P.S: Você, que está começando Aurora agora (muito obrigado), irá encontrar uma versão muito mais caprichada e compilada no PDF DE AURORA. Recomendo.
AURORA
AURORA
CAPÍTULO 1: DALAN GLACIUS
O barulho do cascalho esmagado era o único som que ecoava na estreita rua urbana, e o jovem que caminhava por essa viela era a única alma viva no local, seguindo de forma lenta e constante seu caminho através do sol forte.
Ele tinha cabelos negros e revoltos que alcançavam a altura do queixo, mas no momento estavam cobertos por um longo capuz azul com detalhes bordados em branco. Seu rosto era duro e angular, com um queixo fino e curto. Possuía olhos da cor do ébano, e sobrancelhas finas que lhes davam um ar de seriedade, assim como a boca reta. O jovem vestia um traje branco semelhante a um quimono, embora mais fino e sem mangas. Por cima disso havia o previamente mencionado capuz, que fazia parte de uma longa capa que alcançava os joelhos, quase alcançando em certos pontos os pés, que calçavam um simples tamanco de madeira. Seu nome era Dalan Glacius, e ele vinha de muito longe.
De fato, embora a viagem tenha sido cansativa e pontuada por momentos de frustração e tensão, ele não demonstrava sinais de cansaço. Seguia adiante com os passos firmes, atravessando casas com um ar de abandono, a maioria com dois andares cobertos de poeira e ervas-daninhas. A região oeste da cidade de Helleon era muito menos movimentada do que a parte leste, banhada pelo Mar de Cellintrum e responsável pela única atividade econômica da cidade, a pesca, embora a própria não conseguisse tornar o povoado de um pouco mais de cinco mil habitantes próspero. Não que Dalan soubesse disso. Ele havia vindo do norte, caminhando e pegando carona desde o pequeno vilarejo pesqueiro de Gorla, atravessando sete dias de viagem, sempre acompanhando o mar à sua esquerda. E agora, estava extremamente perto do final. Embora seus passos continuassem firmes, seu coração batia mais forte. No fundo, Dalan esperava uma resposta negativa às suas preces, mas não havia outra maneira. Não possuía mais lar para voltar.
Chegou até uma praça, e a construção que procurava surgiu à sua frente. Mesmo com baixas expectativas, ainda assim se sentiu desiludido. Embora fosse um prédio de tamanho considerável, com duas fileiras de andares com dez janelas na superior, estava em estado deplorável. Parte do terraço havia ruído, e rachaduras se proliferavam como vermes em um corpo morto. No entanto, havia sinais de vida, o que era mais do que podia ser dito dos outros prédios da região.
Dalan atravessou a praça, dando uma rápida olhada para o relógio solar no centro da área. Dezesseis marcas, pensou ele. Seu estômago roncou, como se tivesse lembrado que não havia almoçado. Ignorando-o, o jovem se aproximou das portas duplas de madeira decorada, o único adereço que parecia limpo e intacto. Quando faltavam cinco passos, no entanto, as portas se abriram com violência.
- SAMUEL! - Gritou uma voz feminina de dentro, e um homem saiu do edifício com passos irritados e apressados. Ele não vestia uma camisa, e sim uma calça de tecido grosso e marrom, assim como um cinto brilhante. Tinha o cabelo raspado e olhos castanhos, mas passou por Dalan antes que o garoto conseguisse olhá-lo melhor. Na porta, uma mulher com longos cabelos azuis-claros e um vestido cinza recomeçou a gritar. - VOLTE AQUI! AGORA! - No entanto, Samuel não olhou para trás.
Dalan ficou um pouco desconcertado com a cena, mas voltou a andar logo em seguida. A mulher da porta continuou onde estava, encarando desolada o homem que se afastava ainda mais. De perto, o garoto conseguiu estimar sua idade por volta dos quarenta anos, a partir das rugas finas que marcavam a região perto de seus olhos. Ela tinha olhos da mesma cor forte que os cabelos ondulados, e o rosto tinha traços delicados porém constituição geral firme, transparecendo uma beleza exótica, embora difícil de ser captada de primeira. Ela não percebeu Dalan se aproximar, perdida em profundos pensamentos.
- É... - O garoto ficou desconcertado, sem saber exatamente como reagir. Decidiu aguardar a mulher se recompor para recomeçar a falar, e assim aguardou por longos segundos. Finalmente, como se tivesse acordado de um sonho, ela estremeceu e reparou no jovem ao seu lado.
- Oi! - Disse ela, e sua agitação pareceu rejuvenescê-la cerca de dez anos. - E-eu... em que posso ajudá-lo? - Perguntou com os olhos arregalados enquanto ajeitava o cabelo.
- Olá. Meu nome é Dalan Glacius. - Ele esticou a mão de forma apressada e robótica, e a mulher demorou alguns segundos para retribuir o aperto, também desconcertada. - Esta é a guilda Aurora?
- Ah... sim! - Ela encarou de relance o interior do prédio, e Dalan acompanhou o seu olhar. Havia uma sala ampla, composta por diversas mesas de madeira e um balcão empoeirado. Também haviam algumas pessoas, mas o garoto não teve tempo de identificá-las. - Bem-vindo à melhor guilda de Helleon e suas regiões adjacentes! Meu nome é Stella Alba, e sou a Mestra de Aurora! - Ela sorriu, embora seus olhos demonstrassem uma pontada triste. - Em que podemos ajudá-lo?
- Eu... - Dalan havia pensado naquela frase desde que saiu de Gorla, mas na hora apenas crocitou outras palavras. - ... gostaria de entrar na sua guilda!
