Dalan bateu com as costas na parede, o sangue espirrando de sua boca. Viu uma figura se mexendo no quarto escuro e tentou se abaixar para se defender, mas não era rápido o suficiente. O soco veio na direção de seu rosto, tão forte que o fez atravessar a parede atrás de si, caindo entre os destroços do outro quarto. Cuspiu mais um pouco, conseguindo apoiar um braço no chão, mas antes que fizesse qualquer outra coisa foi virado de costas e uma sombra veio em seu pescoço. Fechou os olhos em resposta à morte veloz, mas não sentiu nada. Abriu uma das pálpebras desconfiado, e avistou Desaad acima de si. Ele estava em pé, segurando o que parecia um bidente, que prendia o pescoço do rapaz no chão. Sorriu de forma zombeira.
- Eu te disse... - Começou, largando a arma fincada no piso. - Não fiquei parado depois de nosso desencontro na Caverna dos Reclusos. Treinei o suficiente para garantir minha superioridade. - Ele se abaixou, o capuz se remexendo por cima de seu rosto alongado e cabelos quase brancos de tão loiros, penteados perfeitamente para trás. - Se não conseguiu me derrotar antes, não terá nenhuma chance agora.
Dalan rangeu os dentes e pôs as mãos no bidente. Ele era feito de um material metálico e vermelho, o que parecia repelir seus poderes. Tentou desprender a arma do chão com todas as suas forças, o que entreteu o adversário.
- Pra quê tanto esforço? - Perguntou, andando calmamente até o outro lado do quarto. Se sentou numa poltrona empoeirada, reclinando as costas nas almofadas. - Eu não quero te matar, portanto se acalme. Vamos apenas passar o tempo.
O garoto o encarou, vermelho pelo esforço e a humilhação. - Cale a boca. - Era tudo o que tinha. Voltou a se concentrar em se soltar, enquanto que o membro do Culto Púrpura o encarava com o queixo apoiado na mão. Se esticou para frente.
- Sabe, eu realmente estou curioso. - Perguntou com os olhos atentos. - Já deixei claro que não está em perigo. Mesmo assim, quer voltar a lutar e arriscar sua pele. - Voltou a se encostar na poltrona. - Por quê?
Dalan ficou calado por alguns segundos, recuperando o fôlego. - Você nos sequestrou. - Voltou a tentar arrancar a arma. - Não ache que vou ser enganado. Não depois de tudo que aconteceu conosco. - Suas mãos tremiam no suporte do bidente. - Não vou deixar que machuque meus amigos de novo.
- Não... quero dizer, sim, claro. Seus amigos. Só que no fundo, o que realmente te motiva? - Indagou Desaad, um pouco agitado. - Digo, pra quê entrou na Aurora? O que te faz ser um membro de guilda? - O rapaz não respondeu, preferindo se concentrar em sair dali. O outro, no entanto, sorria tranquilamente. - É sobre Gamora, não é?
Dalan parou, os olhos arregalados. Era como se o mundo tivesse congelado, tentando voltar a entrar nos eixos. Ele se virou lentamente para Desaad, ainda repetindo a frase em sua cabeça para ver se tinha entendido direito. - O quê? - Perguntou, a garganta subitamente seca.
- Gamora! - Respondeu como se fosse a coisa mais simples do mundo. Endureceu o queixo, apontando as mãos para o chão. - Estamos em cima dela no momento. Digo, no lugar que ela ficava. Se não me engano, é aqui que ficava a Cordilheira dos Perdidos.
- Como sabe... - Estava ficando difícil para o garoto respirar, mesmo com o espaço que o bidente proporcionava ao seu pescoço. - O quê aconteceu com ela?
O líder do Culto Púrpura sorriu. - Ah, não sabe? Sua preciosa Aliança tentou sumir com esse lugar. - Ele se levantou, começando a andar ao redor do rapaz. - Exilaram o arquipélago para outra dimensão, ansiosos em se livrarem para sempre de qualquer menção dele. Usaram magia poderosa, criança, coisa que corrói a memória das pessoas e qualquer registro físico. Acho que por agora todos os mapas foram alterados, e apenas os Gamorianos conseguem se lembrar desse lugar. - Ele parou ao lado de Dalan. - Quer dizer, exceto os que usam magias tão poderosas quanto. - Esfregou a barra do manto com dois dedos, e apontou para o braço do rapaz com a mão livre. A marca da Aurora o encarou.
- Eu... - Era demais para o garoto. Não estava esperando por aquilo. Desaad sabia sobre Gamora, perguntou para si mesmo. E o que tinha acontecido com ela? Estava falando a verdade? A Aliança tinha algo a ver com isso? Desviou os olhos, procurando entender a reviravolta que havia acabado de presenciar.
O outro sorriu ao ver a confusão no rosto de seu adversário. - Sabe, acredito que pessoas como nós são movidas por sonhos. - Se virou e começou a se afastar, abrindo os braços enquanto falava. - É a força que nos mantém seguindo em frente. E, por um acaso do destino, nossos sonhos se entrecruzaram, pequeno Dalan.
- O quê.... o quê você quer? - Perguntou o rapaz, se agitando. - Pra quê nos resgatar? Pra quê atacar a Aurora e tentar manipular o prefeito de Helleon? Pra quê se vender para demônios? Pra quê usar magia proibida e criar uma fortaleza flutuante no meio do mar? - Agora segurava com mais força as pontas do bidente. - O QUE QUER AFINAL, DESAAD?
O homem olhou para trás, o rosto de repente impassível. - A mesma coisa que você quer. - Disse, o manto roxo e prateado cobrindo suas costas. - Resgatar Gamora.
AURORA
CAPÍTULO 46: O BRILHO MAIS FORTE
- O... o quê? - Perguntou o garoto. Não podia acreditar no que estava ouvindo.
- Você sabe! Resgatar sua casa! - Ele se agachou, encarando o outro com olhos bastante abertos e animados. - Acredite, eu descobri o que tinha acontecido por sorte. Depois de nosso... desencontro, me recolhi para descristalizar meus companheiros. Tive de reformar os mantos deles, e foi quando percebi algo estranho. - Ele esperou Dalan dizer alguma coisa, em vão. - Bem, o que descobri foi que havia uma contra-magia estranha neles. Sabe, eu tinha feito diversas barreiras genéricas, porém poderosas, contra diversos feitiços da Aliança, mas tinha algo a mais do que simples contra-encantos de localização. Havia um que nunca tinha visto antes.
