sexta-feira, 22 de março de 2013

RN Nuzlocke LG : 14 - A queda

RECINTO NERD NUZLOCKE - LEAF GREEN - 

CAPÍTULO 14: A QUEDA

Foi uma noite de sono complicada. Kari passou a noite se revirando nos lençóis. chegando a cair da cama um pouco antes do sol nascer. Praguejou e tentou voltar a dormir, mas sentia que era impossível, então se levantou e foi ao banheiro. Começou a lavar o rosto, e percebeu sua fisionomia abatida no espelho. Leves olheiras começavam a se formar embaixo de seus olhos, e sua fisionomia fazia parecer que não havia dormido há dias. Pela décima vez desde que havia chegado no Centro Pokémon, sentiu uma imensa vontade de chorar. As lágrimas começavam a se formar quando ela socou o espelho, tentando voltar à realidade. Não iria fazer isso, pensou, enquanto limpava os olhos com as costas da mão. Ela não era mais aquela garotinha chorona e derrotista. Fungou o nariz e começou a arrumar suas coisas, preparada para seguir sua viagem.

Meia hora depois, desceu até o primeiro andar, andando firmemente. Olhou de relance o restaurante onde um punhado de treinadores fazia seu café da manhã. Seu estômago não indicava nenhum sinal de fome, embora não tivesse ingerido nada havia um dia. Se encaminhou ao computador local e retirou Bernard, o Bellsprout. Sem nenhuma palavra, e sem nem mesmo liberar seus Pokémon, saiu para a manhã fria.

Cerulean começava a acordar, com vendedores montando suas lojas e policiais trocando de turno. Kari caminhava com as mãos nos bolsos, evitando qualquer olhar alheio. Se dirigia à parte norte da cidade, onde daria a volta para descer até Vermilion. Enquanto andava, uma mulher gorda corria até a próxima cabine policial. Se aproximou, e ouviu-a gritar:

 - Socorro, socorro, os Rockets roubaram a minha casa! Socorro! - Gritou ela, apontando para uma pequena casa mais adiante.

Kari se virou, e percebeu um homem vestido do uniforme Rocket sair em disparada, levando um saco cheio de objetos roubados. Malditos, pensou, sentindo a raiva crescer exponencialmente dentro de seu corpo. Começou a correr atrás do homem, derrubando latas de lixo e empurrando pedestres. Já estava de saco cheio desses ladrões, e não deixaria que nenhum escapasse. O ladrão virou a cabeça para trás, e percebeu a garota seguindo-o em velocidade. Assim, ele apressou o passo, entrando em becos e contornando prédios, mas Kari se mantinha logo atrás.

Chegaram aos limites da cidade, e os campos verdejantes cheios de orvalho foram pisoteados pelas duas pessoas. O Rocket virou a cabeça novamente, irritado, e lançou duas Pokébolas ao seu lado. Kari mal chegou a ver quem eles eram, mas lançou Zelda e Sara para batalhá-los. 

 - Hoje não, babaca! - Continuou a perseguição, deixando seus Pokémon derrotarem seus adversários. - Eu não vou deixar você escapar!

Chegaram a uma descida íngreme, recheada de grama alta, com uma singela casa no fim da queda. O Rocket ficou perto de tropeçar em uma rocha, e Kari aproveitou o momento para se aproximar dele, sacando uma Pokébola. Bernard saiu dela, e se enrolou no braço esquerdo do homem, enquanto a garota se aproximava dele pelo lado direito. Chegou a ficar emparelhada com ele, mas o ladrão desferiu uma poderosa cotovelada em seu rosto, fazendo-a quase girar para trás. Sangue espirrou de seu nariz e ela perdeu completamente o equilíbrio, provocando um tropeço que a fez rolar pelo morro, girando e batendo enquanto descia. Conseguiu chegar até o fim acordada, sentindo dores fortíssimas na perna esquerda e na coluna, além de ferimentos mais leves por toda sua pele. Viu o Rocket pelo canto do olho fugindo, com Bernard lutando enrolado em seu corpo. Tentou se levantar, mas sem querer acabou se apoiando na perna machucada, lançando uma dor lacinante que a fez desmaiar.

Mergulhou em sonhos desconexos, onde estava na escola procurando por alguém, correndo pela sala de aula. No entanto, várias pessoas entraram no aposento, apontando o dedo para ela e rindo. Kari tentou fugir, mas a sala começou a se apertar. As paredes vinham se aproximando, e ela começava a chorar, e diminuir, e diminuir...

Acordou suando, abrindo os olhos com ferocidade. Estava em uma planície coberta de grama curta, com a descida que havia caído bem próxima. Uma Meowth, ser que parecia um gato bípede com pêlo cor de creme e uma moeda oval em sua testa, estava bem ao seu lado e pulou de susto, começando a falar em velocidade:

 - Me desculpe, me desculpe, me desculpe!