Um movimento no interior do prédio surgiu, mas o garoto não estava prestando atenção. Estava inteiramente focado na reação de Stella, rezando internamente por uma resposta afirmativa. A mulher recuou um pouco a cabeça para trás e piscou, como se não tivesse entendido direito.
- Você... quer entrar na Aurora? - Perguntou ela com a voz lenta. Dalan acenou positivamente com a cabeça, nervoso, e Stella desviou o olhar por um momento, mordendo o lábio. Finalmente, abriu um sorriso. - Venha até meu escritório, por favor.
Os dois caminharam pelo salão, e Dalan percebeu os rostos virados para ele. Ninguém falava. Uma mulher jovem, de corpo escultural e cabelos longos e roxos o encarava do outro lado do balcão, acompanhada por um homem com cabelos curtos e negros com detalhes em grisalho, que vestia uma longa veste alaranjada. Nas mesas haviam duas gêmeas de cabelos curtos e louros, diferenciáveis apenas pela boina marrom que uma delas usava. Enquanto subiam as escadas de madeira, o garoto percebeu um rapaz nas sombras do corredor do segundo andar, mas a iluminação ali era tão pouca que não conseguiu observar nenhum detalhe. Finalmente, Stella entrou em uma porta à direita, e Dalan a acompanhou, apressado.
- Sinta-se à vontade. - Era um quarto apertado, de teto baixo e com armários e mesas apinhando as paredes, cobertas de papéis, penas e outros objetos. O garoto poderia jurar que ouviu um cacareco de uma das gavetas, mas não o ouviu novamente. Havia uma mesa de madeira no centro, forrada de tecido verde e com um amontoado de papéis e moedas espalhados pela superfície. Dalan se sentou em um banco enquanto Stella tentava arrumar tudo rapidamente, ao mesmo tempo em que abria as gavetas em busca de algo.
- Ah, achei. - Disse ela para si mesma, afastando as moedas com a mão esquerda enquanto puxava um contrato com a direita. A mulher suspirou, se ajeitou na cadeira e encarou o garoto com um sorriso simpático enquanto tateava em busca das penas e do tinteiro. - Agora, apenas para confirmar: você deseja mesmo se juntar à Aurora?
- Sim. - Respondeu Dalan, absorto pela quantidade de coisas no quarto. Seus olhos captaram uma corrente de bronze no topo de um armário que se movia sozinha.
- Tem certeza? - Parecia que Stella estava aguardando uma pegadinha ou algo do tipo, mas não era o caso de Dalan, que apenas concordou com a cabeça. - O.K... me desculpe, mas qual é o seu nome mesmo?
- Dalan. Dalan Glacius.
- Certo, Dalan. - Ela finalmente conseguiu pegar a jarra do tinteiro e uma pena, mergulhando a ponta no líquido escuro. - Você sabe como guildas funcionam?
- Ah... - Começou o garoto, desconcertado e nervoso. - Elas fazem o trabalho que as outras pessoas pedem? Me desculpe, de onde venho não existem guildas. - Acrescentou ele de forma apressada. Stella apenas sorriu calorosamente, fazendo-o se acalmar.
- Não se preocupe, eu te informarei o básico. - Ela abaixou a cabeça e começou a preencher diversas partes do contrato enquanto continuava a falar. - Você sabe da guerra, não sabe? - Ela levantou ligeiramente a cabeça apenas para ver o aceno positivo de Dalan. - Bem, todos os nossos recursos há gerações estão sendo investidos na Fronteira, e isso gera uma falta de apoio policial gigantesca no interior da Aliança. Assim, há vários anos, um grupo de elfos em um dos territórios élficos criou a primeira guilda, Fulgen'ere, Estrela Radiante na língua deles, para suprir a defesa das leis. Com o tempo começaram a surgir outras guildas e o conceito se expandiu, abrangendo a realizações de missões para o povo comum em troca de incentivo financeiro.
- Hoje todas as guildas oficializadas pertencem a um conselho regional, e a cada semana nós compramos algumas missões em leilão de acordo com diversos critérios que variam de uma guilda para a outra. Temos um tempo para resolvê-las, e se metade desse tempo, chamado Tempo de Contrato, se passar a missão será encaminhada para a próxima guilda da lista. As missões são categorizadas em diversos níveis, e para impedir que organizações pequenas tentem missões acima de seu nível existe o Preço das Missões, que ficam mais caras conforme mais difíceis são. Claro, não é exatamente a melhor forma de resolver isso, mas por enquanto é funcional. - Stella parou para rabiscar uma errata no contrato, mastigando a língua enquanto fazia isso. - Cada membro de guilda pega a missão que quiser dentro de sua própria organização, e parte do pagamento dela, oferecido por quem a registrar no conselho, vai para a própria guilda, fazendo com que ela consiga comprar novas missões. Com o tempo, teoricamente ela consegue mais reconhecimento, conseguindo entre outras coisas atrair as raras missões encaminhadas, que seriam oferecidas diretamente para a guilda. Esse crescimento é extremamente importante para a manutenção dela, mas irei entrar nesses detalhes depois. Qual é a sua idade? - Ela levantou a cabeça, esperando a resposta de Dalan. O garoto se assustou, ainda absorvendo toda aquela informação, mas tentou balbuciar rapidamente a resposta.
- D-dezenove.
- Certo. - Ela anotou a idade no contrato. - Você possui controle de Yullian? - A Yullian era uma substância rara e misteriosa que garantia habilidades extraordinárias ao usuário. Era tão importante para a guerra que a maior parte dos chamados Yullianos era convocada diretamente para o fronte.