- A partir daí, pesquisei. É algo bastante erudito e complexo, descobrir as especificações de uma magia a partir de um contra-encanto, mas afinal consegui. - Ele sorriu, satisfeito consigo mesmo. - O tal feitiço da Aliança era a pista que eu precisava. Sabia que eles estavam tentando esconder a localização de meu mestre, e tudo parecia se encaixar com o feitiço de apagar vestígios. Se chama Caelaredon, caso esteja interessado. - Dalan não estava. - Só que há uma peculiaridade nele. Pessoas com memórias fortes sobre o local produzem contra-encantos naturais, que vão se desgastando com o tempo. Procurei rapidamente por algo assim, e meus caminhos me levaram novamente à Aurora. O destino é realmente inexorável. - O garoto engoliu em seco. Tinha os colocado na mira do Culto Púrpura.
- E então... nos sequestraram? - Perguntou.
- Bem, depois de nossos confrontos, seria muito difícil simplesmente chegar e pedir por apoio. - Desaad se levantou, se dirigindo até uma janela. O vidro estava imundo, quase bloqueando a visão da rua, mas mesmo assim ele se prostrou à sua frente. - Portanto, precisava de um plano. Pesquisei as missões passadas da Aurora, e contratei a ajuda de Jones e seus Libertadores. Tinham a motivação que eu precisava. Só que eu não queria chamar a atenção em um ataque direto.
- Felizmente estávamos abençoados. Soubemos que o famoso Tom Burstin teria uma missão perto de Helleon, portanto o capturamos, ferido, e fizemos uma simples indução mental nele. Já deve ter esquecido disso, provavelmente, mas o mandamos convidar vocês para uma viagem de navio. Quem desconfiaria dele? - O homem parou de sorrir, algo inédito nos últimos minutos. - Peço desculpas pela... truculência, mas garanti que ninguém fosse morrer.
- E o que quer da gente aqui? - Ofegou Dalan. Era muito para ele absorver, principalmente na situação que estava, mas percebia o buraco que tinha metido os amigos.
- Bem, vocês estão aqui pelo contra-encanto. - Respondeu o outro, levantando um dedo. - Estamos o replicando e absorvendo a cada segundo, e com isso poderemos localizar onde está Gamora. Veja, a Aliança parece ter feito um trabalho bem porco, e o arquipélago está entre nosso plano e o Mundo Oculto, então...
- E pra quê sequestrar meus amigos? - Interrompeu o rapaz, agitado. - Vocês só precisavam de mim, não era? Pelo meu contra-feitiço natural ou o que quer que seja! Pra quê envolver o restante da Aurora?
- ... você realmente não sabe no que se meteu quando entrou na guilda, não? - Se virou novamente para o garoto após alguns segundos de silêncio. Caminhou tranquilamente em sua direção, e segurou seu braço. A marca da Aurora estava entre seus dedos, as três curvas e a estrela brilhante. - Isso aqui não é uma simples identidade. É magia poderosa, que une cada um de vocês. Pela alma e pelo sangue. Com isso, o seu contra-encanto foi passado para seus companheiros assim que você foi marcado. - Ele voltou a sorrir. - Acredite, isso facilitou em muito nossa vida. Com mais de vocês, mais rápida é a absorção.
- Então eu... - Era verdade, concluiu Dalan. - Eles... estão aqui por causa de mim. Estão arriscando suas vidas... por minha causa. - Não tinha mais forças para se livrar do bidente, e deixou as mãos caírem.
- Bem, eu pedi a meus subordinados que não os matassem, mas há uma maneira mais fácil de garantir isso. - Ele retirou a arma do pescoço de Dalan com facilidade. O garoto se manteve parado, sem saber o que fazer. Ficou ainda mais desconcertado quando o adversário estendeu a mão para o ajudar a se levantar. Recusou a ajuda, mas ficou de pé mesmo assim. - Dalan, você pode pedir a seus amigos que desistam. Essa batalha é inútil. - Colocou a mão no ombro do rapaz. - Não vamos matá-los, apenas queremos que continuem nessa fortaleza. E depois disso... - Olhou fundo nos olhos do outro. - Você sabe o que vai acontecer.
- Gamora... - Respondeu o membro da Aurora, olhando para baixo.
- Sim! Você terá sua ilha de volta! Não era o que sonhou? - Desaad estava com o rosto animado, segurando firmemente o ombro do garoto. - Bem, a hora é agora! Garanta a sobrevivência de seus amigos e traga sua casa do limbo! - Respirou fundo, mal conseguindo conter a ansiedade. - E está tudo nas suas mãos. O que me diz?
Dalan não tinha algo a dizer naquele momento. Se lembrou de sua casa, a vizinhança que morava bem perto da praia. Seus pai, sua mãe, a vida que levava. Acordar todos os dias para ver os barcos zarparem, o vento salgado sujando seus cabelos, o gosto do peixe de cada dia. A monotonia do vilarejo, a floresta perto de sua vila, as caminhadas solitárias que costumava dar.
Foi naquela floresta que encontrara Adam, não? O encontro que mudou sua vida. Foi por causa dele que entrou na Aurora. Foi acolhido na guilda. Wieder, Koga, Sophie, Dominic... até Amanda. Seus novos companheiros estiveram sempre do seu lado. E agora parecia a chance de retribuir, pensou. Garantir que continuassem vivos. Por eles e por sua casa, por seu pai e sua mãe. Começou a levantar o queixo para falar com Desaad, mas seus olhos pararam na barra de seu manto. O mesmo manto roxo e prateado que causara tanto sofrimento. Se recordou de Sophie no leito do hospital, de Sasha ensanguentada no saguão da Aurora, do ataque ao Intrépida Saída. Fechou a mão em um punho trêmulo.
Sabia o que fazer.
Esticou a mão e ativou seus poderes, congelando o chão aos pés do adversário. Desaad olhou para baixo, surpreso, e o garoto chutou seu estômago. O homem foi jogado para trás, caindo entre os móveis. - Se acha que vou ignorar tudo o que fez conosco... - Começou Dalan, a raiva renovando suas forças. - Pode esquecer. Não vou deixar nada em suas mãos, nem meus amigos e nem Gamora! - Gritou as últimas palavras, e o outro se levantou de forma silenciosa.
- Bem, é uma pena. - Disse, e em um ínfimo de segundo disparou para frente, jogando o rapaz contra a janela. Ele caiu na rua, coberto pelos cacos de vidro. Com um dos olhos, percebeu uma figura alta ao seu lado. - Vou ter que fazer isso do jeito mais difícil, então. Espero que saiba que está... - Foi impedido de falar por uma gigantesca mão de ronatto que o socou para dentro do edifício. Dalan se levantou debilmente, identificando as pessoas ao seu redor. Eram Wieder, Sasha e Sophie.
