AURORA
CAPÍTULO 43: A ROCHA
O mar estava revolto. Ondas gigantescas se quebravam nas muretas da negra fortaleza flutuante, espirrando cachoeiras para cima e encharcando a passarela mais próxima. De vez em quando raios iluminavam a área, fornecendo uma alternativa diante do céu cada vez mais escuro. Uma figura solitária caminhava no corredor que separava as casas do oceano tempestuoso à sua direita. Era alto, com quase dois metros e meio, e usava uma longa capa roxa e detalhada de prata cujo capuz escondia sua fisionomia. No entanto, o resto do corpo exposto entregava sua identidade. Era um ente, o corpo feito de madeira, com membros compridos e cobertos de musgo e raminhos. Um dos membros do Culto Púrpura, e seu nome era...
- ROHR! - Gritou uma voz grossa, vindo detrás dele. O ente abaixou o capuz, revelando o rosto quadrado, e virou o corpo. Wieder o encarava do outro lado, os punhos cerrados e a barba encharcada. Vestia roupas cinzas que eram muito grandes para seu corpo diminuto, mas isso não parecia incomodá-lo. Ele começou a andar na direção do adversário, de vez em quando sendo impelido pelas ondas que se quebravam. Os tropeços só o deixavam mais nervoso, os olhos brilhando pelos raios ocasionais. - ROHR! - Repetiu com mais empenho. - Não importa o que eu faça, eu vou acabar com você. ESTÁ ME OUVINDO?
O outro não respondeu nem sequer manifestou qualquer expressão, apenas deixou que o anão se aproximasse. Ele parou à sua frente, tão baixo que mal chegava à cintura do ente. Olhou para cima com puro ódio no olhar, consciente de suas chances. - Mesmo que eu tenha que me matar para isso, eu vou... - Ele parou ao ver que Rohr lhe estendia um objeto. Era uma pulseira dourada, familiar demais para ser confundida. O membro da Aurora levou o olhar do artefato até de volta aos olhos amarelados do adversário, um traço de confusão se misturando à raiva. - O que é isso?
- Você sabe o que é. - Respondeu o ente. Olhou para a pulseira, o material dourado refletindo um raio distante. - Quando capturamos vocês, queriam destruir isso. Eu o mantive em segredo. - Encarou o anão, sem emoção no rosto. - Não seria justo.
- Justo? - Rangeu Wieder. Ele girou o braço esquerdo e enfiou a mão na pulseira. Um brilho amarelado tomou conta dele e uma nuvem de poeira o rodeou, rapidamente expulsa pelo vento salgado. No lugar do anão havia um golem gigante, o corpo curvado na preparação de um golpe. Rohr nem teve tempo para reagir ao soco que levou no rosto, fazendo-o voar vários metros antes de cair de costas no chão. - JUSTO? Você tem a coragem de dizer que o que fizeram comigo foi justo?
- Não foi você quem disse que eu só sabia resolver argumentos com violência? - Reclamou o membro do Culto Púrpura no chão, segurando o queixo.
- Ah, cale a boca. - Soltou o anão, a voz gutural pela transformação. - Vocês não sabem o que aquela maldita enganação de vocês fez comigo. - Ele levantou o braço, apontando para o outro. - Valorizo bastante o que tenho. O que acredito. E ver meus sonhos sendo usados para me controlar... - Não conseguiu terminar a frase, tamanha a raiva que sentia.
Do outro lado, Rohr ficou em silêncio por um tempo, até se levantar dolorosamente. - Eu sei. - Disse, pesaroso. - Não concordei com esse plano. Sei a importância do que acreditamos. - Ele evitava encarar o golem, preferindo fitar o chão. Uma onda estourou na mureta mais próxima, criando uma breve chuva em cima dos dois.
- Então por que os defende? - Perguntou em voz baixa Wieder. Não houve resposta. - Hein? Se é contra o que fazem, por que ainda usa esse manto?
- Porque são meus companheiros! - Gritou o ente, parecendo soltar um peso de seu peito. - Desaad me deu tudo que eu precisava! Me deu a força para seguir os meus próprios sonhos! Eu não posso dar as costas para eles agora!