- Sim. - Respondeu Dalan.
- Ela é natural, você controla, deriva de um item especial.... - Ela estreitou os olhos, juntou os lábios e inclinou minimamente a cabeça, balançando as mãos em movimentos circulares enquanto aguardava a resposta.
- Natural. - Disse casualmente o garoto, encarando uma corrente que mudava de cor.
- Excelente. - Disse ela, riscando uma marca no contrato. - Eu não sei se você sabe, mas nascer com a Yullian é bem raro entre nós, humanos. - Dalan apenas acenou positivamente com a cabeça, observando os elos mudarem lentamente de verde para amarelo. - Só que, em nosso ramo de trabalho, nascer com a Yullian é quase um pré-requisito. Quase, visto que temos membros em nossa guilda que vão contra essa tendência. - Ela girou o contrato habilmente com uma das mãos, empurrando-o para Dalan. - Tome.
- O que é isso? - Perguntou o garoto, finalmente desviando sua atenção da corrente. No papel havia uma série de tópicos com porcentagens monetárias e suas destinações.
- Nosso sistema financeiro. Temos a política de detalharmos o pagamento para os novos membros, de modo a evitar confusões. - Stella se inclinou, apontando para o topo do papel. - Como você vê aqui, há o salário mínimo de quinhentos e cinquenta tenes mensais. - Dalan não conseguiu conter um olhar de descontentamento. Sua família costumava faturar mil e trezentos tenes, e viviam à margem da pobreza. Stella captou seu olhar e acrescentou rapidamente: - Claro, nenhum membro de guilda se contenta com o mínimo. Por isso fazemos missões. Você receberá trinta por cento do pagamento delas, uma taxa condizente com as outras guildas ao redor do Mar de Cellintrum, assim como manterá qualquer bonificação extra. Aqui... - Ela apontou para os tópicos. - ... você poderá ver aonde os setenta por cento restantes irão. Manutenção, compra de novas missões, está tudo aí. - Dalan passou os olhos pelas palavras, e aceitou o que viu. Percebeu a possibilidade de ter sido mal compreendido pela outra mulher, e rapidamente se pôs a falar.
- Eu... não quis dizer nada de mal. Não estou nessa pelo dinheiro. - Disse ele, sentindo o rosto se pintar levemente de vermelho. Stella ofereceu um olhar calmo e um sorriso aquietante, e voltou a puxar o contrato para si.
- Somos uma guilda pobre, Dalan. Não irei negar isso. - Ela virou a página, chegando à final. - Agora, eu gostaria de saber uma coisa muito importante. - Stella se ajeitou na cadeira e encarou fundo nos olhos do garoto, que quase desviou o olhar. - Qual é o motivo de estar entrando em uma guilda? Especificamente na Aurora. Sendo bastante sincera, há diversas outras guildas mais ao norte que são muito mais estáveis do que a nossa. Por que nós?
- Eu... - Dalan se sentiu desconfortável com aquela seriedade repentina, e afastou minimamente o corpo.
- Eu preciso perguntar isso, Dalan. - Sua voz estava mais reconfortante, mas os olhos azuis-claros continuavam sérios e frios. - Várias pessoas já entraram aqui em busca de dinheiro fácil, mesmo que seja pouco. Precisamos saber se você não é uma dessas. E além disso, deve haver um motivo para ingressar nessa carreira tão arriscada. Se quiser entrar, precisamos te conhecer antes.
Dalan respirou fundo, conseguindo manter o olhar. Os últimos dias voltaram à sua mente, e ele se lembrou do motivo de sua jornada. Algo brilhou no fundo de seus olhos, e ele retribuiu o olhar sério de Stella. Só esperava que ela acreditasse. - Você conhece o arquipélago de Gamora?
Algo passou pelos olhos de Stella, como se ela tivesse se lembrado de algo feliz. No entanto, logo em seguida a tristeza mascarou seu olhar. - Sim, eu... passei lá. Faz quase vinte anos.
- Eu nasci lá. - Dalan respirou fundo antes de continuar, sentindo o coração bater forte. Havia pensando nas palavras durante toda sua jornada até Helleon, mas elas de repente haviam sumido, restando apenas uma simples frase. - O arquipélago inteiro sumiu. - Disparou ele, ofegante.
Stella estreitou os olhos e movimentou a cabeça um pouco para trás. - ... Sumiu? - Perguntou ela, com a voz cuidadosa.
- Eu sei que parece bizarro. - Disse Dalan, com a voz cada vez mais aguda e veloz. - Só que você tem que acreditar em mim. Meus pais me mandaram fazer uma entrega em Gorla, no continente. Quando eu voltei para Gamora, ela não estava mais lá!
- Você tem certeza que navegou para o lugar certo? - Perguntou Stella, inclinando a cabeça.
- Sim! - A voz de Dalan se elevou, e ele se controlou forçadamente. Perguntaram a mesma coisa em Gorla, e acabaram por zombar dele. Era vital que Stella acreditasse nele. - É sério! Faço essa viagem desde que completei quinze anos, e nem uma vez errei o caminho! Gamora realmente sumiu do mapa! - Ele percebeu que estava segurando os braços da cadeira com tanta força que a madeira chegava a estalar. Respirou fundo e deixou a cabeça pender, sentindo pequenas poças de lágrimas se juntarem ao redor dos olhos. Passara tanto tempo na viagem que havia praticamente esquecido a força daquela constatação. Era como se inconscientemente acreditasse que tudo estaria resolvido quando chegasse em Helleon, deixando que a dura realidade o acertasse naquela sala apertada.