- Vocês... - Começou a dizer, mas Sasha se adiantou. Era estranho vê-la de cabelo curto, mas não tinha tempo de perguntar o que aconteceu.
- Esteja preparado, Wieder. Ele já deve voltar. - Ela e o golem ficaram de costas para o garoto, mirando o buraco pelo qual Desaad havia sumido. Sophie por sua vez foi até Dalan, limpando um ferimento em sua testa. Um de seus braços estava preso em uma tipoia de pano cinza, mas ele nem percebeu.
- Prestem atenção! - Tentou dizer ele, se afastando da companheira. - Ele nos sequestrou para--
- Já sabemos. - Interrompeu Wieder, ainda de costas. - Estávamos aqui, procurando uma maneira de atacá-lo.
- Então... vocês sabem o que aconteceu! - Disparou o garoto, o suor escorrendo por sua testa. - Que foram sequestrados por minha causa! Que estamos aqui por causa de mim! É tudo minha culpa! - Sasha virou a cabeça para o lado, os olhos em sua direção. Por um instante ela o encarou de forma gélida, fazendo o companheiro estremecer. No segundo seguinte, contudo, já estava olhando para frente.
- Sophie, leve ele até o barco. Precisamos tirá-lo daqui o quanto antes. Se o Culto Púrpura o quer, estará mais seguro fora dessa fortaleza flutuante. - Sua voz era impassível, e a outra garota se adiantou para puxar o braço de Dalan, que protestou.
- O quê? Vocês não estão entendendo! - Ele se livrou de Sophie, dando um passo à frente. - Vocês não tem mais que lutar por mim! Eu que causei tudo isso, não tem que--
- CALE A BOCA! - Gritou Sasha, fazendo o outro se silenciar imediatamente. - Você acha que estamos de brincadeira aqui? Que fazer parte de uma guilda é tão simples assim para desistir de uma hora pra outra? O que foi que eu disse para você em nossa primeira missão, Dalan? - Ele abaixou a cabeça, tentando se lembrar, mas não houve tempo para isso. - Nós da Aurora protegemos uns aos outros. E você é nosso companheiro, algo que não vai ser quebrado apenas por sua vontade. Nunca duvide disso. - Ela esticou o queixo, o cabelo cortado balançando ao vento. - Já tivemos muitos membros desistindo nesses anos. Não ouse repeti-los.
- Vamos. - Pediu Sophie, puxando seu braço. O garoto, ainda relutante, aceitou. Os dois correram por entre as ruelas, sumindo de vista, mas Sasha e Wieder continuaram onde estavam, iluminados pelos raios cada vez mais frequentes.
- Isso não adiantará. - Disse uma voz nas trevas. Um relâmpago surgiu nos céus, iluminando o encapuzado Desaad no interior do edifício. - Não vão conseguir ganhar tempo o suficiente.
- É o que você diz. - Retrucou Sasha. Seus ferimentos não a deixavam mover o braço direito, mas isso não a incomodava. - Agora, nos diga. Qual é o seu real motivo de trazer Gamora de volta?
- E não nos venha com esse papo maleável que você estava tendo com Dalan. - Adicionou o anão.
Desaad apenas sorriu, mas a garota tinha uma ideia. - Tem algo a ver com Zemopheus, não é? - Wieder a encarou com a boca entreaberta, e ela o olhou de volta. - Não podemos deixar ele sair daqui.
- O sentimento é recíproco. - Interrompeu o homem, abrindo os braços. Sua capa esvoaçou, como que turbinada por uma força oculta. - Vocês... parecem saber demais, e não posso deixar que comuniquem isso àquele rapaz. Ainda anseio por sua ajuda. - Sasha e Wieder deram um passo para trás, sentindo um peso gélido descer pelo estômago. O líder do Culto Púrpura sorriu. - Agora... comecemos.
Enquanto isso, Dalan e Sophie caminhavam pelas ruas negras, a garota puxando o braço do distraído companheiro. Finas gotas de chuva começavam a cair, formando pequenas poças na calçada e tornando o caminho acidentado. Chegaram a uma bifurcação, e a garota parou para tentar se localizar, agitada. O cabelo loiro e molhado brilhava, e o companheiro avistou por fim seu braço enrolado na tipoia. Isso aconteceu por sua causa, dizia silenciosamente. Dalan se virou para o outro lado, a culpa o corroendo por dentro.
- Acho que devemos seguir pela orla, não? - Perguntou Sophie, se virando para o companheiro. Viu que ele estava de costas, e se aproximou. - Dalan, temos que correr.
- Enquanto os outros estão lutando?! - Disparou o rapaz, cerrando os punhos. - Enquanto um monstro tenta trazer de volta minha ilha e eu viro as costas? Enquanto ele ameça todos vocês por minha culpa? - Se virou com raiva para a amiga, que deu um passo para trás, assustada. Ele a encarou furioso por alguns segundos, até que socou com força a parede mais próxima. Sua raiva diminuiu como um balão furado, e abaixou o queixo. - Eu não sei o que fazer. - Admitiu com a voz pesarosa. - Eu realmente não sei o que fazer.
- Dalan... - Começou Sophie, se aproximando. - Eu...
- Ora, ora, ora... - Disse uma voz conhecida atrás dela, e os dois viraram a cabeça naquela direção. Desaad estava na bifurcação. - Vejo que consegui alcançá-los.
- Oh, céus. - Disse Sophie com as mãos na boca, e Dalan se adiantou.
- O que fez com eles? - Perguntou o rapaz, e o outro sorriu.
- Não se preocupe, estão vivos. Só que eu cansei de bancar o bonzinho. - Ele puxou o capuz, deixando os cabelos loiros à chuva. - Da próxima vez que você recusar minha proposta, um de seus amigos irá morrer. E adivinhe quem será? - Ele virou o rosto para Sophie, estreitando os olhos. - O que me diz agora?
O rapaz também se virou para a companheira, que encarava o adversário com os olhos arregalados. Não tinha escolha. Respirou fundo e endureceu o queixo. - Desaad, eu... - Começou a andar pra frente, mas foi impedido. Sophie estendeu o braço sadio, bloqueando sua passagem. Ela tremia, mas mantinha o queixo erguido. Dalan tentou afastá-la. - Sophie, eu preciso ir. - Ela balançou negativamente a cabeça, nervosa demais para falar. O companheiro sentiu o desespero tomar conta de seu corpo. - Ele vai te matar! - Berrou, mas mesmo assim ela não se moveu. Se virou para ele, os grandes olhos verdes sérios como nunca tinha visto antes.
