terça-feira, 22 de outubro de 2013

Aurora: Prólogo

P.S: Você, que está começando Aurora agora (muito obrigado), irá encontrar uma versão muito mais caprichada e compilada no PDF DE AURORA. Recomendo.

AURORA
PRÓLOGO

 - SAMUEL, CUIDADO! - Gritou Adam Alba, correndo até um pilar de pedra. As chamas brotaram ao redor da pilastra, derretendo ligeiramente as bordas com seu calor mortal. O homem ficou apoiado na pedra cada vez mais quente, esperando pacientemente a oportunidade para fugir. Seu cabelo negro e comprido ameaçava encostar no fogo, assim como seus trajes negros e longos, mas sem sucesso.

 - Cale a boca, seu imbecil! - Reclamou Samuel, um homem de cabelos revoltos e castanhos, assim como um rosto duro e olhos da mesma cor que os fios na cabeça, e que vestia apenas uma calça de tecido marrom. Mesmo através do barulho das chamas era possível ouvir sua voz alta. - Foi você que nos colocou nessa situação!

 - Ora, não vá me dizer que já se cansou. - Sorriu Alba, esperando o fogo cessar. Seu rosto jovial transparecia alegria e excitação. - Estava bem animado quando zarparmos para cá. O que foi, o perigo ficou maior do que seu querido dinheiro?

 - Seu bastardo... - Retrucou Samuel, afastando o ombro para não encostar na pedra derretida, no entanto sorriu de volta. - Não me venha com essa. Foi você quem quis aceitar essa missão ridiculamente acima do nosso nível. Eu apenas concordei para poder ver o seu caixão de primeira mão.

 - É a missão que vai colocar Aurora no mapa, Samuel. - Disse Adam, encarando distraidamente o céu. - Seremos uma guilda respeitada por toda a costa do Mar de Cellintrum.

 - Isso se conseguirmos sair vivos. - Sublinhou o outro homem. Ele rangeu os dentes e encarou as chamas que continuavam brotando. - Essa besta não cansa de gastar Yullian? - Yullian era uma substância especial que moldava grande parte do planeta. Ela concedia poderes e habilidades para quem nascesse, controlasse, ou possuísse um objeto capaz de manipulá-la. No caso, a besta parecia possuir uma grande reserva de Yullian para conjurar suas chamas.

 Justo naquele momento, a baforada de fogo cessou. Adam e Samuel ficaram quietos, respirando fundo. O homem de cabelos negros, um pouco trêmulo, decidiu colocar a cabeça para fora da pilastra e observar o que estava acontecendo. A besta, um ser de quatro patas parecido com um javali com pêlo laranja, focinho achatado e quase três metros de largura, chamada Igprum, estava correndo para a mata fechada, aparentemente crente de que seu trabalho estava feito. Os dois homens ficaram onde estavam, com os ouvidos atentos, até que o barulho do Igprum cessou.

 - Precisamos segui-la. - Disse Adam, saindo detrás da pilastra. Estavam em uma construção inacabada, abandonada pelos ataques de bestas na região. O edifício em questão seria a representação de uma grande empresa pesqueira do Mar de Cellintrum chamada Tactunne, e eles iriam pagar uma quantia alta para quem livrasse a região dos ataques, principalmente da temida Igprum. Era ali que entravam Adam e Samuel. - Há uma cidade mais abaixo. Ela pode muito bem causar um desastre sem proporções.

 - Em que tipo de furada nos metemos? - Suspirou Samuel, mas ainda assim seguiu o outro homem. Os dois começaram a andar rapidamente em direção a floresta, e suas semelhanças se notaram ainda mais acentuadas conforme caminhavam lado a lado. Os dois eram altos e fortes, e nenhum deles vestia uma camisa. Adam, no entanto, usava uma longa capa preta com bordas brancas por cima da calça escura. Samuel preferia andar sem esses acessórios. - Quer dizer, como você espera que nós derrotemos aquela coisa? Mal conseguimos chegar perto dela!

 - Foi apenas uma questão das circunstâncias, Samuel. - Disse Adam, colocando as mãos nos bolsos da capa enquanto demonstrava uma expressão despreocupada. - Ela nos pegou desprevenidos. Agora é a nossa vez.

 - Acha mesmo que conseguiremos surpreendê-la? Aqui? Aquela Igprum maldito viveu sua vida inteira nessa floresta. Eu nem sequer coloquei meus pés nesta ilha. - O que era compartilhado com a maior parte da população ao redor do Mar de Cellintrum. O arquipélago de Gamora era praticamente ignorado pelas regiões vizinhas, muito pelo ambiente hostil que a ilha principal, também chamada de Gamora, possuía. A iniciativa da Tactunne, mas poderia render grandes mudanças. Isso se conseguissem construir seu prédio.

 - Eu vim aqui uma vez com Stella, um pouco antes de Sasha nascer. - Adam começou a encarar as árvores, parecendo surpreso pelas suas formas e cores diversas. - A cidade aqui perto tem um restaurante que cozinha um peixe muito bom.

 - A menos que vocês dois tenham feito táticas de guerrilha e esse lugar não tenha mudado nada nos últimos doze anos, não acho que seu conhecimento sobre restaurantes irá nos ajudar. - Disse Samuel, rangendo os dentes. - A menos que queira indicar àquela besta um bom lugar pra comer em vez de nos devorar.

 - Você é muito explosivo. - Sorriu Adam, parando de andar. - Eu sei o que estou fazendo.

 - O que você quer dizer com... oh. - Samuel também estancou, parando à beira de um pequeno precipício. Lá embaixo, o Igprum caminhava por entre uma rota larga. - Como você soube? - O outro homem colocou o dedo ao lado de seu próprio nariz.

 - O vento. Querendo ou não essa besta produz um forte cheiro de queimado, o suficiente para ser captada à distância. E tivemos sorte da brisa ter nos mandado essa trilha. - Ele começou a se aproximar do precipício enquanto Samuel sorria de forma forçada.

 - Seu bastardo. Nem todos nós temos sentidos aguçados, sabia? A Yullian em meu corpo não foi tão boazinha. - Ele e Adam eram um dos raros seres humanos que nasciam com a substância no corpo, concedendo habilidades extras desde a infância. No entanto, em seus ramos de trabalho, ter a Yullian era bastante comum, tornando-os par a par com outras raças. Pelo menos na teoria. - Agora me diga, pequeno imitador de elfo, o que seus olhos vêem?

 - Uma criança. - Disse Adam, de repente mantendo uma expressão séria. Samuel olhou para baixo também, e viu claramente um pequeno garoto trêmulo estancar no caminho do Igprum, que mantinha seu trajeto. Embora o perigo fosse palpável, a criança não conseguia sair do lugar. Adam fez menção de se levantar, mas o outro homem segurou seu punho.

 - Espere. Atacar a besta agora pode provocar um incêndio na floresta ou algo assim. - Adam o encarou com um olhar irado, e Samuel largou o aperto inconscientemente.

 - Esse garoto deve ter a mesma idade de Sasha. Abandoná-lo à morte seria a mesma coisa que abandonar minha própria filha. - E com isso ele saltou em direção ao Igprum, gritando alto para chamar sua atenção. Samuel balançou negativamente a cabeça, no entanto também o acompanhou.

 A besta os encarou de forma estranha, como se não conseguisse compreender o fato dos dois humanos atacarem-na de maneira tão direta. Samuel aproveitou a oportunidade e conjurou uma pequena bola de energia verde nas mãos, jogando-a no rosto do Igprum. A criatura gemeu e recuou com o contato, dando chance para Adam atacá-la com recém-formadas garras roxas que saíam de sua mão, provocando cortes fundos no flanco do adversário.

 Passada a surpresa, porém, o monstro já estava no comando da situação. Embora evitasse lançar suas chamas pelo receio do incêndio, ele ainda era uma enorme ameaça. O Igprum avançou com a cabeça abaixada, fazendo com que Samuel e Adam pulassem para escapar por um triz. O golpe acabou acertando uma árvore, que se partiu facilmente com o contato.

 - Merda. - Praguejou Samuel, vendo a árvore cair com um estrondo. Adam, por sua vez, voltou ao ataque,  mirando a traseira da besta. O monstro desferiu um forte coice, acertando o peito do homem. Ele foi jogado para fora da trilha, caindo na mata fechada. - Merda, merda. - Repetiu o homem de cabelos castanhos, vendo o Igprum se virar para ele.

 Samuel saltou para a esquerda, conseguindo evitar novamente o ataque. A besta deslizou na terra enquanto girava, procurando acertá-lo novamente. O homem, por sua vez, lançou duas esferas verdes mirando os olhos da criatura. Uma acabou errando por muito, mas a outra acertou em cheio. A fera rugiu e disparou cegamente pela estrada, bem no caminho da criança.

 - NÃO! - Gritou Samuel, mas um vulto passou ao seu lado antes que pudesse fazer qualquer outra coisa. Adam correu como nunca, saltando no fim para cair em cima do Igprum. Segurou no pelo longo da criatura com uma das mãos, e com a outra enfiou as garras no flanco. A besta rugiu e desviou, fazendo um semi-círculo descontrolado em seu eixo. Foi o suficiente para que Adam desferisse outro golpe, desta vez acertando a cabeça da besta. O Igprum tentou se debater, mas estava morto antes de cair.

 Adam se levantou, respirando com dificuldades. - Samuel, por favor faça a checagem e prenda o corpo. Nossos patrões pediram a criatura viva. - Ele inspirou fundo, e se virou para o garoto no fim da estrada. Ele continuava de pé, embora tremesse descontroladamente. O homem de cabelos negros se aproximou, e sua capa esvoaçou com a brisa natural.

 - Você está bem, criança? - Perguntou Adam, se agachando e colocando a mão em seu ombro. Ele era bem pequeno para sua idade, com cabelos negros cortados de forma curta e um pequeno quimono branco sem mangas. O garoto, ainda trêmulo, acenou positivamente com a cabeça, parecendo assombrado demais para falar. - Qual é o seu nome?

 - Eu... eu sou o Dalan. - Disse ele, quebrando o silêncio. Ele encarava Adam com os olhos bem abertos. - Q-quem são vocês? - Samuel olhou para trás com um sorriso, encarando Samuel.

 -  Nós somos da Aurora, Dalan. É uma guilda do continente. - Ele encarou a criança. - Vocês não tem uma guilda por aqui, não é? - O garoto acenou negativamente com a cabeça. - Bem, caso um dia precise de ajuda com algum problema, procure por nós. Estaremos prontos para te ajudar.

 - Isso se conseguir pagar! - Gritou Samuel de forma jocosa, mas foi sumariamente repreendido pelo olhar de Adam, que se virou novamente para a criança.

 - Não ligue para aquele velho. Ele apenas gosta muito do dinheiro, tanto que se casou com uma barra de ouro. - O homem se levantou, olhando o garoto do alto com um sorriso singelo. - Agora vá para casa. Sua mãe deve estar terrivelmente preocupada.

 - T-tá! - Gaguejou Dalan, se virando para correr pela estrada. No meio do caminho, no entanto, ele se virou e gritou: - Por que... por que vocês se chamam de Aurora?

 - Somos o brilho mais forte da noite escura! Quando as trevas estiverem em seu ápice, a Aurora não tardará, e iluminará todos que olharem para cima! - A criança pareceu aceitar a descrição, e voltou a correr para sua casa. Adam sorriu e balançou a cabeça com os olhos fechados. - Acho que foi a primeira vez que consegui recitar nosso lema sem errar. Dezoito anos errando as palavras. E olhe que fui eu mesmo que escrevi.

 - Você vai ficar aí todo sorridente enquanto eu faço o trabalho duro? - Perguntou Samuel, terminando de amarrar o Igprum na rede. Adam suspirou com força, tirando as mãos do bolso.

 - É claro que não. Acha mesmo que iria deixar você cuidar dos últimos passos desse trabalho tão importante sozinho? Teria sido mais responsável deixar aquela criança em seu lugar.

 - Então dê meia-volta e convide ela para o meu lugar, então. - Os dois riram alto, e Adam se aproximou da besta caída. No alto, o céu ainda brilhava forte. Era um dia belo, e nenhuma nuvem ameaçava sujar o belo tom de azul que decorava o firmamento.

No entanto, a noite viria de chegar.

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