O anão absorveu aquilo, a boca cerrada como uma linha. - Então chegamos a um impasse. O seu grupinho quer atacar os meus companheiros, e não ficarei parado. - Levantou os punhos à frente do rosto. - Você sabe o que isso significa.
- Sim... eu sei. - Admitiu pesaroso Rohr. Wieder aproveitou e disparou para frente, a raiva explodindo. Tudo o que queria era descontar suas frustrações e acabar logo com aquilo para ajudar os outros a saírem dali. Dois coelhos com uma cajadada.
Deu um soco no rosto do adversário, quase o derrubando novamente. O ente rangeu os dentes e jogou o corpo em cima do outro, agarrando-o pela cintura. Começou a empurrá-lo, e Wieder olhou para trás. Viu uma onda quebrando na mureta e percebeu o motivo daquele ato. Firmou seus pés e parou, resistindo aos empurrões.
- Nada disso. - Resmungou, soltando uma cotovelada nas costas de Rohr. Ele o largou por alguns segundos, e o golpe seguinte fez com que o ente caísse. O golem procurou chutá-lo, mas foi agarrado pela perna de apoio e caiu no chão.
O membro da Aurora imediatamente cobriu a cabeça com os antebraços, se protegendo da rajada de socos que o acertavam. Madeira encontrava ronatto, batendo e batendo até soltar lascas dos dois materiais, varridas pela água.
- Sabe, eu pensava em você enquanto nos reorganizávamos. - Começou Rohr, mantendo a pressão. Era difícil arrumar um contra-ataque, pois o ente não parava por um segundo. Wieder rugiu, a fúria começando a diminuir pela concentração em se manter protegido. - Quando Desaad nos descristalizou naquela caverna de emergência embaixo de Vertreit, sabia que tentariam se vingar. E eu só pensava em você e naquele homem tatuado.
A menção de Vertreit fez com que o anão se desconcentrasse, o que era a oportunidade que o adversário estava esperando. Ele prensou sua cabeça no chão, formando uma pequena cratera nas pedras negras, e o jogou para longe. Wieder bateu de costas na mureta, e antes que pudesse se recuperar um pé de madeira caiu no seu peito. - Vocês chegaram a discutir naquele dia que lutaram comigo, não foi? As árvores me contaram.
Ah, ótimo, pensou o golem. Nem privacidade tinha naquela floresta. - E daí? - Tentou resmungar, os dois braços tentando afastar o pé do outro. Atrás de si, a mureta começava a rachar.
- Seu amigo... estava certo. - Outra onda bateu perto deles, encharcando-os. - Sobre a idade de tentar recomeçar a vida. De buscar um sonho. Você começou muito tarde.
- O que você disse? - Rugiu Wieder, mas uma pedra desmoronando atrás dele o fez se calar pelo temor. Conseguia sentir o mar tempestuoso em suas costas.
- Me desculpe. - Rohr aumentou a pressão no pé. - Mas será melhor para você morrer aqui do que seguir em uma busca infrutífera, cada vez mais desesperada. Não há discussão sobre isso. - Mais pressão, e a parede de pedras negras se decompôs. O membro da Aurora abriu os braços, sendo seguro apenas pelas mãos molhadas. Olhou para o adversário, encarando-o com temor, ódio e indignação. - Adeus.
De repente o golem caiu na água, rapidamente afundando no mar revolto. Wieder imediatamente se destransformou para diminuir o peso, voltando à forma de anão. Tentou nadar de volta, mas já era presa fácil para as ondas. Elas o engoliram e o arremessaram contra a fortaleza flutuante, tal qual um brinquedo. Tentou respirar e acabou engolindo mais água do que ar, para novamente ser arrastado para o fundo.
Não, tentava dizer para si mesmo, os pensamentos à solta. Eu não vou deixar que isso aconteça. Não assim. Não aqui. Não de forma desconhecida. Ele levantou o braço e agarrou uma quina, apenas para ser arrastado pelas ondas. Sentiu ela explodir e espirrar para o alto, mas isso apenas o empurrou para baixo. Fechou os olhos pelo sal, sentindo a mente começar a falhar pela falta de oxigênio. Isso não pode acontecer. Isso não pode... acontecer...
Não ainda.
Um brilho dourado veio do mar escuro, meio que escondido pela espuma das ondas. Quase que no mesmo instante, um braço rochoso se ergueu, segurando a quina de rocha negra com tanta força que ela se rachou levemente. Um som gutural veio da água, e o rosto do golem emergiu. Ele gritava. Gritava com toda a sua alma, juntando todas as suas forças. Seus olhos pequenos e vermelhos estavam arregalados, a boca aberta e tomada por um vazio negro. Wieder colocou mais uma mão sob a água. Gritou mais forte, e seus ombros também subiram. Rohr deu um passo para trás, assombrado. O golem de quase trezentos quilos estava se levantando, através das ondas revoltas e escuras.
Seu tronco saiu da água, e com ele veio um joelho. O mar deu a ajuda final, empurrando-o para cima. E assim, para total incredulidade do seu adversário, Wieder Henf conseguiu voltar à fortaleza flutuante. O esforço foi tão grande que ele voltou à forma de anão, respirando ofegante enquanto se apoiava no chão.
O membro da Aurora, através da barba encharcada e as roupas escuras de tanta água, ergueu o queixo e mirou o ente, que continuava em silêncio. - Ainda... não. - Disse com a voz fraca. - Farei o meu nome primeiro, não... importa o que você diga. - Ele se apoiou em um joelho, juntando forças para se levantar. - Não importa o que minha família... diga. Não importa o que.... qualquer pessoa diga. - Ele ficou de pé, o olhar obstinado. Tocou a pulseira, voltando à forma de golem. - EU FAREI O MEU NOME!
Ele disparou, movido por uma vontade sem igual enquanto que o ente não conseguia sequer formular uma reação. Agarrou-o pelo pescoço e o arremessou para trás, perto do mar. Rohr conseguiu ficar de pé, mas uma sequência de socos de Wieder o fez recuar. Cada golpe era um passo para trás, se aproximando cada vez mais do mar revolto. O ente não conseguia arrumar forças para se defender, apenas era golpeado sem perdão, até que seu pé não encontrou mais o chão.
Caiu para trás, as costas encontrando as ondas. Seus olhos arregalados encararam o céu nublado acima, cortado por um raio. No entanto, no meio de sua queda, foi agarrado pela mão rochosa do golem. Ele o segurava pelo braço, os pés firmes no chão para poder segurá-lo. - Nada disso. - Soltou com sua voz gutural. - Você ainda tem muito o que responder.
Wieder encarava o rosto do ente, fitando as nuvens sem expressão, e notou algo de estranho. Poderiam ser os respingos do mar, mas haviam fios d'água descendo dos olhos de Rohr. De repente ele fez força para baixo, forçando o anão a renovar a força. - O que pensa que está fazendo? - Perguntou alarmado, segurando-o com as duas mãos. O adversário começou a martelar seu próprio braço, parecendo desesperado. - Pare com isso!
- Me deixe ir... - Choramingou Rohr. Wieder se assustou, e quase soltou o outro. - Eu... não aguento mais o que eles estão tentando fazer. Não aguento mais seguir o Culto Púrpura. - Ele bateu no cotovelo, arrancando lascas de madeira. - Só que não tenho como traí-los, então não sabia o que fazer. Pedi aos deuses que decidissem meu futuro nessa batalha e eles me escolheram. - Bateu novamente, e era impossível que o golem o impedisse naquelas circunstâncias. - ME SOLTE!
- DEIXE DE SER COVARDE! - Gritou o membro da Aurora, e uma onda quase os derrubou. - Não procure a saída mais fácil, seu merdinha! Ainda tem tempo para mudar!
Rohr riu, o braço estendido para seu derradeiro golpe. - Eu ainda acredito no que falei, senhor Wieder. - Abaixou a mão, tão forte que seu braço partiu em dois. - Às vezes é tarde demais.