Stella ficou em silêncio, entrelaçando os dedos e utilizando-os de apoio para o queixo enquanto franzia as sobrancelhas para Dalan. Finalmente ela falou, fazendo com que o garoto levantasse a cabeça. - Bem, isso é bastante sério. Não me lembro de terem noticiado isso em nenhum lugar, então devem haver forças ocultas nessa história. Precisamos pesquisar isso.
- Você... acredita em mim? - Perguntou Dalan, sem conseguir acreditar.
- Seus olhos não mentem, querido. - Respondeu ela, oferecendo um olhar caloroso. As lágrimas quase voltaram ao rosto do garoto, mas ele limpou-as com as costas da mão. - Imagino que você queira descobrir o que aconteceu. - Continuou Stella.
- É por isso que quis entrar na Aurora. - Disse ele com a voz grogue. - Com os contatos certos, poderei saber a verdade.
- Bem, para isso precisaremos crescer um bocado. - Acrescentou ela, se ajeitando na cadeira. - No entanto, minha outra pergunta continua. Por que a Aurora? Digo, outras guildas maiores poderiam solucionar seu problema de forma mais rápida, mesmo que quisesse entrar em uma delas.
- Eu... pensei nisso. - Ele começou a coçar o pescoço, parecendo desconfortável. - Só que não acho que conseguiria entrar em uma guilda grande, e não tenho dinheiro para pagar uma missão desse nível. Além do mais... um homem da Aurora me salvou quando era criança. Ele me disse para procurar essa guilda caso tivesse problemas.
- E qual era o nome dele? - Perguntou Stella, subitamente tensa. Era como se soubesse a resposta.
- Adam. Adam Alba. - Respondeu Dalan.
- Oh. - Disse Stella, e sua expressão imediatamente desvaneceu, e as rugas voltaram a pontuar seus olhos. Ela respirou fundo, soltando um sorriso sem emoção. - Ele era meu marido. Costumava dizer esse tipo de coisa para todos que encontrava. Ele... morreu há dois anos. - Completou, desviando o olhar, passando a mão pelos cabelos ondulados.
- Eu... sinto muito. - Gaguejou o garoto, sem saber exatamente o que dizer.
- Não se preocupe. - Stella voltou a sorrir, mas novamente não havia emoção no gesto. - Agora, sobre sua ilha... - Ela suspirou e passou novamente a mão pelos cabelos, apoiando os cotovelos na mesa enquanto encarava o contrato. - Não vou mentir e dizer que será fácil. Precisaremos de bastante poder político para pesquisar algo que está claramente escondido. Se um arquipélago inteiro sumiu e ninguém falou nada, está claro que há manipulação externa. Só que, para conseguirmos essa influência, precisaremos crescer. E, visto o estado atual da guilda... - Ela atravessou a sala com os olhos. - ... isso demorará. Quanto tempo eu não sou capaz de dizer, mas preciso de sua compreensão. Eu e meu marido fundamos essa guilda para realizar os sonhos de outras pessoas, ser a aurora em suas noites escuras. Acredite, como membro da Aurora, sua busca será a nossa busca. Estamos entendidos?
Ela encarava Dalan com um olhar ardente, e isso conseguiu transbordar na alma do garoto. A excitação em fazer parte daquilo, de lutar pelos seus sonhos e finalmente ter um caminho a tomar acenderam uma chama em seu peito. Ele concordou levemente com a cabeça, e Stella sorriu.
- Ótimo, agora só precisamos --
- SAMUEL SAIU? - Houve um estrondo na porta, e uma voz feminina e aguda encheu o pequeno aposento, fazendo com que Stella e Dalan saltassem. O jovem se virou e percebeu uma garota da sua idade, com longas maria-chiquinhas azuis-claras que saiam do lados da cabeça e desciam até a altura das costelas inferiores. Ela tinha um rosto fino e delicado, com o nariz pequeno e arrebitado. Seus grandes olhos tinham a mesma cor do cabelo, e eram acompanhados por sobrancelhas baixas, dando um olhar de seriedade eterna. A garota era magra e tinha uma pele bem branca, e vestia um colant predominantemente preto que cobria o corpo inteiro, decorados com duas linhas em branco que subiam da região do baixo-ventre e subiam até os ombros em formato de V, e entre elas o tecido era pintado do mesmo azul-claro dos cabelos dela. - SÉRIO MESMO?
- Sasha, eu estou com alguém no escritório. - Disse Stella, encarando a garota com a cabeça baixa. Sua voz transpirava ordem, mas Sasha não se importou.
- Ele disse que iria ficar. Disse que meu pai havia sido muito importante para ele abandonar a guilda. - Ela respirou fundo, e seus grandes olhos ficaram cheios de raiva. - Maldito traidor.
- Sasha, Samuel era um homem movido pela ganância. - Disse Stella, e era visível que suas palavras traziam dor. - A amizade dele com seu pai era a única coisa que o mantinha debaixo deste telhado. Francamente, fico surpresa que tenha ficado tanto tempo. - Era claro que isso não era suficiente para Sasha.
- Eu vou atrás dele. - Disse ela, ficando vermelha. - Vou atrás dele e obrigá-lo a voltar de joelhos.
- Sasha, por que ao invés de brigar com águas passadas, não dá boas-vindas ao nosso novo membro? - Stella acenou para Dalan, que se encolheu instintivamente por trás da cadeira. Havia algo no olhar reprovador de Sasha que faria qualquer pessoa tremer.