 - O-o que está acontecendo? - Perguntou Kari, sentindo dores de cabeça residuais. A Meowth ao seu lado olhou-a com olhos brilhantes, tremendo, e a garota percebeu que a Pokémon estava passando poções em sua perna. Segurou o nariz, e viu que seu rosto estava molhado.

 - Nós a lavamos para tirar o sangue seco. - Disse uma voz. Kari olhou, e viu Sara se aproximando, com as duas mãos nas costas.

 - O que houve? - Perguntou a treinadora.

 - Você correu, e nos abandonou para perseguir um Rocket. Envolveu Bernard, que não havia nem sido treinado, em sua corrida maluca. Caiu de uma ladeira, e poderia ter morrido no processo. - A Sandslash a encarou, com seus olhos negros reluzindo de raiva. - O que houve, Kari?

 - Você sabe muito bem o que houve. Não que isso importe agora, pois estou bem.

 - Isso é o contrário de estar bem, Kari! Você agiu de forma irresponsável e --

 - Onde estão os outros? - Interrompeu a garota. Sara continuou a encarando, e falou com a voz seca:

 - Bernard continuou agarrado no Rocket, e ambos seguiram em direção a cidade de Saffron. Zelda foi atrás deles.

 - Ótimo.  - Disse a garota, se levantando com dificuldade.

 - Você não está apta a voltar a correr. Felizmente essa pequena Meowth a encontrou e começou a curá-la, porque eu teria chegado muito tarde. Sente-se e--

 - Não. Eu tenho que achar Zelda e Bernard. - Colocou a mão sobre os olhos, vasculhando a planície. Captou um vulto voando em direção norte. Continuou a encará-lo, e percebeu a forma de uma Golbat. - Ali estão eles. - Começou a mancar até os Pokémon, percebendo Sara e a Meowth a seguindo de longe. 

Quando se aproximaram, viram Zelda carregando Bernard. Kari não entendeu o que estava acontecendo, mas de repente se sentiu em um sonho. A Golbat deixou levemente o Bellsprout nas mãos estendidas da garota. O corpo dele estava coberto de ferimentos, e um dos braços estava dobrado em uma direção estranha. Ela chamou seu nome, mas não havia resposta. Posicionou a cabeça perto do Pokémon, tentando ouvir alguma respiração. Nada.

Bernard estava morto.

 - O maldito Rocket o deixou perto da entrada de Saffron. Como um maldito presente. - Kari ouvia Zelda falando como se ela estivesse debaixo d'água. O corpo do Bellsprout continuava em suas mãos, e seu sangue manchava suas palmas. A garota sentiu as pernas tremerem violentamente, e uma ânsia de vômito foi controlada. Ela caiu de joelhos, e aproveitou para começar a cavar uma pequena tumba para o guerreiro caído.

 - Kari? Eu -- Começou Sara, mas a treinadora a interrompeu.

 - Eu vou enterrá-lo. É o mínimo que posso fazer.

 - Kari, você -- 

 - Eu não quero falar agora.

 - Mas --

 - EU NÃO QUERO FALAR AGORA! - Gritou, fazendo as duas voltarem para suas Pokébolas. A Meowth tremeu, e mergulhou no chão com as mãos segurando a cabeça. Kari voltou a enterrar Bernard. 

Terminou o túmulo algumas horas depois, quando o sol do meio-dia começava a cair. Esfregou o suor na testa, e colocou cuidadosamente o Bellsprout. Pensou em algumas palavras, mas a única coisa que saiu de sua boca foi um silencioso pedido de desculpas. Começou a colocar a terra de volta, sentindo a Meowth ainda atrás dela. Alheia a isso, prendeu uma pequena cruz de madeira que havia manufaturado e seguiu viagem, evitando ao máximo olhar para trás.

 - É... com licença? - A Meowth continuava a segui-la. Kari se virou, percebendo que havia andado uma grande distância sem perceber o que estava fazendo.  - É que aquela Sandslash me disse que vocês estavam indo a Vermillion. O caminho por Saffron está dando alguns problemas recentemente, então... vários treinadores estão preferindo aquela... estrada subterrânea. - A Meowth terminou a frase com a voz quase sumindo.

 - Entendo. - Kari olhou ao redor, e viu um edifício que indicava a tal estrada. - Obrigada.

 - Eu... soube que você é uma treinadora Pokémon. Eu queria... queria saber se eu podia... - A criatura voltou a olhar para baixo.