- ROHR! - O anão caiu para trás, se levantando rapidamente para voltar à borda. Só que o ente já havia sido tomado pelo impiedoso mar de Cellintrum. Conseguiu avistar uma forma marrom sendo arrastada para o fundo, a capa roxa e prateada balançando pela maré. Wieder o encarou, apoiado no que restou da mureta, alheio à tempestade que se intensificava. Ficou encarando as águas por um bom tempo, mesmo depois do jovem Rohr ter sumido. Se levantou dolorosamente, voltando seu olhar às casas negras da fortaleza flutuante. - Desaad. - Disse, voltando à forma de anão e caminhando para os prédios.
- ROHR! - Gritou uma voz grossa, vindo detrás dele. O ente abaixou o capuz, revelando o rosto quadrado, e virou o corpo. Wieder o encarava do outro lado, os punhos cerrados e a barba encharcada. Vestia roupas cinzas que eram muito grandes para seu corpo diminuto, mas isso não parecia incomodá-lo. Ele começou a andar na direção do adversário, de vez em quando sendo impelido pelas ondas que se quebravam. Os tropeços só o deixavam mais nervoso, os olhos brilhando pelos raios ocasionais. - ROHR! - Repetiu com mais empenho. - Não importa o que eu faça, eu vou acabar com você. ESTÁ ME OUVINDO?
O outro não respondeu nem sequer manifestou qualquer expressão, apenas deixou que o anão se aproximasse. Ele parou à sua frente, tão baixo que mal chegava à cintura do ente. Olhou para cima com puro ódio no olhar, consciente de suas chances. - Mesmo que eu tenha que me matar para isso, eu vou... - Ele parou ao ver que Rohr lhe estendia um objeto. Era uma pulseira dourada, familiar demais para ser confundida. O membro da Aurora levou o olhar do artefato até de volta aos olhos amarelados do adversário, um traço de confusão se misturando à raiva. - O que é isso?
- Você sabe o que é. - Respondeu o ente. Olhou para a pulseira, o material dourado refletindo um raio distante. - Quando capturamos vocês, queriam destruir isso. Eu o mantive em segredo. - Encarou o anão, sem emoção no rosto. - Não seria justo.
- Justo? - Rangeu Wieder. Ele girou o braço esquerdo e enfiou a mão na pulseira. Um brilho amarelado tomou conta dele e uma nuvem de poeira o rodeou, rapidamente expulsa pelo vento salgado. No lugar do anão havia um golem gigante, o corpo curvado na preparação de um golpe. Rohr nem teve tempo para reagir ao soco que levou no rosto, fazendo-o voar vários metros antes de cair de costas no chão. - JUSTO? Você tem a coragem de dizer que o que fizeram comigo foi justo?
- Não foi você quem disse que eu só sabia resolver argumentos com violência? - Reclamou o membro do Culto Púrpura no chão, segurando o queixo.
- Ah, cale a boca. - Soltou o anão, a voz gutural pela transformação. - Vocês não sabem o que aquela maldita enganação de vocês fez comigo. - Ele levantou o braço, apontando para o outro. - Valorizo bastante o que tenho. O que acredito. E ver meus sonhos sendo usados para me controlar... - Não conseguiu terminar a frase, tamanha a raiva que sentia.
Do outro lado, Rohr ficou em silêncio por um tempo, até se levantar dolorosamente. - Eu sei. - Disse, pesaroso. - Não concordei com esse plano. Sei a importância do que acreditamos. - Ele evitava encarar o golem, preferindo fitar o chão. Uma onda estourou na mureta mais próxima, criando uma breve chuva em cima dos dois.
- Então por que os defende? - Perguntou em voz baixa Wieder. Não houve resposta. - Hein? Se é contra o que fazem, por que ainda usa esse manto?
- Porque são meus companheiros! - Gritou o ente, parecendo soltar um peso de seu peito. - Desaad me deu tudo que eu precisava! Me deu a força para seguir os meus próprios sonhos! Eu não posso dar as costas para eles agora!
O anão absorveu aquilo, a boca cerrada como uma linha. - Então chegamos a um impasse. O seu grupinho quer atacar os meus companheiros, e não ficarei parado. - Levantou os punhos à frente do rosto. - Você sabe o que isso significa.
- Sim... eu sei. - Admitiu pesaroso Rohr. Wieder aproveitou e disparou para frente, a raiva explodindo. Tudo o que queria era descontar suas frustrações e acabar logo com aquilo para ajudar os outros a saírem dali. Dois coelhos com uma cajadada.
Deu um soco no rosto do adversário, quase o derrubando novamente. O ente rangeu os dentes e jogou o corpo em cima do outro, agarrando-o pela cintura. Começou a empurrá-lo, e Wieder olhou para trás. Viu uma onda quebrando na mureta e percebeu o motivo daquele ato. Firmou seus pés e parou, resistindo aos empurrões.
- Nada disso. - Resmungou, soltando uma cotovelada nas costas de Rohr. Ele o largou por alguns segundos, e o golpe seguinte fez com que o ente caísse. O golem procurou chutá-lo, mas foi agarrado pela perna de apoio e caiu no chão.
O membro da Aurora imediatamente cobriu a cabeça com os antebraços, se protegendo da rajada de socos que o acertavam. Madeira encontrava ronatto, batendo e batendo até soltar lascas dos dois materiais, varridas pela água.
- Sabe, eu pensava em você enquanto nos reorganizávamos. - Começou Rohr, mantendo a pressão. Era difícil arrumar um contra-ataque, pois o ente não parava por um segundo. Wieder rugiu, a fúria começando a diminuir pela concentração em se manter protegido. - Quando Desaad nos descristalizou naquela caverna de emergência embaixo de Vertreit, sabia que tentariam se vingar. E eu só pensava em você e naquele homem tatuado.
A menção de Vertreit fez com que o anão se desconcentrasse, o que era a oportunidade que o adversário estava esperando. Ele prensou sua cabeça no chão, formando uma pequena cratera nas pedras negras, e o jogou para longe. Wieder bateu de costas na mureta, e antes que pudesse se recuperar um pé de madeira caiu no seu peito. - Vocês chegaram a discutir naquele dia que lutaram comigo, não foi? As árvores me contaram.
Ah, ótimo, pensou o golem. Nem privacidade tinha naquela floresta. - E daí? - Tentou resmungar, os dois braços tentando afastar o pé do outro. Atrás de si, a mureta começava a rachar.
- Seu amigo... estava certo. - Outra onda bateu perto deles, encharcando-os. - Sobre a idade de tentar recomeçar a vida. De buscar um sonho. Você começou muito tarde.
- O que você disse? - Rugiu Wieder, mas uma pedra desmoronando atrás dele o fez se calar pelo temor. Conseguia sentir o mar tempestuoso em suas costas.
- Me desculpe. - Rohr aumentou a pressão no pé. - Mas será melhor para você morrer aqui do que seguir em uma busca infrutífera, cada vez mais desesperada. Não há discussão sobre isso. - Mais pressão, e a parede de pedras negras se decompôs. O membro da Aurora abriu os braços, sendo seguro apenas pelas mãos molhadas. Olhou para o adversário, encarando-o com temor, ódio e indignação. - Adeus.
De repente o golem caiu na água, rapidamente afundando no mar revolto. Wieder imediatamente se destransformou para diminuir o peso, voltando à forma de anão. Tentou nadar de volta, mas já era presa fácil para as ondas. Elas o engoliram e o arremessaram contra a fortaleza flutuante, tal qual um brinquedo. Tentou respirar e acabou engolindo mais água do que ar, para novamente ser arrastado para o fundo.
Não, tentava dizer para si mesmo, os pensamentos à solta. Eu não vou deixar que isso aconteça. Não assim. Não aqui. Não de forma desconhecida. Ele levantou o braço e agarrou uma quina, apenas para ser arrastado pelas ondas. Sentiu ela explodir e espirrar para o alto, mas isso apenas o empurrou para baixo. Fechou os olhos pelo sal, sentindo a mente começar a falhar pela falta de oxigênio. Isso não pode acontecer. Isso não pode... acontecer...
Não ainda.