- Ele? Você pretende substituir Samuel por... ele? - Ela escaneou novamente Dalan com seus grandes olhos azuis, parecendo atravessar até mesmo a cadeira que bloqueava a maior parte do corpo do garoto. - Você só pode estar de brincadeira.
- Sasha... - Começou Stella com a voz reprovadora, mas a filha pareceu ignorá-la.
- Já não temos pessoas improdutivas o suficiente por aqui? - Falou a garota, se virando para a mãe. - Acha mesmo que vamos conseguir crescer assim? Noventa por cento da guilda fica de braços cruzados no salão enquanto espera o pagamento mínimo, ou faz uma missão vagabunda que não vai nos ajudar em nada! Pelo menos Samuel fazia missões decentes!
- O que quer dizer com isso, garota? - Perguntou Stella, franzindo as sobrancelhas. Sasha se virou com Dalan, que se encolheu novamente.
- Ele tem que provar seu valor. Se... se conseguir me derrotar poderemos trazê-lo. - Ela encarou o garoto com uma expressão completamente séria, como se Dalan tivesse feito algum mal terrível.
- Que eu me lembre, eu sou a Mestra de Aurora. E essa guilda agirá do jeito que eu quiser. - Disse Stella, elevando a voz a cada palavra. Sasha se virou novamente para a mãe.
- Essa guilda é tanto responsabilidade minha quanto sua! - Gritou ela também. - Desde que o papai se foi, só temos perdido força e membros!
- E ACHA QUE EU NÃO SEI DISSO? - Vociferou Stella, se levantando bruscamente. O tinteiro da mesa se derramou, lançando seu conteúdo pela superfície. Dalan se encolheu, se sentindo terrivelmente deslocado. Atrás dele, Sasha não recuou.
- Então prove. Pare de agir sem pensar e considere suas ações. Faça algo pela guilda ao invés de qualquer um que atravessa a rua. - Ela lançou um olhar demorado na direção de Dalan, que desta vez conseguiu retribuir. - Estarei te esperando nos fundos.
Sasha bateu a porta com força, derrubando a corrente que mudava de cor. Stella ficou ainda algum tempo em pé, bufando, até que deslizou para voltar à cadeira. - Aquela garota às vezes me deixa à beira de um ataque cardíaco... mas o pior é admitir que ela tem razão. - A mulher encarou Dalan com um olhar de pesar demorado antes de continuar a falar. - Infelizmente estamos com pouquíssimos recursos, querido. Não conseguiremos aguentar mais três meses sem alguém mais... ativo. Por isso, entendo a proposta da minha filha de testar sua força.
- Eu... entendo. - Respondeu Dalan, voltando à familiar posição de não saber o que falar. Stella apenas sorriu.
- Ei. Não precisa se preocupar. Quem irá dar a palavra final serei eu, não importa o quanto ela grite. - A mulher ofereceu outro de seus sorrisos calorosos, que conseguiu acalmar Dalan. - Agora é melhor irmos. Quanto mais cedo decidirmos isso, melhor.
Dalan se levantou com a mente a mil. Stella não havia dito, mas estava claro que precisava se esforçar para conquistar seu lugar na Aurora. Se quisesse reencontrar sua família e seu lar, precisava dar o seu máximo. Precisava fazer isso para seguir em frente.
E havia o pior tipo de adversário em seu caminho. Uma garota irritada.
- Sinta-se à vontade. - Era um quarto apertado, de teto baixo e com armários e mesas apinhando as paredes, cobertas de papéis, penas e outros objetos. O garoto poderia jurar que ouviu um cacareco de uma das gavetas, mas não o ouviu novamente. Havia uma mesa de madeira no centro, forrada de tecido verde e com um amontoado de papéis e moedas espalhados pela superfície. Dalan se sentou em um banco enquanto Stella tentava arrumar tudo rapidamente, ao mesmo tempo em que abria as gavetas em busca de algo.
- Ah, achei. - Disse ela para si mesma, afastando as moedas com a mão esquerda enquanto puxava um contrato com a direita. A mulher suspirou, se ajeitou na cadeira e encarou o garoto com um sorriso simpático enquanto tateava em busca das penas e do tinteiro. - Agora, apenas para confirmar: você deseja mesmo se juntar à Aurora?
- Sim. - Respondeu Dalan, absorto pela quantidade de coisas no quarto. Seus olhos captaram uma corrente de bronze no topo de um armário que se movia sozinha.
- Tem certeza? - Parecia que Stella estava aguardando uma pegadinha ou algo do tipo, mas não era o caso de Dalan, que apenas concordou com a cabeça. - O.K... me desculpe, mas qual é o seu nome mesmo?
- Dalan. Dalan Glacius.
- Certo, Dalan. - Ela finalmente conseguiu pegar a jarra do tinteiro e uma pena, mergulhando a ponta no líquido escuro. - Você sabe como guildas funcionam?
- Ah... - Começou o garoto, desconcertado e nervoso. - Elas fazem o trabalho que as outras pessoas pedem? Me desculpe, de onde venho não existem guildas. - Acrescentou ele de forma apressada. Stella apenas sorriu calorosamente, fazendo-o se acalmar.