 - Você não vai querer estar no meu time. - Kari iria falar mais alguma coisa, mas sentiu a garganta embolada. Respirou e tentou voltar a falar, mas não conseguiu. Seus olhos começavam a ficar molhados, e a lembrança de Bernard, que mal havia conhecido, se plantou em sua mente, seu corpo em suas mãos, o túmulo que construiu.

Não, não, não, pensou. Não posso fraquejar. Não posso. Não percebeu que suas pernas feridas estavam a levando para o edifício, apenas queria se afastar de tudo. Passou pelas portas e desceu as escadas, sentindo o coração bater mais forte. Por favor, não agora. A estrada subterrânea estava escura, e mal se conseguia ver alguma coisa. Kari continuou a mancar por seu caminho, até que acabou tropeçando e caindo no chão, batendo fortementea perna ferida. Soltou um pequeno grito de dor, e de repente não conseguia mais conter as lágrimas.

Uma sensação de desespero começou a abraçá-la enquanto chorava copiosamente no chão escuro. A morte de Bernard, os Rockets, a fuga de Nala, tudo se acrescentava em camadas em cima dela, imobilizando-a. Tentou se lembrar dos motivos que a fizeram seguir por essa jornada, tentando evocar sentimentos de esperança para seguir em frente, mas tudo parecia raso e frágil. Pra quê quis ser a Campeã? Para decepcionar e matar seus companheiros? Gary tinha razão, essa jornada era apenas para aqueles que realmente queriam.

Kari não sabia quanto tempo havia passado desde que havia caído, mas decidiu se apoiar na parede do túnel. Ao fazer isso, percebeu que a pequena Meowth continuava a seguindo.

 - O que você está fazendo aqui? - Disse a garota com uma voz grogue. Tirou o excesso de lágrimas do rosto com a palma da mão, e apoiou as costas.

 - É q-q-que eu... - A Meowth voltou a olhar para baixo, sem terminar a frase.

 - Se quiser entrar no time, esqueça. Não irei mais fazer isso.

 - O quê?

 - Eu sou uma treinadora muito pior do que eu achava. Fiz um dos meus Pokémon morrer sem motivo e outro sair por livre e espontânea vontade. Me meti e a todo meu time numa disputa com uma organização criminosa. Uma... pessoa que eu conheço me disse que eu não tinha o que era necessário para seguir essa jornada, e acredito que ele estava certo. Esqueça. Eu sou a pior.

 - M-m-mas... não foi isso o que aquela Sandslash disse.

 - Aposto que Sara teve mais algumas palavras para adicionar sobre o meu mau comportamento. 

 - Não! Digo... ela estava falando muito bem de você para mim. Claro, ela parecia um pouco irritada, mas ainda disse que você cuidava dos seus, que era atenciosa, que sabia fazer a coisa certa... Já vi vários treinadores passarem por mim, mas nenhum parecia que nem... você. 

Kari ficou reflexiva. - Isso não importa. - Disse finalmente. - Não depois dos acontecimentos de hoje. Tenho certeza de que agora todos sabem o quão terrível eu sou como treinadora.

 - Bem... que tal perguntar para eles?

 - Isso não importa agora, já tomei minha decisão.

 - Mas... se planeja desistir de sua jornada... numa hora eles não deveriam saber?

Ela tinha um ponto, pensou Kari. Hesitou, mas soltou seus Pokémon. O brilho vermelho tomou conta do túnel, iluminando vários metros à frente.

 - Vocês ouviram tudo? - Perguntou a treinadora.

 - Temos alguma idéia do que acontece fora das Pokébolas, acredite. - Disse Kenichi. A garota não conseguiu encará-los, portanto começou a falar fitando o chão:

 - Escutem, antes que você falem alguma coisa, saibam que não vai adiantar. Eu manipulei o time às costas de vocês. Coloquei todos nós em uma cruzada contra ladrões e assassinos. Eu... matei -- Ela não conseguiu terminar a frase. Sara se adiantou, e colocou a pata em seu ombro.

 - Kari, você não tem que se desculpar. Todos nós sabemos os riscos do que estamos fazendo. Todos nós temos escolhas, e a nossa é acompanhá-la e ajudá-la. Sem exceção.

 - Mas...

 - Escute, você disse que manipulou o time às nossas costas. Primeiro de tudo, você queria apenas garantir a nossa segurança, e foi isso o que eu te disse quando você veio me dizer que planejava substituir Nala. No entanto, nenhuma ação partiu de você. O time continuaria o mesmo se ela continuasse a seguí-la. Todas as suas preocupações são sobre nosso bem-estar, e nenhum de nós irá culpá-la sobre pensar nisso. Você não fez nada de errado, apenas expressou uma dúvida.