- Dalan, eu... - Começou, o lábio ligeiramente trêmulo. - Por minha vida inteira, eu deixei que os outros me protegessem. Ninguém... tinha confiança em mim. Até você chegar. - Ela abaixou minimamente o braço, se virando para frente. - Não posso deixar você se render assim. Hoje sou eu quem vai te proteger.
- Sophie... - Tentava dizer o rapaz, mas infelizmente não estavam sozinhos.
- Que assim seja. - Avisou o líder do Culto Púrpura, disparando para frente. Sophie empurrou Dalan para o lado, mas ele não era o alvo. Desaad agarrou seu pescoço e a levou para o outro lado do beco. Levantou-a, tirando seus pés do chão.
- SOPHIE! - Gritou Dalan, se levantando e correndo para frente. O adversário atirou a capa para o alto, revelando o traje branco que usava por baixo. O manto se agitou e voou para o garoto, enrolando em suas pernas e o derrubando. Seu rosto bateu em uma poça, espirrando água para os lados. - SOLTA ELA! - Gritou, levantando a cabeça.
Desaad não pareceu escutá-lo, jogando o corpo da garota com força no chão. Mesmo longe, Dalan conseguiu ver o sangue espirrando contra a chuva. - SOPHIE! - Tentou congelar o manto que o prendia, mas não conseguia. Desesperado, olhou para os lados em busca de alguma coisa, qualquer coisa. Enquanto isso, o homem pisava no peito de Sophie, e o barulho das costelas partidas rompeu o ar. - PARA COM ISSO! EU ME RENDO, FAÇO O QUE VOCÊ QUISER, MAS PARA COM ISSO! - Percebeu que chorava, as lágrimas se misturando às gotas de chuva. Desaad o encarou, e ele pode ver seus olhos. Estavam tomados pela loucura mais uma vez, e seu coração pareceu parar.
- Já te dei chances demais, moleque. - Levantou novamente a membro da Aurora, desta vez inerte e ensanguentada. - Acho que um pouco de coerção vai te ajudar. - Fechou a mão em palma, e moveu-a na direção do coração da garota. Dalan gritou, e de repente o mundo pareceu explodir.
Pois uma parede de energia verde acertava Desaad com força, fazendo-o largar sua presa e ser atirado para longe.
- DESAAD! - Gritava uma voz nova, vinda do alto. O garoto levantou a cabeça e viu uma elfa curvilínea descer do segundo andar de um prédio próximo. Ela vestia o manto roxo e prata do Culto Púrpura, e parou à sua frente. O garoto tremeu um pouco, sem saber o que fazer. A mulher parou ao seu lado, e conjurou um feixe verde. Fechou os olhos, temendo um ataque, mas ela passou por ele e seguiu adiante na rua. - VOCÊ ME USOU! - Gritava a cada passo. Dalan se virou para vê-la sair, ainda sem entender nada.
- Dalan, aqui! - Essa era uma voz conhecida. Amanda estava do outro lado do beco, ajoelhada ao lado de Sophie. - Preciso de ajuda! - Pediu, e ele correu em sua direção. O rapaz olhou para suas pernas, e percebeu que o manto havia sumido.
Correu até as companheiras. - Ela está...? - Sophie estava com o rosto coberto de sangue, e a visão fez o ar sair de seu corpo.
- Ela está viva. - Tranquilizou a outra garota, sentada de uma forma estranha no chão molhado. Sua perna direita estava estranhamente dobrada na altura do joelho, mas pareceu ignorar. - Só que temos de tirá-la daqui. Agora.
- O que está aconte... - Naquele momento um estouro surgiu da rua atrás deles. Se viraram, vendo que Desaad havia sido derrubado por Alana.
- VOCÊ NÃO VAI ME DIZER NADA? - Gritava a elfa, lançando mais um golpe de energia no ex-líder. - ME RESPONDA! VOCÊ REALMENTE ME USOU POR TODOS ESSE ANOS? DESAAD!
- Chega. - Disse o homem. Fez um gesto com a mão, e seu manto surgiu da esquina, se enrolando ao redor do corpo da mulher. O próprio manto dela também se agitou, mantendo-a imóvel.
- Alana! - Amanda já estava se levantando, mas Desaad se virou para os membros da Aurora. Seu olho brilhou em amarelo, e os dois ficaram no chão, paralisados por um medo colossal. O temor não os deixava pensar, apenas observar a cena à frente.
Um brilho verde surgiu do corpo da elfa, e ela rasgou os mantos com uma explosão de energia, deixando apenas seu vestido preto à mercê da chuva. Se virou para seu adversário, o olhar repleto de fúria. Esticou a mão, mas ele se aproximou com tanta velocidade que estava à sua frente em um piscar de olhos. - Você ousa me trair. - Agarrou seu braço, dobrando-o para baixo. Em um instante o osso do antebraço se partiu em dois, surgindo em uma cascata de sangue. Alana gritou, e embora Dalan e Amanda quisessem muito desviar o olhar, não conseguiam. Apenas observavam.
A elfa caiu de joelhos, e Desaad a chutou no peito com tanta força que ela cuspiu sangue quando acertou a parede, formando uma pequena cratera. - Vou lhe mostrar o que acontece com quem tem a audácia me trair. - Ele parecia mais ameaçador do que nunca, a fúria fria o controlando por inteiro. Alana tentou levantar o outro braço para atacar, mas o homem pisou em seu membro. Era difícil enxergar o que acontecera pelo ponto de vista dos membros da Aurora, mas ouviram alguma coisa cair na água, além do novo jorro de sangue. Alana gritou mais alto.
- Quer saber o que eu fiz com você? - Perguntou ele, dando-lhe um soco no estômago. - Pois bem, vamos começar. Fui eu quem matou sua família. - Uma joelhada no rosto, e dois dentes voaram. -Seus pais haviam descoberto que eu trabalhava com Zaulin, e eu fui à sua casa naquela noite para matar todos vocês. - O nariz se quebrou com uma cotovelada. - Só que eles me contaram sobre você. Sobre seus poderes. PEDIRAM PARA QUE EU TE LEVASSE AO INVÉS DE MATÁ-LOS! - Dalan e Amanda tentaram ao máximo fazer alguma coisa, qualquer coisa, nem que fosse desviar o olhar daquele espancamento brutal. Em vão. - Só que eu decidi que não. Poderia usá-la como um plano reserva. - Ele a agarrou pelo pescoço, jogando-a contra a parede. Alana cuspiu, muito mais sangue que saliva. Havia um corte em sua testa, e o rosto estava empapado do líquido vermelho.
