade de dores que dançavam pelo seu corpo. Pelo canto do olho, viu Mewtwo se aproximando, levitando pelos ares. Como é que Mew achava que conseguiria lutar, pensou ela. Não tinha nada que conseguisse derrotar o clone. Não era possível que tivesse sido enviada tal como uma vaca para o abate.

 E naquele momento, uma luz preencheu sua mente. Levou a mão esquerda rapidamente à parte de trás do bolso, tateando de forma desesperada enquanto ainda tinha tempo. Não havia levado nada consigo quando saiu para procurar os Rockets, pensou enquanto ainda juntava conscientemente as peças do quebra-cabeça. E, de fato, não havia nada em seus bolsos quando entrou na caverna.

 Seus dedos encontraram uma pequena esfera de um material liso, e ela levou o objeto até seus olhos. Parecia com uma Pokébola, com uma cor roxa onde deveria ficar o vermelho, e um "M" rubro bordado na superfície. Já havia visto aquilo antes, e sua mente a levou momentaneamente até o hospital em que havia ficado depois de salvar Saffron dos Rockets. Se lembrou do presidente da Companhia Silph lhe entregando um protótipo da Masterbola, a Pokébola que possuía uma taxa de cem por cento de chances de captura. Era um dos únicos modelos existentes em todo o planeta, e algo tão impressionante que até mesmo Giovanni queria colocar suas mãos em um. E de repente, o motivo estava bem claro para a garota. Ele precisava da Masterbola para capturar novamente Mewtwo. E agora esse era o trabalho de Kari, a única coisa que a separava da morte.

 Apertou com força a esfera roxa, levantando a cabeça para encarar o adversário que se aproximava. Cambaleante, conseguiu se levantar, tomando cuidado para apoiar o mínimo possível na perna quebrada. Com os cabelos molhados por cima dos olhos, ficou esperando Mewtwo ficar mais próximo.

 - Humana. Seu fim chegou. - Ele estendeu o braço para levantá-la, mas desta vez Kari foi mais rápida.

 - Acho que não. - Respondeu ela. Em seguida, apertou um botão em uma Pokébola no cinto, e uma energia vermelha se manifestou na caverna. Em frações de segundo, Kenichi já estava fora, disparando contra o surpreso Mewtwo. A garota se desequilibrou, sentindo a perna quebrada gemer. Ao invés de retomar o apoio, ela sacou o resto de suas Pokébolas desajeitadamente e as jogou no ar, liberando o resto de sua equipe. Caiu na beira do rio em seguida, mas conseguiu virar o corpo para cima, enxergando Kenichi se degladiar contra o adversário no alto. - ACABEM COM ELE AGORA. - Gritou ela, apontando para os dois.

 Naquele momento, Sara saltou até eles, com as garras prontas para o ataque. Mewtwo abriu os braços com violência, arremessando a Sandslash e Kenichi para longe. Sophie aproveitou o momento e disparou um fino raio de gelo, facilmente desviado pelo clone. Ele contra-atacou com inúmeros projéteis brilhantes, que explodiram na superfície do rio, provocando uma chuva torrencial na área.

 - NÃO DEIXEM ELE DESCANSAR! - Gritou a treinadora por cima do caos. Zelda disparou para o alto enquanto Liz e Sophie descarregavam novos projéteis contra Mewtwo. Ele defletiu novamente os raios, mas não conseguiu desviar dos dentes afiados da Golbat, que foram enterrados profundamente em seu ombro. O clone a mandou para longe, grunhindo, no momento em que Sara aparecia do nada e o agarrava pelas costas. Mewtwo tentou se desvencilhar, mas não antes da vez de Kenichi surgir, atacando-o com suas garras. O Charizard em seguida agarrou Sara e se afastou, deixando Sophie e Liz acertarem o adversário com seus raios. Kari segurou a Masterbola nas mãos, esperando o melhor momento para agir.

 Infelizmente, não seria no futuro próximo. Mewtwo descarregou uma rajada psíquica por toda a expansão da caverna, destruindo rochas e jogando os combatentes para longe. Kari foi arremessada para trás, rolando várias vezes antes de bater com força em uma estalagmite quebrada. A perna agonizava e as costelas pareciam perfurar o pulmão, mas ela se manteve lúcida.

 - TODOS ATRÁS DE MIM! - Gritou Kenichi, avançando à frente da equipe que ainda se recuperava do golpe. O corpo do Charizard brilhou em um vermelho vivo, e ele disparou uma enorme labareda de fogo, que engoliu Mewtwo e o resto da caverna, lançando uma névoa pesada aos ares. Todos ficaram em silêncio, esperando alguma resposta daquele golpe, todos torcendo pelo melhor.