 - E além do mais... - começou Zelda, planando até ficar em frente a ela. - ... não adianta se desculpar sobre a equipe Rocket! Você é a única treinadora com coragem para encará-los, algo que nem a polícia quer fazer! E se algum de nós fosse contra lutar contra eles, já teríamos te dito! Estamos nessa cem por cento!

 - Pessoal... - começou Kari, mas Liz a interrompeu.

 - Kari, você é uma treinadora muito especial. Acredite, nenhum outro daria tanta atenção aos seus Pokémon quanto você. Você nos levar para as compras, se preocupa com nosso bem-estar, se coloca em perigo para nos ajudar... você não tem que sentir vergonha nenhuma disso, apenas felicidade. Já vi muitos treinadores usarem de seus Pokémon apenas como armas de batalha, mas essa não é você!

 - Kari, querida, por que tudo isso? - disse Wanda. - A culpa de Bernard ter morrido foi daquele Rocket. Zelda viu tudo de longe, e me contou o que aconteceu. Tenho certeza de que, se você pudesse ajudá-lo naquela batalha, nada disso teria acontecido. Você foi exemplar contra Brock e Misty. E, além disso... eu nunca vi ninguém ter tanta confiança numa Beedrill a ponto de usá-la numa luta de Ginásio. Muito obrigada.

Kenichi bufou, e todos se viraram contra ele, que estava parado de braços cruzados e de olhos fechados. - Se você realmente usar as opiniões daquele Gary pra definir a sua vida, esqueça. - Ele abriu os olhos minimamente e olhou para o lado, visivelmente encabulado. - Você é mil vezes mais treinadora do que ele jamais poderia sonhar.

 - Kenichi... - Os olhos de Kari voltaram a marejar.

 - Ter erros não significa que devemos desistir, Kari. - Completou Sara. - Apenas significa que devemos aprender com ele. Por Nala, por Bernard, e por todos nós. Nós vamos ser os Campeões.

 - Ah, pessoal... - Kari voltou a chorar, mas o sentimento era totalmente diferente do que o anterior. - Obrigada.

 - Por favor, vamos seguir em frente. - Disse Kenichi, ainda encabulado. - Todo esse estrogênio está me intoxicando.

Eles sorriram, e Sara ajudou Kari a se levantar. Quando ficou em pé, ela percebeu a Meowth ainda a encarando.

 - Qual é o seu nome, querida? - Perguntou a garota.

 - F-f-felicia.

 - Bem-vinda a equipe, Felicia. - Disse Kari, oferecendo a Pokébola. A Meowth se alegrou instantaneamente, e se deixou ser capturada. 

Andaram pela estrada subterrânea, felizes e falantes. Felicia contava sua história timidamente para eles, que pertencia a um Centro de Cuidados Pokémon, que era mantido por um casal de idosos. Eles ofereciam cuidado e tratamento a todos os Pokémon feridos que encontravam pelo lugar. No entanto, quando o casal morreu recentemente, o lugar foi abandonado, e Felicia passou a viver perto da casa, fugindo de treinadores. Ela tinha medo de ser usada em batalhas, pois a maioria  das pessoas que pedia ajuda no Centro era cruel e usava Pokémon como armas. No entanto, quando viu Kari cair da ladeira perto da casa, decidiu aplicar as poções da própria garota nela, e depois que Sara chegou e a contou sobre como a treinadora era, decidiu se juntar a eles.

 - Eu vivia um pouco... sozinha. E soube que muitos Rockets capturavam Pokémon em Cerulean e Saffron, então eu não tinha aonde ir. - Disse Felicia. Wanda soltou um "Oown", e Kenichi reagiu fingindo vomitar, afirmando que era alérgico a toda aquela feminilidade.

Chegaram a um ponto da estrada subterrânea onde um metrô de pequena capacidade se instalava. Essa instalação era um esforço em conjunto das cidades de Cerulean, Saffron e a nova cidade de Vermilion para ligá-las, assim como um metrô similar ligava Celadon, Saffron e Lavender. No entanto, as obras ainda não estavam completas na parte que pertencia a Cerulean, provocando quedas de energia e falta de manutenção no lugar. Kari e sua equipe entraram no metrô, chegando à estação de Vermilion depois de um dia no metrô.

Saíram da estação por volta das três horas da tarde, saindo na Rota 6. Essa rota continha uma estrada que serpenteava por gramados de mato alto e pequenas lagoas, ligando Saffron e Vermillion. Capturaram uma pequena Pidgey, chamada Celine, que foi enviada para a PC BOX. Continuaram andando por alguns dias, até que a estrada começou a descer de altitude para chegar em uma nova cidade.

Haviam chegado em Vermilion.

Um comentário:

  1. Incrível sua capacidade de escrever um nuzlocke com tantos detalhes.

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