O homem segurou seu rosto, olhando bem fundo em seus olhos. Havia um verde opaco ao redor das órbitas, e ele franziu o cenho. - E você acabou usando o Indramara hoje, não? Tanto esforço para nada. Nem sequer derrotou sua oponente. Bem... - Ele se aproximou, tão perto que manchou seu rosto com o sangue. - Sorte que ninguém consegue ativar isso duas vezes ao dia, não?
- Seu... - Alana chorava de raiva, e chutou o adversário, sem efeito. Ele fechou as mãos em palma, sorrindo uma última vez.
- Sabe o melhor de tudo? - Perguntou, sem esperar resposta. - O golpe que eu te ensinei? Foi o mesmo que usei para matar seus pais. - Houve apenas tempo da elfa arregalar os olhos antes dos dedos de Desaad eviscerarem seu peito, O coração foi partido em dois, o golpe tão forte que atravessou a coluna. Ela nem mesmo mudou a expressão, e o brilho da vida se esvaiu de seus olhos. O líder do Culto Púrpura a deixou cair, seu corpo se esparramando no chão. Ele se virou de volta para os membros da Aurora, o sangue nas vestes brancas sendo lavado pela chuva. - Agora, vocês.
Amanda foi a primeira a se recuperar do feitiço. Ela imediatamente conjurou seus poderes, jogando água nos olhos do adversário. Ele parou para se limpar, gerando míseros segundos que teriam de servir. - Anda! - Gritou por entre os dentes para Dalan, agarrando seu colarinho. Ele também pareceu acordar, virando o corpo para trás. Agarrou a desacordada Sophie e disparou pelo beco, os braços de Amanda ao redor de seu corpo. Ela mancava pela perna quebrada, mas procurava acompanhar o companheiro.
Ouviram passos na poça atrás deles. A garota olhou para frente, vendo a extensa rua adiante. Puxou o rapaz pelo pescoço e se jogaram através de uma porta adjacente, entrando em um apertado cômodo escuro. - Anda, anda. - Pediu desesperada, e os dois correram para dentro do edifício. Assim que saíram daquele aposento, ouviram uma porta se abrir com violência.
Decidiram entrar em um aposento à direita, procurando voltar para a rua. Assim que fecharam a porta, no entanto, perceberam o beco sem saída. Não havia janelas.
- Ah, não... - Disse baixinho enquanto que Dalan depositava Sophie em uma cama. Ele ficou de costas para ela, os punhos cerrados enquanto que a outra tentava pensar em alguma saída. Já era tarde demais para darem a volta, e tudo que lhes restava era a esperança de que Desaad não os encontrasse. Não parecia provável.
Pense Amanda, pense, urgiu para si mesma. Era apenas ela e Dalan, sozinhos contra um monstro que parecia imbatível. Não podiam esperar por nenhum apoio. O único que tinham era Alana, e ela fora destroçada. Oh, céus, Alana. O choque de sua morte finalmente a atingiu, e ela quase vomitou. Lágrimas caíram de seu rosto enquanto se recuperava com a mão na boca. Se ao menos ela tivesse conseguido alcançar o Indramara novamente, talvez...
Espera... é isso. A garota abriu os olhos, a mente em polvorosa. A única forma de lutar contra Desaad era atingir o Indramara. Mas como? Precisariam de um choque emocional bastante forte e temperado com uma extrema vontade de lutar para isso, e ela não parecia a melhor candidata para tal. Não era assim que as coisas a atingiam. Sophie ainda estava desmaiada, o que a deixava apenas com uma opção. Dalan.
Ela se aproximou, mancando, pensando em todos os momentos que havia passado com o garoto. Em algum lugar ali, deveria haver alguma coisa que pudesse trabalhar. - Dalan... - Sibilou, as duas mãos em punho apoiadas nos ombros do companheiro.
- Amanda? - Perguntou ele, mas foi ignorado.
- Eu sei que... - Ela engoliu em seco antes de continuar. - Desde que você saiu de Gamora, as coisas ficaram meio difíceis. Aquele lance de não saber como se portar com as outras pessoas, a pressão de ter que salvar sua ilha sozinho... eu sei. Sei de tudo. - Apoiou a testa no peito do outro. - Toda essa frustração deve ser horrível. Eu tentei te ajudar do meu jeito, mas... - Sorriu. - Mas hoje tenho um conselho diferente.
- O quê? - Perguntou o rapaz, e a garota levantou a cabeça para olhá-lo nos olhos.
- Solte tudo que está dentro de você, Dalan. Tudo que tem guardado desde que Gamora sumiu até hoje. - Não chegou a piscar, o castanho se encontrando com o negro. - Alana me contou do plano de Desaad. Sei que deve ser... terrível para você, mas não tente mais guardar nada. Por favor. Não hoje.
- Amanda, eu... não estou entendendo. - Ah, é claro que ele não entendia. Típico de Dalan. Ela voltou a encostar sua testa na roupa cinza dele, pensando. Só lhe restava uma opção, concluiu enquanto encarava o chão com os olhos arregalados de tanto pensar.
- Me desculpa, Dalan. - Soltou, antes de se apoiar na ponta do pé sadio e beijá-lo com toda a sua força. Suas mãos agarravam sua camisa, puxando-a para si. Beijou-o de forma demorada, intensa, depositando toda a sua esperança nele. Esperou ser retribuída.
Ouviu a porta atrás de si se abrindo, e abaixou a cabeça. - Dalan, eu... - Naquele momento algo passou pela suas costas, soltando um som asqueroso. Sentiu o sangue quente na garganta, as mãos perderem a força e largarem a camisa do outro. Olhou para baixo, trêmula. Havia uma mão a atravessando, um pouco ao lado do umbigo, completamente ensanguentada. Conseguiu soltar um som abafado antes dela sair de seu corpo, tirando-lhe o apoio que descobriu que necessitava. Caiu nos braços do companheiro, sem conseguir se levantar.
Dalan enquanto isso estava apenas com os olhos arregalados, a mente em choque. Ele olhou para a garota que segurava inconscientemente, o sangue pingando no chão mais abaixo. Sua cabeça estava em branco, mas havia um pequeno pensamento, bem no fundo, que conseguia ser ouvido.
Amanda?
- Essa é a primeira. - Disse Desaad, limpando a mão. - Se não quiser que isso continue, peça para seus amigos se renderem. Ouviu? - Só que Dalan não estava escutando. Amanda perdeu as forças nas pernas, e caiu em cima dele. O rapaz se ajoelhou, sem conseguir acreditar no que estava acontecendo. A cabeça dela estava em seu ombro, e ele passou a mão por seus cabelos. Sentiu as lágrimas caírem, e virou o rosto dela para olhar em seus olhos. Não conseguia ver um brilho.
A-Amanda?
- O que me diz, garoto? - O líder do Culto Púrpura, segurou seu queixo, tentando forçá-lo para cima. - Quer continuar matando seus amigos? Ou se render de uma vez?
Dalan começou a tremer violentamente, levantando a cabeça de forma lenta. Ele encarou Desaad com um olhar completamente preenchido de ódio, tão forte que poderia abrir um rombo no ar.
E de repente, um minúsculo relâmpago azul faiscou neles.
Desaad foi catapultado para fora do edifício, atravessando duas paredes e caindo no centro de uma praça. Ele limpou o sangue da boca, assustado, e percebeu algo estranho em seu braço. Era gelo. Olhou para o buraco de onde tinha saído, onde seu adversário estava prostrado.
Ele estava segurando Amanda nos braços, a chuva fina os envolvendo. Seus olhos estavam cobertos por um azul-claro, e pequenos raios saiam deles de vez ocasionalmente. O líder do Culto Púrpura sentiu algo estranho passar pelo estômago. Era medo.
Pois Dalan havia alcançado o Indramara.
Desaad apenas sorriu, mas a garota tinha uma ideia. - Tem algo a ver com Zemopheus, não é? - Wieder a encarou com a boca entreaberta, e ela o olhou de volta. - Não podemos deixar ele sair daqui.
- O sentimento é recíproco. - Interrompeu o homem, abrindo os braços. Sua capa esvoaçou, como que turbinada por uma força oculta. - Vocês... parecem saber demais, e não posso deixar que comuniquem isso àquele rapaz. Ainda anseio por sua ajuda. - Sasha e Wieder deram um passo para trás, sentindo um peso gélido descer pelo estômago. O líder do Culto Púrpura sorriu. - Agora... comecemos.
Enquanto isso, Dalan e Sophie caminhavam pelas ruas negras, a garota puxando o braço do distraído companheiro. Finas gotas de chuva começavam a cair, formando pequenas poças na calçada e tornando o caminho acidentado. Chegaram a uma bifurcação, e a garota parou para tentar se localizar, agitada. O cabelo loiro e molhado brilhava, e o companheiro avistou por fim seu braço enrolado na tipoia. Isso aconteceu por sua causa, dizia silenciosamente. Dalan se virou para o outro lado, a culpa o corroendo por dentro.
- Acho que devemos seguir pela orla, não? - Perguntou Sophie, se virando para o companheiro. Viu que ele estava de costas, e se aproximou. - Dalan, temos que correr.
- Enquanto os outros estão lutando?! - Disparou o rapaz, cerrando os punhos. - Enquanto um monstro tenta trazer de volta minha ilha e eu viro as costas? Enquanto ele ameça todos vocês por minha culpa? - Se virou com raiva para a amiga, que deu um passo para trás, assustada. Ele a encarou furioso por alguns segundos, até que socou com força a parede mais próxima. Sua raiva diminuiu como um balão furado, e abaixou o queixo. - Eu não sei o que fazer. - Admitiu com a voz pesarosa. - Eu realmente não sei o que fazer.
- Dalan... - Começou Sophie, se aproximando. - Eu...
- Ora, ora, ora... - Disse uma voz conhecida atrás dela, e os dois viraram a cabeça naquela direção. Desaad estava na bifurcação. - Vejo que consegui alcançá-los.
- Oh, céus. - Disse Sophie com as mãos na boca, e Dalan se adiantou.
- O que fez com eles? - Perguntou o rapaz, e o outro sorriu.
- Não se preocupe, estão vivos. Só que eu cansei de bancar o bonzinho. - Ele puxou o capuz, deixando os cabelos loiros à chuva. - Da próxima vez que você recusar minha proposta, um de seus amigos irá morrer. E adivinhe quem será? - Ele virou o rosto para Sophie, estreitando os olhos. - O que me diz agora?
O rapaz também se virou para a companheira, que encarava o adversário com os olhos arregalados. Não tinha escolha. Respirou fundo e endureceu o queixo. - Desaad, eu... - Começou a andar pra frente, mas foi impedido. Sophie estendeu o braço sadio, bloqueando sua passagem. Ela tremia, mas mantinha o queixo erguido. Dalan tentou afastá-la. - Sophie, eu preciso ir. - Ela balançou negativamente a cabeça, nervosa demais para falar. O companheiro sentiu o desespero tomar conta de seu corpo. - Ele vai te matar! - Berrou, mas mesmo assim ela não se moveu. Se virou para ele, os grandes olhos verdes sérios como nunca tinha visto antes.
- Dalan, eu... - Começou, o lábio ligeiramente trêmulo. - Por minha vida inteira, eu deixei que os outros me protegessem. Ninguém... tinha confiança em mim. Até você chegar. - Ela abaixou minimamente o braço, se virando para frente. - Não posso deixar você se render assim. Hoje sou eu quem vai te proteger.
- Sophie... - Tentava dizer o rapaz, mas infelizmente não estavam sozinhos.
- Que assim seja. - Avisou o líder do Culto Púrpura, disparando para frente. Sophie empurrou Dalan para o lado, mas ele não era o alvo. Desaad agarrou seu pescoço e a levou para o outro lado do beco. Levantou-a, tirando seus pés do chão.
- SOPHIE! - Gritou Dalan, se levantando e correndo para frente. O adversário atirou a capa para o alto, revelando o traje branco que usava por baixo. O manto se agitou e voou para o garoto, enrolando em suas pernas e o derrubando. Seu rosto bateu em uma poça, espirrando água para os lados. - SOLTA ELA! - Gritou, levantando a cabeça.