- Não se preocupe, eu te informarei o básico. - Ela abaixou a cabeça e começou a preencher diversas partes do contrato enquanto continuava a falar. - Você sabe da guerra, não sabe? - Ela levantou ligeiramente a cabeça apenas para ver o aceno positivo de Dalan. - Bem, todos os nossos recursos há gerações estão sendo investidos na Fronteira, e isso gera uma falta de apoio policial gigantesca no interior da Aliança. Assim, há vários anos, um grupo de elfos em um dos territórios élficos criou a primeira guilda, Fulgen'ere, Estrela Radiante na língua deles, para suprir a defesa das leis. Com o tempo começaram a surgir outras guildas e o conceito se expandiu, abrangendo a realizações de missões para o povo comum em troca de incentivo financeiro.
- Hoje todas as guildas oficializadas pertencem a um conselho regional, e a cada semana nós compramos algumas missões em leilão de acordo com diversos critérios que variam de uma guilda para a outra. Temos um tempo para resolvê-las, e se metade desse tempo, chamado Tempo de Contrato, se passar a missão será encaminhada para a próxima guilda da lista. As missões são categorizadas em diversos níveis, e para impedir que organizações pequenas tentem missões acima de seu nível existe o Preço das Missões, que ficam mais caras conforme mais difíceis são. Claro, não é exatamente a melhor forma de resolver isso, mas por enquanto é funcional. - Stella parou para rabiscar uma errata no contrato, mastigando a língua enquanto fazia isso. - Cada membro de guilda pega a missão que quiser dentro de sua própria organização, e parte do pagamento dela, oferecido por quem a registrar no conselho, vai para a própria guilda, fazendo com que ela consiga comprar novas missões. Com o tempo, teoricamente ela consegue mais reconhecimento, conseguindo entre outras coisas atrair as raras missões encaminhadas, que seriam oferecidas diretamente para a guilda. Esse crescimento é extremamente importante para a manutenção dela, mas irei entrar nesses detalhes depois. Qual é a sua idade? - Ela levantou a cabeça, esperando a resposta de Dalan. O garoto se assustou, ainda absorvendo toda aquela informação, mas tentou balbuciar rapidamente a resposta.
- D-dezenove.
- Certo. - Ela anotou a idade no contrato. - Você possui controle de Yullian? - A Yullian era uma substância rara e misteriosa que garantia habilidades extraordinárias ao usuário. Era tão importante para a guerra que a maior parte dos chamados Yullianos era convocada diretamente para o fronte.
- Sim. - Respondeu Dalan.
- Ela é natural, você controla, deriva de um item especial.... - Ela estreitou os olhos, juntou os lábios e inclinou minimamente a cabeça, balançando as mãos em movimentos circulares enquanto aguardava a resposta.
- Natural. - Disse casualmente o garoto, encarando uma corrente que mudava de cor.
- Excelente. - Disse ela, riscando uma marca no contrato. - Eu não sei se você sabe, mas nascer com a Yullian é bem raro entre nós, humanos. - Dalan apenas acenou positivamente com a cabeça, observando os elos mudarem lentamente de verde para amarelo. - Só que, em nosso ramo de trabalho, nascer com a Yullian é quase um pré-requisito. Quase, visto que temos membros em nossa guilda que vão contra essa tendência. - Ela girou o contrato habilmente com uma das mãos, empurrando-o para Dalan. - Tome.
- O que é isso? - Perguntou o garoto, finalmente desviando sua atenção da corrente. No papel havia uma série de tópicos com porcentagens monetárias e suas destinações.
- Nosso sistema financeiro. Temos a política de detalharmos o pagamento para os novos membros, de modo a evitar confusões. - Stella se inclinou, apontando para o topo do papel. - Como você vê aqui, há o salário mínimo de quinhentos e cinquenta tenes mensais. - Dalan não conseguiu conter um olhar de descontentamento. Sua família costumava faturar mil e trezentos tenes, e viviam à margem da pobreza. Stella captou seu olhar e acrescentou rapidamente: - Claro, nenhum membro de guilda se contenta com o mínimo. Por isso fazemos missões. Você receberá trinta por cento do pagamento delas, uma taxa condizente com as outras guildas ao redor do Mar de Cellintrum, assim como manterá qualquer bonificação extra. Aqui... - Ela apontou para os tópicos. - ... você poderá ver aonde os setenta por cento restantes irão. Manutenção, compra de novas missões, está tudo aí. - Dalan passou os olhos pelas palavras, e aceitou o que viu. Percebeu a possibilidade de ter sido mal compreendido pela outra mulher, e rapidamente se pôs a falar.
- Eu... não quis dizer nada de mal. Não estou nessa pelo dinheiro. - Disse ele, sentindo o rosto se pintar levemente de vermelho. Stella ofereceu um olhar calmo e um sorriso aquietante, e voltou a puxar o contrato para si.
- Somos uma guilda pobre, Dalan. Não irei negar isso. - Ela virou a página, chegando à final. - Agora, eu gostaria de saber uma coisa muito importante. - Stella se ajeitou na cadeira e encarou fundo nos olhos do garoto, que quase desviou o olhar. - Qual é o motivo de estar entrando em uma guilda? Especificamente na Aurora. Sendo bastante sincera, há diversas outras guildas mais ao norte que são muito mais estáveis do que a nossa. Por que nós?
- Eu... - Dalan se sentiu desconfortável com aquela seriedade repentina, e afastou minimamente o corpo.
- Eu preciso perguntar isso, Dalan. - Sua voz estava mais reconfortante, mas os olhos azuis-claros continuavam sérios e frios. - Várias pessoas já entraram aqui em busca de dinheiro fácil, mesmo que seja pouco. Precisamos saber se você não é uma dessas. E além disso, deve haver um motivo para ingressar nessa carreira tão arriscada. Se quiser entrar, precisamos te conhecer antes.