Um brilho dourado veio do mar escuro, meio que escondido pela espuma das ondas. Quase que no mesmo instante, um braço rochoso se ergueu, segurando a quina de rocha negra com tanta força que ela se rachou levemente. Um som gutural veio da água, e o rosto do golem emergiu. Ele gritava. Gritava com toda a sua alma, juntando todas as suas forças. Seus olhos pequenos e vermelhos estavam arregalados, a boca aberta e tomada por um vazio negro. Wieder colocou mais uma mão sob a água. Gritou mais forte, e seus ombros também subiram. Rohr deu um passo para trás, assombrado. O golem de quase trezentos quilos estava se levantando, através das ondas revoltas e escuras.
Seu tronco saiu da água, e com ele veio um joelho. O mar deu a ajuda final, empurrando-o para cima. E assim, para total incredulidade do seu adversário, Wieder Henf conseguiu voltar à fortaleza flutuante. O esforço foi tão grande que ele voltou à forma de anão, respirando ofegante enquanto se apoiava no chão.
O membro da Aurora, através da barba encharcada e as roupas escuras de tanta água, ergueu o queixo e mirou o ente, que continuava em silêncio. - Ainda... não. - Disse com a voz fraca. - Farei o meu nome primeiro, não... importa o que você diga. - Ele se apoiou em um joelho, juntando forças para se levantar. - Não importa o que minha família... diga. Não importa o que.... qualquer pessoa diga. - Ele ficou de pé, o olhar obstinado. Tocou a pulseira, voltando à forma de golem. - EU FAREI O MEU NOME!
Ele disparou, movido por uma vontade sem igual enquanto que o ente não conseguia sequer formular uma reação. Agarrou-o pelo pescoço e o arremessou para trás, perto do mar. Rohr conseguiu ficar de pé, mas uma sequência de socos de Wieder o fez recuar. Cada golpe era um passo para trás, se aproximando cada vez mais do mar revolto. O ente não conseguia arrumar forças para se defender, apenas era golpeado sem perdão, até que seu pé não encontrou mais o chão.
Caiu para trás, as costas encontrando as ondas. Seus olhos arregalados encararam o céu nublado acima, cortado por um raio. No entanto, no meio de sua queda, foi agarrado pela mão rochosa do golem. Ele o segurava pelo braço, os pés firmes no chão para poder segurá-lo. - Nada disso. - Soltou com sua voz gutural. - Você ainda tem muito o que responder.
Wieder encarava o rosto do ente, fitando as nuvens sem expressão, e notou algo de estranho. Poderiam ser os respingos do mar, mas haviam fios d'água descendo dos olhos de Rohr. De repente ele fez força para baixo, forçando o anão a renovar a força. - O que pensa que está fazendo? - Perguntou alarmado, segurando-o com as duas mãos. O adversário começou a martelar seu próprio braço, parecendo desesperado. - Pare com isso!
- Me deixe ir... - Choramingou Rohr. Wieder se assustou, e quase soltou o outro. - Eu... não aguento mais o que eles estão tentando fazer. Não aguento mais seguir o Culto Púrpura. - Ele bateu no cotovelo, arrancando lascas de madeira. - Só que não tenho como traí-los, então não sabia o que fazer. Pedi aos deuses que decidissem meu futuro nessa batalha e eles me escolheram. - Bateu novamente, e era impossível que o golem o impedisse naquelas circunstâncias. - ME SOLTE!
- DEIXE DE SER COVARDE! - Gritou o membro da Aurora, e uma onda quase os derrubou. - Não procure a saída mais fácil, seu merdinha! Ainda tem tempo para mudar!
Rohr riu, o braço estendido para seu derradeiro golpe. - Eu ainda acredito no que falei, senhor Wieder. - Abaixou a mão, tão forte que seu braço partiu em dois. - Às vezes é tarde demais.
- ROHR! - O anão caiu para trás, se levantando rapidamente para voltar à borda. Só que o ente já havia sido tomado pelo impiedoso mar de Cellintrum. Conseguiu avistar uma forma marrom sendo arrastada para o fundo, a capa roxa e prateada balançando pela maré. Wieder o encarou, apoiado no que restou da mureta, alheio à tempestade que se intensificava. Ficou encarando as águas por um bom tempo, mesmo depois do jovem Rohr ter sumido. Se levantou dolorosamente, voltando seu olhar às casas negras da fortaleza flutuante. - Desaad. - Disse, voltando à forma de anão e caminhando para os prédios.
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