Desaad não pareceu escutá-lo, jogando o corpo da garota com força no chão. Mesmo longe, Dalan conseguiu ver o sangue espirrando contra a chuva. - SOPHIE! - Tentou congelar o manto que o prendia, mas não conseguia. Desesperado, olhou para os lados em busca de alguma coisa, qualquer coisa. Enquanto isso, o homem pisava no peito de Sophie, e o barulho das costelas partidas rompeu o ar. - PARA COM ISSO! EU ME RENDO, FAÇO O QUE VOCÊ QUISER, MAS PARA COM ISSO! - Percebeu que chorava, as lágrimas se misturando às gotas de chuva. Desaad o encarou, e ele pode ver seus olhos. Estavam tomados pela loucura mais uma vez, e seu coração pareceu parar.
- Já te dei chances demais, moleque. - Levantou novamente a membro da Aurora, desta vez inerte e ensanguentada. - Acho que um pouco de coerção vai te ajudar. - Fechou a mão em palma, e moveu-a na direção do coração da garota. Dalan gritou, e de repente o mundo pareceu explodir.
Pois uma parede de energia verde acertava Desaad com força, fazendo-o largar sua presa e ser atirado para longe.
- DESAAD! - Gritava uma voz nova, vinda do alto. O garoto levantou a cabeça e viu uma elfa curvilínea descer do segundo andar de um prédio próximo. Ela vestia o manto roxo e prata do Culto Púrpura, e parou à sua frente. O garoto tremeu um pouco, sem saber o que fazer. A mulher parou ao seu lado, e conjurou um feixe verde. Fechou os olhos, temendo um ataque, mas ela passou por ele e seguiu adiante na rua. - VOCÊ ME USOU! - Gritava a cada passo. Dalan se virou para vê-la sair, ainda sem entender nada.
- Dalan, aqui! - Essa era uma voz conhecida. Amanda estava do outro lado do beco, ajoelhada ao lado de Sophie. - Preciso de ajuda! - Pediu, e ele correu em sua direção. O rapaz olhou para suas pernas, e percebeu que o manto havia sumido.
Correu até as companheiras. - Ela está...? - Sophie estava com o rosto coberto de sangue, e a visão fez o ar sair de seu corpo.
- Ela está viva. - Tranquilizou a outra garota, sentada de uma forma estranha no chão molhado. Sua perna direita estava estranhamente dobrada na altura do joelho, mas pareceu ignorar. - Só que temos de tirá-la daqui. Agora.
- O que está aconte... - Naquele momento um estouro surgiu da rua atrás deles. Se viraram, vendo que Desaad havia sido derrubado por Alana.
- VOCÊ NÃO VAI ME DIZER NADA? - Gritava a elfa, lançando mais um golpe de energia no ex-líder. - ME RESPONDA! VOCÊ REALMENTE ME USOU POR TODOS ESSE ANOS? DESAAD!
- Chega. - Disse o homem. Fez um gesto com a mão, e seu manto surgiu da esquina, se enrolando ao redor do corpo da mulher. O próprio manto dela também se agitou, mantendo-a imóvel.
- Alana! - Amanda já estava se levantando, mas Desaad se virou para os membros da Aurora. Seu olho brilhou em amarelo, e os dois ficaram no chão, paralisados por um medo colossal. O temor não os deixava pensar, apenas observar a cena à frente.
Um brilho verde surgiu do corpo da elfa, e ela rasgou os mantos com uma explosão de energia, deixando apenas seu vestido preto à mercê da chuva. Se virou para seu adversário, o olhar repleto de fúria. Esticou a mão, mas ele se aproximou com tanta velocidade que estava à sua frente em um piscar de olhos. - Você ousa me trair. - Agarrou seu braço, dobrando-o para baixo. Em um instante o osso do antebraço se partiu em dois, surgindo em uma cascata de sangue. Alana gritou, e embora Dalan e Amanda quisessem muito desviar o olhar, não conseguiam. Apenas observavam.
A elfa caiu de joelhos, e Desaad a chutou no peito com tanta força que ela cuspiu sangue quando acertou a parede, formando uma pequena cratera. - Vou lhe mostrar o que acontece com quem tem a audácia me trair. - Ele parecia mais ameaçador do que nunca, a fúria fria o controlando por inteiro. Alana tentou levantar o outro braço para atacar, mas o homem pisou em seu membro. Era difícil enxergar o que acontecera pelo ponto de vista dos membros da Aurora, mas ouviram alguma coisa cair na água, além do novo jorro de sangue. Alana gritou mais alto.
- Quer saber o que eu fiz com você? - Perguntou ele, dando-lhe um soco no estômago. - Pois bem, vamos começar. Fui eu quem matou sua família. - Uma joelhada no rosto, e dois dentes voaram. -Seus pais haviam descoberto que eu trabalhava com Zaulin, e eu fui à sua casa naquela noite para matar todos vocês. - O nariz se quebrou com uma cotovelada. - Só que eles me contaram sobre você. Sobre seus poderes. PEDIRAM PARA QUE EU TE LEVASSE AO INVÉS DE MATÁ-LOS! - Dalan e Amanda tentaram ao máximo fazer alguma coisa, qualquer coisa, nem que fosse desviar o olhar daquele espancamento brutal. Em vão. - Só que eu decidi que não. Poderia usá-la como um plano reserva. - Ele a agarrou pelo pescoço, jogando-a contra a parede. Alana cuspiu, muito mais sangue que saliva. Havia um corte em sua testa, e o rosto estava empapado do líquido vermelho.
O homem segurou seu rosto, olhando bem fundo em seus olhos. Havia um verde opaco ao redor das órbitas, e ele franziu o cenho. - E você acabou usando o Indramara hoje, não? Tanto esforço para nada. Nem sequer derrotou sua oponente. Bem... - Ele se aproximou, tão perto que manchou seu rosto com o sangue. - Sorte que ninguém consegue ativar isso duas vezes ao dia, não?
- Seu... - Alana chorava de raiva, e chutou o adversário, sem efeito. Ele fechou as mãos em palma, sorrindo uma última vez.
- Sabe o melhor de tudo? - Perguntou, sem esperar resposta. - O golpe que eu te ensinei? Foi o mesmo que usei para matar seus pais. - Houve apenas tempo da elfa arregalar os olhos antes dos dedos de Desaad eviscerarem seu peito, O coração foi partido em dois, o golpe tão forte que atravessou a coluna. Ela nem mesmo mudou a expressão, e o brilho da vida se esvaiu de seus olhos. O líder do Culto Púrpura a deixou cair, seu corpo se esparramando no chão. Ele se virou de volta para os membros da Aurora, o sangue nas vestes brancas sendo lavado pela chuva. - Agora, vocês.