 O melhor que, infelizmente, não aconteceu. A figura de Mewtwo se tornou visível na fumaça, brilhando em um tom roxo. Ele imediatamente disparou à frente, derrubando Kenichi com um gesto das mãos e Sophie com outro. Sara e Zelda se adiantaram, mas também foram jogadas para longe com um simples aceno mental. O clone encarou Kari, mesmo de longe, e seguiu em sua direção.

 - Se acha que essas meras distrações serão capazes de me deter, saiba que está brincando com um perigo muito maior do que consegue conceber. - Liz tentou ficar entre os dois, com os braços abertos, mas foi envolvida pelo aperto invisível de Mewtwo. - Vejamos como responde ao ver uma de suas combatentes destruída na frente de seus olhos.

 - NÃO! LIZ! - Kari tentou se levantar, com a Masterbola em mãos, mas um murro invisível a fez afundar de cara no chão. Seu nariz pareceu explodir no contato, estalando e jorrando uma quantidade absurda de sangue. A garota procurou se mover, mas era impossível. Ela ficou onde estava, sentindo o sangue quente molhar seus lábios.

 Eis que, de repente, a pressão sumiu. Kari levantou a cabeça, zonza, e avistou Kenichi segurando Mewtwo por trás, conseguindo manter o aperto com extrema dificuldade. O Charizard encarou a treinadora, ainda caída no chão.

 - KARI, SE FOR FAZER ALGO, FAÇA AGORA! - Gritou ele. A garota se levantou imediatamente, segurando a Masterbola na mão. Mewtwo encarou a esfera, e o arregalar de seus olhos deixava claro que ele sabia o que aquilo significava. O clone tentou se livrar desesperadamente do aperto do Charizard, mas Kari já havia se adiantado.

 - Essa é por todo o caos que você causou, seu imbecil. - Grunhiu a garota, batendo a Masterbola com força na testa de Mewtwo, que foi imediatamente absorvido pela esfera que em seguida caiu no chão. Kari também caiu, ficando de costas na rocha, exausta. - Acho que era isso. - Disse ela cansada para Kenichi.

 Naquele momento, no entanto, a Masterbola quebrou, liberando a energia vermelha que tomou a forma de Mewtwo. Kari ficou sem palavras, observando assustada o Pokémon se livrar da armadilha supostamente perfeita. Isso não fazia sentido nenhum, foi seu primeiro pensamento, e ela olhou com puro terror para o adversário. - O que está acontecendo aqui?

 - Oh. Não esperava que você possuísse uma Masterbola. - Disse uma voz atrás da garota. Ela se virou, e descobriu um vulto nas trevas. Estranhou o fato de não tê-lo visto até então.

 - Quem é você? - Perguntou ela. De fato, a voz era bastante familiar, embora não conseguisse se lembrar.

 - Quem eu sou não importa. - Continuou o vulto, muito afastado para que pudesse ser identificado. - Tudo que interessa a você agora é que sou o dono de Mewtwo. E é por isso que sua captura não funcionou.

 - Você... é o treinador dele? - Ela se virou, avistando o Pokémon atrás de si. De fato, Mewtwo parecia bastante constrangido pelo fato, e evitava o contato visual.

 - Bem... foi bom enquanto durou, não foi? - Ele estendeu a mão, mas antes que pudesse fazer algo Mew surgiu entre os dois, se conjurando através de um portal rosa.

 - Pare agora. - Disse a voz do pequeno Pokémon. - Está brincando com coisas que não consegue controlar. - O vulto não pareceu seimpressionado, pois não alterou a voz.

 - Mewtwo, você tem sua chance. Acabe com ele. - A apatia surgiu do clone, que atacou ferozmente seu original. Mew tentou se defender, mas foi jogado para longe antes de conseguir fazer alguma coisa. - Agora, a garota!

 Mewtwo se virou para Kari, que deu dois passos para trás. A garota conseguia sentir o ar se alterando, ficando cada vez mais quente enquanto um tom roxo se misturava na atmosfera.

 - Não! - Gritou a voz de Mew, e uma esfera rosa cobriu a treinadora. O roxo se chocou, se tornando vermelho e azul, brilhando forte até virar um branco forte. - Kari! Kari!

 A garota tentou responder. Tentou clamar por seus Pokémon, por Mew, por qualquer um que conseguisse ouví-la. Mas, em uma fração de segundo, só havia branco. A cor invadia sua audição, sua visão, até mesmo o olfato. De alguma forma, não existia nada, exceto o nada. Kari não conseguia esboçar uma reação, sentindo como se estivesse sendo arrancada do próprio corpo.

 E então ela perdeu os sentidos.

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