Dalan respirou fundo, conseguindo manter o olhar. Os últimos dias voltaram à sua mente, e ele se lembrou do motivo de sua jornada. Algo brilhou no fundo de seus olhos, e ele retribuiu o olhar sério de Stella. Só esperava que ela acreditasse. - Você conhece o arquipélago de Gamora?
Algo passou pelos olhos de Stella, como se ela tivesse se lembrado de algo feliz. No entanto, logo em seguida a tristeza mascarou seu olhar. - Sim, eu... passei lá. Faz quase vinte anos.
- Eu nasci lá. - Dalan respirou fundo antes de continuar, sentindo o coração bater forte. Havia pensando nas palavras durante toda sua jornada até Helleon, mas elas de repente haviam sumido, restando apenas uma simples frase. - O arquipélago inteiro sumiu. - Disparou ele, ofegante.
Stella estreitou os olhos e movimentou a cabeça um pouco para trás. - ... Sumiu? - Perguntou ela, com a voz cuidadosa.
- Eu sei que parece bizarro. - Disse Dalan, com a voz cada vez mais aguda e veloz. - Só que você tem que acreditar em mim. Meus pais me mandaram fazer uma entrega em Gorla, no continente. Quando eu voltei para Gamora, ela não estava mais lá!
- Você tem certeza que navegou para o lugar certo? - Perguntou Stella, inclinando a cabeça.
- Sim! - A voz de Dalan se elevou, e ele se controlou forçadamente. Perguntaram a mesma coisa em Gorla, e acabaram por zombar dele. Era vital que Stella acreditasse nele. - É sério! Faço essa viagem desde que completei quinze anos, e nem uma vez errei o caminho! Gamora realmente sumiu do mapa! - Ele percebeu que estava segurando os braços da cadeira com tanta força que a madeira chegava a estalar. Respirou fundo e deixou a cabeça pender, sentindo pequenas poças de lágrimas se juntarem ao redor dos olhos. Passara tanto tempo na viagem que havia praticamente esquecido a força daquela constatação. Era como se inconscientemente acreditasse que tudo estaria resolvido quando chegasse em Helleon, deixando que a dura realidade o acertasse naquela sala apertada.
Stella ficou em silêncio, entrelaçando os dedos e utilizando-os de apoio para o queixo enquanto franzia as sobrancelhas para Dalan. Finalmente ela falou, fazendo com que o garoto levantasse a cabeça. - Bem, isso é bastante sério. Não me lembro de terem noticiado isso em nenhum lugar, então devem haver forças ocultas nessa história. Precisamos pesquisar isso.
- Você... acredita em mim? - Perguntou Dalan, sem conseguir acreditar.
- Seus olhos não mentem, querido. - Respondeu ela, oferecendo um olhar caloroso. As lágrimas quase voltaram ao rosto do garoto, mas ele limpou-as com as costas da mão. - Imagino que você queira descobrir o que aconteceu. - Continuou Stella.
- É por isso que quis entrar na Aurora. - Disse ele com a voz grogue. - Com os contatos certos, poderei saber a verdade.
- Bem, para isso precisaremos crescer um bocado. - Acrescentou ela, se ajeitando na cadeira. - No entanto, minha outra pergunta continua. Por que a Aurora? Digo, outras guildas maiores poderiam solucionar seu problema de forma mais rápida, mesmo que quisesse entrar em uma delas.
- Eu... pensei nisso. - Ele começou a coçar o pescoço, parecendo desconfortável. - Só que não acho que conseguiria entrar em uma guilda grande, e não tenho dinheiro para pagar uma missão desse nível. Além do mais... um homem da Aurora me salvou quando era criança. Ele me disse para procurar essa guilda caso tivesse problemas.
- E qual era o nome dele? - Perguntou Stella, subitamente tensa. Era como se soubesse a resposta.
- Adam. Adam Alba. - Respondeu Dalan.
- Oh. - Disse Stella, e sua expressão imediatamente desvaneceu, e as rugas voltaram a pontuar seus olhos. Ela respirou fundo, soltando um sorriso sem emoção. - Ele era meu marido. Costumava dizer esse tipo de coisa para todos que encontrava. Ele... morreu há dois anos. - Completou, desviando o olhar, passando a mão pelos cabelos ondulados.
- Eu... sinto muito. - Gaguejou o garoto, sem saber exatamente o que dizer.
- Não se preocupe. - Stella voltou a sorrir, mas novamente não havia emoção no gesto. - Agora, sobre sua ilha... - Ela suspirou e passou novamente a mão pelos cabelos, apoiando os cotovelos na mesa enquanto encarava o contrato. - Não vou mentir e dizer que será fácil. Precisaremos de bastante poder político para pesquisar algo que está claramente escondido. Se um arquipélago inteiro sumiu e ninguém falou nada, está claro que há manipulação externa. Só que, para conseguirmos essa influência, precisaremos crescer. E, visto o estado atual da guilda... - Ela atravessou a sala com os olhos. - ... isso demorará. Quanto tempo eu não sou capaz de dizer, mas preciso de sua compreensão. Eu e meu marido fundamos essa guilda para realizar os sonhos de outras pessoas, ser a aurora em suas noites escuras. Acredite, como membro da Aurora, sua busca será a nossa busca. Estamos entendidos?
Ela encarava Dalan com um olhar ardente, e isso conseguiu transbordar na alma do garoto. A excitação em fazer parte daquilo, de lutar pelos seus sonhos e finalmente ter um caminho a tomar acenderam uma chama em seu peito. Ele concordou levemente com a cabeça, e Stella sorriu.