Amanda foi a primeira a se recuperar do feitiço. Ela imediatamente conjurou seus poderes, jogando água nos olhos do adversário. Ele parou para se limpar, gerando míseros segundos que teriam de servir. - Anda! - Gritou por entre os dentes para Dalan, agarrando seu colarinho. Ele também pareceu acordar, virando o corpo para trás. Agarrou a desacordada Sophie e disparou pelo beco, os braços de Amanda ao redor de seu corpo. Ela mancava pela perna quebrada, mas procurava acompanhar o companheiro.
Ouviram passos na poça atrás deles. A garota olhou para frente, vendo a extensa rua adiante. Puxou o rapaz pelo pescoço e se jogaram através de uma porta adjacente, entrando em um apertado cômodo escuro. - Anda, anda. - Pediu desesperada, e os dois correram para dentro do edifício. Assim que saíram daquele aposento, ouviram uma porta se abrir com violência.
Decidiram entrar em um aposento à direita, procurando voltar para a rua. Assim que fecharam a porta, no entanto, perceberam o beco sem saída. Não havia janelas.
- Ah, não... - Disse baixinho enquanto que Dalan depositava Sophie em uma cama. Ele ficou de costas para ela, os punhos cerrados enquanto que a outra tentava pensar em alguma saída. Já era tarde demais para darem a volta, e tudo que lhes restava era a esperança de que Desaad não os encontrasse. Não parecia provável.
Pense Amanda, pense, urgiu para si mesma. Era apenas ela e Dalan, sozinhos contra um monstro que parecia imbatível. Não podiam esperar por nenhum apoio. O único que tinham era Alana, e ela fora destroçada. Oh, céus, Alana. O choque de sua morte finalmente a atingiu, e ela quase vomitou. Lágrimas caíram de seu rosto enquanto se recuperava com a mão na boca. Se ao menos ela tivesse conseguido alcançar o Indramara novamente, talvez...
Espera... é isso. A garota abriu os olhos, a mente em polvorosa. A única forma de lutar contra Desaad era atingir o Indramara. Mas como? Precisariam de um choque emocional bastante forte e temperado com uma extrema vontade de lutar para isso, e ela não parecia a melhor candidata para tal. Não era assim que as coisas a atingiam. Sophie ainda estava desmaiada, o que a deixava apenas com uma opção. Dalan.
Ela se aproximou, mancando, pensando em todos os momentos que havia passado com o garoto. Em algum lugar ali, deveria haver alguma coisa que pudesse trabalhar. - Dalan... - Sibilou, as duas mãos em punho apoiadas nos ombros do companheiro.
- Amanda? - Perguntou ele, mas foi ignorado.
- Eu sei que... - Ela engoliu em seco antes de continuar. - Desde que você saiu de Gamora, as coisas ficaram meio difíceis. Aquele lance de não saber como se portar com as outras pessoas, a pressão de ter que salvar sua ilha sozinho... eu sei. Sei de tudo. - Apoiou a testa no peito do outro. - Toda essa frustração deve ser horrível. Eu tentei te ajudar do meu jeito, mas... - Sorriu. - Mas hoje tenho um conselho diferente.
- O quê? - Perguntou o rapaz, e a garota levantou a cabeça para olhá-lo nos olhos.
- Solte tudo que está dentro de você, Dalan. Tudo que tem guardado desde que Gamora sumiu até hoje. - Não chegou a piscar, o castanho se encontrando com o negro. - Alana me contou do plano de Desaad. Sei que deve ser... terrível para você, mas não tente mais guardar nada. Por favor. Não hoje.
- Amanda, eu... não estou entendendo. - Ah, é claro que ele não entendia. Típico de Dalan. Ela voltou a encostar sua testa na roupa cinza dele, pensando. Só lhe restava uma opção, concluiu enquanto encarava o chão com os olhos arregalados de tanto pensar.
- Me desculpa, Dalan. - Soltou, antes de se apoiar na ponta do pé sadio e beijá-lo com toda a sua força. Suas mãos agarravam sua camisa, puxando-a para si. Beijou-o de forma demorada, intensa, depositando toda a sua esperança nele. Esperou ser retribuída.
Ouviu a porta atrás de si se abrindo, e abaixou a cabeça. - Dalan, eu... - Naquele momento algo passou pela suas costas, soltando um som asqueroso. Sentiu o sangue quente na garganta, as mãos perderem a força e largarem a camisa do outro. Olhou para baixo, trêmula. Havia uma mão a atravessando, um pouco ao lado do umbigo, completamente ensanguentada. Conseguiu soltar um som abafado antes dela sair de seu corpo, tirando-lhe o apoio que descobriu que necessitava. Caiu nos braços do companheiro, sem conseguir se levantar.
Dalan enquanto isso estava apenas com os olhos arregalados, a mente em choque. Ele olhou para a garota que segurava inconscientemente, o sangue pingando no chão mais abaixo. Sua cabeça estava em branco, mas havia um pequeno pensamento, bem no fundo, que conseguia ser ouvido.
Amanda?
- Essa é a primeira. - Disse Desaad, limpando a mão. - Se não quiser que isso continue, peça para seus amigos se renderem. Ouviu? - Só que Dalan não estava escutando. Amanda perdeu as forças nas pernas, e caiu em cima dele. O rapaz se ajoelhou, sem conseguir acreditar no que estava acontecendo. A cabeça dela estava em seu ombro, e ele passou a mão por seus cabelos. Sentiu as lágrimas caírem, e virou o rosto dela para olhar em seus olhos. Não conseguia ver um brilho.
A-Amanda?
- O que me diz, garoto? - O líder do Culto Púrpura, segurou seu queixo, tentando forçá-lo para cima. - Quer continuar matando seus amigos? Ou se render de uma vez?
Dalan começou a tremer violentamente, levantando a cabeça de forma lenta. Ele encarou Desaad com um olhar completamente preenchido de ódio, tão forte que poderia abrir um rombo no ar.
E de repente, um minúsculo relâmpago azul faiscou neles.
Desaad foi catapultado para fora do edifício, atravessando duas paredes e caindo no centro de uma praça. Ele limpou o sangue da boca, assustado, e percebeu algo estranho em seu braço. Era gelo. Olhou para o buraco de onde tinha saído, onde seu adversário estava prostrado.
Ele estava segurando Amanda nos braços, a chuva fina os envolvendo. Seus olhos estavam cobertos por um azul-claro, e pequenos raios saiam deles de vez ocasionalmente. O líder do Culto Púrpura sentiu algo estranho passar pelo estômago. Era medo.
Pois Dalan havia alcançado o Indramara.
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