- Ótimo, agora só precisamos --
- SAMUEL SAIU? - Houve um estrondo na porta, e uma voz feminina e aguda encheu o pequeno aposento, fazendo com que Stella e Dalan saltassem. O jovem se virou e percebeu uma garota da sua idade, com longas maria-chiquinhas azuis-claras que saiam do lados da cabeça e desciam até a altura das costelas inferiores. Ela tinha um rosto fino e delicado, com o nariz pequeno e arrebitado. Seus grandes olhos tinham a mesma cor do cabelo, e eram acompanhados por sobrancelhas baixas, dando um olhar de seriedade eterna. A garota era magra e tinha uma pele bem branca, e vestia um colant predominantemente preto que cobria o corpo inteiro, decorados com duas linhas em branco que subiam da região do baixo-ventre e subiam até os ombros em formato de V, e entre elas o tecido era pintado do mesmo azul-claro dos cabelos dela. - SÉRIO MESMO?
- Sasha, eu estou com alguém no escritório. - Disse Stella, encarando a garota com a cabeça baixa. Sua voz transpirava ordem, mas Sasha não se importou.
- Ele disse que iria ficar. Disse que meu pai havia sido muito importante para ele abandonar a guilda. - Ela respirou fundo, e seus grandes olhos ficaram cheios de raiva. - Maldito traidor.
- Sasha, Samuel era um homem movido pela ganância. - Disse Stella, e era visível que suas palavras traziam dor. - A amizade dele com seu pai era a única coisa que o mantinha debaixo deste telhado. Francamente, fico surpresa que tenha ficado tanto tempo. - Era claro que isso não era suficiente para Sasha.
- Eu vou atrás dele. - Disse ela, ficando vermelha. - Vou atrás dele e obrigá-lo a voltar de joelhos.
- Sasha, por que ao invés de brigar com águas passadas, não dá boas-vindas ao nosso novo membro? - Stella acenou para Dalan, que se encolheu instintivamente por trás da cadeira. Havia algo no olhar reprovador de Sasha que faria qualquer pessoa tremer.
- Ele? Você pretende substituir Samuel por... ele? - Ela escaneou novamente Dalan com seus grandes olhos azuis, parecendo atravessar até mesmo a cadeira que bloqueava a maior parte do corpo do garoto. - Você só pode estar de brincadeira.
- Sasha... - Começou Stella com a voz reprovadora, mas a filha pareceu ignorá-la.
- Já não temos pessoas improdutivas o suficiente por aqui? - Falou a garota, se virando para a mãe. - Acha mesmo que vamos conseguir crescer assim? Noventa por cento da guilda fica de braços cruzados no salão enquanto espera o pagamento mínimo, ou faz uma missão vagabunda que não vai nos ajudar em nada! Pelo menos Samuel fazia missões decentes!
- O que quer dizer com isso, garota? - Perguntou Stella, franzindo as sobrancelhas. Sasha se virou com Dalan, que se encolheu novamente.
- Ele tem que provar seu valor. Se... se conseguir me derrotar poderemos trazê-lo. - Ela encarou o garoto com uma expressão completamente séria, como se Dalan tivesse feito algum mal terrível.
- Que eu me lembre, eu sou a Mestra de Aurora. E essa guilda agirá do jeito que eu quiser. - Disse Stella, elevando a voz a cada palavra. Sasha se virou novamente para a mãe.
- Essa guilda é tanto responsabilidade minha quanto sua! - Gritou ela também. - Desde que o papai se foi, só temos perdido força e membros!
- E ACHA QUE EU NÃO SEI DISSO? - Vociferou Stella, se levantando bruscamente. O tinteiro da mesa se derramou, lançando seu conteúdo pela superfície. Dalan se encolheu, se sentindo terrivelmente deslocado. Atrás dele, Sasha não recuou.
- Então prove. Pare de agir sem pensar e considere suas ações. Faça algo pela guilda ao invés de qualquer um que atravessa a rua. - Ela lançou um olhar demorado na direção de Dalan, que desta vez conseguiu retribuir. - Estarei te esperando nos fundos.
Sasha bateu a porta com força, derrubando a corrente que mudava de cor. Stella ficou ainda algum tempo em pé, bufando, até que deslizou para voltar à cadeira. - Aquela garota às vezes me deixa à beira de um ataque cardíaco... mas o pior é admitir que ela tem razão. - A mulher encarou Dalan com um olhar de pesar demorado antes de continuar a falar. - Infelizmente estamos com pouquíssimos recursos, querido. Não conseguiremos aguentar mais três meses sem alguém mais... ativo. Por isso, entendo a proposta da minha filha de testar sua força.
- Eu... entendo. - Respondeu Dalan, voltando à familiar posição de não saber o que falar. Stella apenas sorriu.
- Ei. Não precisa se preocupar. Quem irá dar a palavra final serei eu, não importa o quanto ela grite. - A mulher ofereceu outro de seus sorrisos calorosos, que conseguiu acalmar Dalan. - Agora é melhor irmos. Quanto mais cedo decidirmos isso, melhor.
Dalan se levantou com a mente a mil. Stella não havia dito, mas estava claro que precisava se esforçar para conquistar seu lugar na Aurora. Se quisesse reencontrar sua família e seu lar, precisava dar o seu máximo. Precisava fazer isso para seguir em frente.
E havia o pior tipo de adversário em seu caminho. Uma garota irritada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário