sábado, 20 de dezembro de 2014

Aurora: Capítulo 45: O Lema


AURORA
CAPÍTULO 45: O LEMA

 Sasha caminhava com os passos firmes, secando discretamente a região ao redor dos olhos. Com o coração apertado, se lembrou de Marcus e olhou ao redor, como se pudesse enxergar onde o companheiro estava. Não fazia muito tempo desde que saíram juntos da torre, pensou. Talvez se corresse, poderia alcançá-lo e... não... 

 Contorceu o rosto e virou a cabeça para o lado, como se pudesse se afastar fisicamente da ideia. Tinha um adversário a enfrentar. Teria que confiar em Marcus para tomar conta do seu. E, além do mais, se ela corresse com sua luta, poderia depois ir ajudá-lo. O pensamento a animou, fazendo-a pisar com mais força no chão, as maria-chiquinhas azuis balançando por cima das roupas cinzas. Tinha que agir como uma líder. Especialmente agora. Fazer o seu trabalho e garantir que todos voltassem vivos para a Aurora.

 Caminhou por alguns minutos, até que se viu em uma praça redonda, cercada pelos casebres negros. Não havia nenhum monumento ou qualquer tipo de construção para decorar o local, mas havia alguém a esperando. Ele vestia um manto roxo com detalhes em prateado, cobrindo-o de tal maneira que parecia muito maior do que o necessário. O capuz cobria seu rosto magro, deixando apenas a parte inferior à mostra. Havia um nariz adunco e um traço no lugar da boca, cobertos por uma barba ralada e branca. Parecia pouco para identificá-lo, mas a membro da Aurora tinha certeza. Era James Jones, líder dos Libertadores e atual componente do Culto Púrpura.

 - Jones. - Disse ela sem emoção. Aja como uma líder, pediu para si mesma ao mesmo tempo em que se irritava por ter de ser lembrada daquilo. Foco, exigiu de si mesma. - Renda-se agora para acabarmos logo com isso. - Cerrou o punho para extravasar a raiva emergente. Ainda se lembrava da humilhação que sofrera em Wildest. Caminhou até o meio da praça, onde viu que o adversário estava sorrindo. Parou, desconfiada. - O que é tão engraçado?

 - Ah, nada... - Começou o velho, abrindo o sorriso. - Só não imaginava que... você fosse apenas uma garota com saudades do pai. - Ele levantou a cabeça, mostrando os olhos injetados e bem abertos. Sasha estreitou as sobrancelhas. Não gostava nem um pouco daquilo. 

 - O que quer dizer com isso? - Perguntou. Jones abriu os braços, deixando a capa esvoaçar.

 - Achei seu sonho muito bonito! - Disse ele, maleficamente animado. - Sobre ter seus amiguinhos todos reunidos, aplaudindo você! Seu pai estava lá, não? O querido Adam Alba? - Ele empinou o queixo. 

 - Do que você está falando? - De algum modo, ela já sabia a resposta. Segundo Koga, haviam acabado de ter sido presos em uma ilusão que refletia os sonhos mais profundos. Duvidava que Jones não tivesse algo a ver com aquilo.

 O outro estalou a língua, parecendo muito contente consigo mesmo. - Sabe... você conhece um demônio chamado Kruegiller? - Ele não esperou resposta, apenas riu de desprezo. - É claro que não. Kruegiller é um ser cujos poderes são de retirar algo do sonho das pessoas e manifestá-los no mundo físico. Claro que há limites, mas os resultados são bem satisfatórios. Por isso pedi a Desaad esse poder. - Ele estendeu a mão para frente de forma pomposa, como se ela fosse de ouro. - Agora... passado isso... você reconhece esse poder?

 As unhas de suas mãos instantaneamente cresceram, formando garras longas. Sasha soltou a respiração, o coração batendo mais forte. Conhecia aquelas garras e, do jeito que Jones falava, a semelhança não era uma mera coincidência. Eram iguais às do seu pai.

 - O quê... é isso? - Perguntou através do esforço de controlar seu ódio, tão forte que tremia. Ver a marca registrada de seu falecido pai nas mãos de um ser imundo como Jones era ultrajante, para dizer o mínimo. 

 - Então você reconhece? - Riu o velho. A garota contorcia o rosto pela ira, sentindo o estômago borbulhar como um caldeirão incandescente. Havia sido atacada em um navio, iludida com seus próprios sonhos, seus amigos estavam lutando batalhas mortais, Marcus parecia confortável com sua própria morte, tinha que enfrentar um dos homens mais odiosos que havia encontrado e agora isso. Tudo que queria era disparar e enfiar o rosto do outro com tanta força no chão que ele nunca mais sorriria. Especialmente daquele jeito.

 - Você está preso. - Conseguiu dizer por entre os dentes. - É o chefe de uma milícia criminosa, fugiu da prisão e está mancomunado com uma organização terrorista. Vou pedir apenas mais uma vez. - Ela respirou fundo, procurando se controlar. - Renda-se agora.

 - Render? Só que eu acabei de começar a minha vingança! - Ele por um momento pareceu animado, mas imediatamente adotou uma postura séria e fria. - Vocês, vermezinhos, invadiram a minha casa e me humilharam. Quase destruíram a organização que fundei há cinquenta anos e me jogaram em uma cela suja. Se não fosse Desaad e minha promessa de que usaria o restante dos Libertadores para ajudá-lo a capturar vocês para seu plano, ainda estaria apodrecendo atrás das barras. Portanto, se acha que eu vou desistir antes de ver o desespero nos seus olhos, pode desistir. - Deu um passo à frente, e um raio cortou os céus. - Você, aquela putinha de cabelos castanhos e o imbecil que roubaram meus Recons. Farei com que vocês e seus amigos, assim como aquele inferior e a criatura escamosa que acabaram de contratar, observem o que ajudaram a criar. Então os torturarei, e um dia talvez morram. - Abaixou o capuz, revelando seu cabelo curto e grisalho. - Disso eu tenho certeza.

 - Então você não me deixa escolha. - Ela girou um pouco para o lado, estendendo as mãos à frente do peito. Analisou brevemente a situação e correu o mais rápido que podia, prendendo seu braço no pescoço do adversário e jogando-o contra a parede mais atrás. - Renda-se! - Cuspiu com raiva. O outro estreitou os olhos, ainda com o sorriso.

 - Vá à merda. - Ele esticou o braço para atacar, mas a garota percebeu aquilo bem a tempo. Saltou para trás, e no espaço entre os dois um punhado de fios azuis se agitou no ar. Sasha levou a mão à testa, onde puxou uma mecha de cabelo cortado. Felizmente, não haviam ferimentos.

 - Que seja. - Grunhiu. Abaixou a cabeça e voltou a atacar. Jones tentou a acertar com um golpe de baixo para cima, mas ela usou de sua supervelocidade para saltar para a direita e fincar o pé no chão, juntando impulso para girar o corpo e desferir um soco no rosto do velho, tão forte que sentiu os dentes trincarem. Isso é pela minha humilhação em Wildest, pensou. Antes que ele caísse, ela se adiantou e pôs a mão em seu rosto, jogando-o contra a parede e arremessando-o para a praça na volta. A maior ameaça eram as garras, pensou. Tinha que mantê-lo afastado e bater forte quando pudesse, para que terminassem rápido aquela luta. Esperou o outro levantar e disparou mais uma vez, sempre de olhos em suas mãos.

  O membro do Culto Púrpura girou o braço direito para tentar acertá-la, mas a garota deslizou de joelhos para evitar ser acertada. Viu a mão esquerda de Jones bem próxima do seu rosto e jogou a cabeça para trás em resposta. A garra passou tão perto de seu nariz que podia sentir seu cheiro, mas no momento seguinte já estavam afastados. Ela rolou para o lado e cessou a escorregada, mantendo o velho em seu campo de visão. Ele estava com o corpo virado para o outro lado, mas sua face a encarava com raiva. Correu para atacá-la, mas Sasha já tinha se afastado para o centro da praça.

 - Você vai voltar para a prisão, Jones. - Alertou, deixando que o adversário viesse ao seu encontro mais uma vez. - E dessa vez não haverá Desaad para te libertar! - As garras miravam seu pescoço, mas ela se abaixou e rapidamente deu um chute no outro. O homem ofegou e ela lhe deu um encontrão, arrastando-o até o outro lado. Acertaram a parede e sentiu o sangue dele pingar em seu nariz. Estava quase no fim, concluiu.

 Ele tentou acertá-la mais uma vez, mas a garota deu um passo para trás. - Desista logo! - Ordenou, vendo o estado deplorável do velho. Sua boca estava sangrando e o corpo encurvado pela dor, ofegante. Estava na cara que o homem nunca fora um lutador, apenas conseguira os poderes vendendo o que necessitasse por aquele manto roxo, pensou Sasha. Os poderes de seu pai. Obtidos apenas para tentar desestabilizá-la. Franziu o cenho e se preparou para atacar mais uma vez, até que uma sensação a parou.

 Era como se algo frio e pegajoso estivesse cobrindo seu corpo, vindo do norte. Olhou naquela direção, sabendo o que era aquilo. Energia negra, concluiu. Fizera muitas missões com Marcus para identificar aquela sensação. Só que estavam longe um do outro. Se conseguia captar aquilo à distância, teria ele retirado o tapa-olho? Se fosse isso... não... Um peso gélido desceu pelo seu estômago. Marcus.

 - Ei! - Ela olhou para o lado e viu Jones a atacando. Oh, não, pensou, se livrando do estupor e colocando instintivamente as mãos à frente. Viu o sorriso do outro com seus olhos arregalados, e logo percebeu que havia se condenado. Três dedos do adversário transpassaram sua palma direita, jogando-a na parede. Sasha arfou e conseguiu agarrar o pulso livre do homem, mas estava presa. Seu sangue pingava, o buraco na mão ardendo e agonizando a cada movimento do outro.

 - Eu acho que senti aquilo também. - Começou ele. - É um de seus amigos? - Não houve resposta no rosto contorcido de Sasha, e o velho perfurou seu dedo médio com uma das garras livres, rompendo o osso. Ela gritou, quase largando o pulso do outro. - Vou assumir que sim. - Jones riu, encarando a garota que tremia e mal se apoiava em pé. - Sabe que isso me lembra do seu sonho? Todo mundo reunido e alegre? - Enfiou a última garra no dedão dela, quase arrancando-o fora. A membro da Aurora fechou os olhos, trincando os dentes para não gritar novamente. - Bem, isso não vai acontecer. - Se aproximou dela, sibilando em seu ouvido. - Ao final do dia, todos estarão mortos. E farei questão que se lembre que isso aconteceu por terem se metido em meu caminho.

 Sasha abriu um dos olhos, tomada mais uma vez pela ira. Em algum lugar Marcus estava em perigo, e ela ali, presa por um velho. - Eu vou salvá-los. Todos eles. - Aproveitou a aproximação e cabeceou seu rosto, jogando-o para trás. As garras se largaram de sua mão, deixando espaço para um frio cortante nos ferimentos. A garota apertou a extremidade contra a camisa cinza, tentando estancar o ferimento. À sua frente, o velho se levantava mais uma vez, mas ela juntou todas as suas forças e o chutou no queixo, disparando para as ruas em seguida. Uma parte dela tentou puxá-la para trás, se lembrando de seu dever com sua missão de derrotar Jones, mas não tinha como continuar ali. Precisava encontrar Marcus, pensou. Era o mais urgente.

 Um barulho de destruição e aspiração encheu os ares, quase explodindo seu tímpanos e fazendo seu coração parar por alguns instantes. Não, não, não. Apressou o passo, correndo como nunca havia corrido. Estava difícil até mesmo fazer as curvas, mas não se importava. Eu tenho que chegar até ele, pensou com a camisa enrolada na mão dilacerada. Eu tenho de salvá-lo. Tenho. E então, virou uma esquina e viu seu companheiro.

 E o enorme buraco negro que o rapaz se aproximava.

 Era como se o mundo tivesse se desacelerado. Conseguia ver os destroços e a poeira sendo sugados na direção da esfera, dançando entre as paredes destroçadas. Zaulin estava de costas, sendo sugado. E Marcus estava de frente, empurrando o demônio e correndo na direção da morte. Ele não parecia capaz de enxergar a companheira, mas ela sim. Uma miríade de coisas passou por sua cabeça, mais rápidas que qualquer músculo em seu corpo. E, de alguma forma, não conseguia entender nenhuma delas. O choque a impedia, os olhos incapazes de acreditar no que estava acontecendo e no que iria acontecer.

 Conseguiu, minimamente, se livrar do transe. Deu um passo para a frente, usando toda sua velocidade. O corpo estava se inclinando para frente, os braços se posicionando para a corrida. Eu vou resgatá-lo, conseguiu pensar. Não iria deixar mais ninguém da Aurora partir. Iria arrancar Marcus dali, espancar Zaulin e dar um socos no garoto também. Lágrimas já caíam de seus olhos, a boca aberta para formar um grito de alerta. Seus cabelos, presos em longas maria-chiquinhas, ondulavam na direção da esfera negra.

 E, no instante seguinte, ela sumiu. Engolfou Zaulin e Marcus e desapareceu, como se nunca tivesse existido. Aspirada para seu próprio interior. A inércia tratou de derrubar os destroços ainda flutuantes, e Sasha caiu de joelhos. Não, dizia sua mente inerte. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO

 A garota colocou as mãos no chão, sequer se importando com a dor da direita. Seu sangue se misturou à poeira negra, onde a cascata de lágrimas caía. - Não... - Conseguiu dizer, rouca, em agonia interna. Era como se um pedaço de si mesma tivesse sido arrancado. Colocou a mão no peito, tentando abrir um caminho com as unhas entre os seios, como se quisesse retirar aquilo que tanto doía. O coração deu uma pontada violenta, e ela arfou com a dor. Não podia acreditar. Marcus... não poderia ter ido. Ela tinha confiado nele. Podia jurar que sairia vitorioso de sua luta. Afinal, a Aurora iria se manter unida, não? Todos vivos e salvos. Era o que tinha prometido a si mesma. Era... era... céus... não...

 Estava encurvada no chão, chorando copiosamente, até que alguma coisa agarrou suas maria-chiquinhas e puxou sua cabeça para trás. Ela berrou brevemente, e uma mão cheia de garras parou ao lado de seu rosto. Por um instante delirante, poderia jurar que pertenciam ao seu pai, cobrando a guilda que havia confiado à filha. Mais lágrimas se derramaram, e Jones parecia deliciado com aquilo. - Ora, ora, ora... - Começou o homem, pingando de satisfação. - Alguém morreu?

 A voz dele ligou alguma chave na cabeça da garota, e ela só conseguiu enxergar em vermelho. Começou a se virar para a esquerda, lívida como nunca antes. - Seu.... ugh. - Ela parou, o sangue espirrando de sua boca. Olhou para baixo, trêmula, e viu as pontas de cinco garras saírem do espaço um pouco abaixo de seu ombro direito, explodindo em uma cascata rubra.

 Sasha tombou para frente, só sendo impedida de cair pela mão em seus cabelos. Jones tirou as garras de seu corpo, e uma dor gélida preencheu as feridas. - Você não tinha dito alguma coisa sobre salvá-los? Sobre protegê-los? - Tinha, pensou a garota, contorcendo o rosto. Tinha feito uma promessa para protegê-los. O rosto de seu pai se manifestou em sua escuridão, tal qual a última vez em que se viram. Ele colocou a mão em sua cabeça, esfregando seu cabelo. Cuide da Aurora até eu voltar, tinha dito ele. Foram suas últimas palavras para a filha. Se lembrou que tinha concordado energeticamente, feliz com a responsabilidade aparente. E, dois anos depois, estava ali.

 Me desculpa, pensou arrasada. Não tinha conseguido cuidar da Aurora. Não conseguira evitar a saída de quase todos os membros da guilda. Não conseguira dar suporte à sua mãe. Não conseguira fazer a Aurora crescer, nem inspirar os membros remanescentes. Tentara fazer acordos com criminosos, pusera as missões acima das vidas dos amigos, deixara que fossem ameaçados por terroristas. E agora estavam em uma fortaleza no meio do mar, separados uns dos outros e sem nenhuma ideia do que tinha acontecido. E agora Marcus havia morrido, e talvez outros tivessem o mesmo fim. Tudo sob sua responsabilidade. Me desculpa, pai, disse às lágrimas. Me desculpa. Cuide da Aurora, ficavam repetindo as palavras em sua mente. Cuide da Aurora.

 Cuide da Aurora. Eram as palavras que formavam seu cerne. A frase que havia guiado todas as suas ações, cada batida do coração, cada respiração, desde que tinha dezessete anos. Cuide da Aurora. Ela ficou ressoando em sua cabeça, ganhando cada vez mais força e brilho. Cuide da Aurora. Era como uma prece. Era como uma ordem. Um pedido, um dever. Cuide da Aurora. Percebeu que não pareciam mais com as palavras de seu pai. Eram suas. Era seu mantra.

 Cuide da Aurora.

 - Pra quê usar isso? - Perguntou Jones. Ele estava ajoelhado ao lado da garota, segurando as maria-chiquinhas em sua mão esquerda, puxando a cabeça da outra. - Nunca te disseram que usar o cabelo assim é pedir para ser agarrada no combate? - O velho a provocava, contente em humilhá-la. Esperou tanto tempo por isso que queria aproveitar cada segundo. Estava tão entretido nisso que nem viu a mão da garota se esticar para o lado, agarrando um pedaço de vidro cortante.

 - Meu pai sempre me disse que gostava. - Disse ela, os lábios ainda manchados de sangue. - Só que você tem razão. - Se moveu como um raio, e o velho se jogou para trás, assustado. No entanto, o golpe não o tinha como alvo. Um maço de cabelo azul caiu no chão empoeirado, a mão esquerda de Sasha ainda ao lado do lugar onde eles haviam ficado por tanto tempo.

 A garota se levantou, a vontade exalando de seus poros como uma aura. Jones se afastou inconsciente, ainda caído no chão. A membro da Aurora estava de costas para ele, o rosto virado para a direita. Puxou a maria-chiquinha remanescente com a mão ensanguentada, e com a outra a cortou com um movimento forte. Deixou o caco de vidro se quebrar no piso.

 - Somos o brilho mais forte da noite mais escura. Quando as trevas estiverem em seu ápice, a Aurora não tardará, e iluminará todos que olharem para cima. - Recitou Sasha, virando o rosto para seu adversário. - Meu pai disse isso no dia em que fundou a Aurora. Por um tempo eu achei que entendia o significado, mas foi apenas hoje que decifrei o verdadeiro significado dessas palavras. - Se virou, o rosto pálido pela perda de sangue, porém obstinado. - Minha guilda é um símbolo. Somos a esperança na noite sombria, seja para os outros e para nós mesmos. Faremos o certo, não importa o custo. E enquanto mantermos isso... - Ela levantou o queixo. - Não conseguirão nos derrubar.

 - I-isso não importa. - Grasnou Jones enquanto se levantava, tentando manter a compostura. - Você falhou, não foi? Deixou alguém morrer!

 - Marcus derrubou o mais forte de vocês antes de morrer. - Disse ela, as lágrimas voltando a correr pelo seu rosto. Ainda era difícil, mas tinha que confiar no motivo pelo qual Marcus morreu. Cuide da Aurora. - Só que você tem razão. Ele se foi. - Cerrou o punho com força. - E eu adoraria descontar tudo que estou sentindo em alguém.

 O homem só teve tempo de arregalar os olhos antes de tomar um soco no rosto, caindo para trás. Uma sequência de golpes veio em seguida, sem chances para revidar. De vez em quando a garota berrava enquanto golpeava, mas os sons não eram discernidos pelo membro do Culto Púrpura. Conseguiu levantar o braço esquerdo e atacar uma vez, sentindo as garras rasgarem pele e músculo, mas rapidamente sua mão foi quebrada. Não havia espaço para gritar, apenas a onda de socos que varreram seu rosto. Perdeu a consciência, mas eles continuavam vindo.

 Sasha acertou propositalmente um soco no chão para parar, procurando retomar o controle. A outra mão estava ao seu lado, sangrando por Jones e por si própria. Respirou para recuperar o fôlego, as dores e os sentimentos voltando a acordar. Se levantou, deixando o ensanguentado adversário no chão. Aquilo deveria bastar.

 Andou até onde o pequeno buraco negro havia estado antes. O último lugar que vira Marcus. Parou ao lado, encarando o chão como se esperasse algo sair das rochas. Sentiu mais uma vez vontade de chorar, mas dessa vez controlou. Teria tempo para isso quando saíssem dali, tentou se dizer. Ficava mais fácil depois de ter descarregado toda aquela frustração. No entanto, ainda tinha algumas coisas para tirar do peito.

 - Quando você disse que poderia... - Começou em voz baixa, engolindo em seco. - Eu não entendi como você estava tão tranquilo. Fiquei com raiva... muito por... achar que tudo que passamos juntos não era importante para você. - Engoliu em seco mais uma vez. - Só que você na verdade você entendia melhor o conceito de guilda do que eu. Estamos todos arriscando nossas vidas por alguma coisa. E isso é o mais importante para nós. - Um nó na garganta a impediu de falar. Se lembrou das conversas com Marcus, das ajudas que se deram. Seu confidente. Seu maior amigo. - Eu...

 Me desculpe, dizia uma voz em sua cabeça. Olhou para o lado, como se conseguisse enxergar de onde ela vinha. Parecia muito com a voz de Marcus. Parou por um instantes, tentando entender o que estava acontecendo, até que viu os pilares curvados à distância, figuras gigantes ultrapassando os tetos dos casebres. Aquela visão a fez endurecer o queixo, a testa se franzindo. Limpou as lágrimas e o sangue do rosto. Ainda estavam sobre ameaça. O Culto Púrpura havia os trazido ali para um motivo, e seja qual for precisava acabar com isso e salvar seus companheiros. E teria de fazer isso agora.

 Olhou para trás, vendo o espaço onde Marcus havia sumido. Queria muito ficar ali, dizer alguma coisa para tirar o peso em seu coração. Só que tinha uma responsabilidade com o restante da guilda. E especialmente agora, não antes, era a hora de agir como líder deles. Por seu pai, pelo que ele acreditava, e por Marcus. Se lembrou do pedido de desculpas em sua cabeça, e sorriu triste.

 - Obrigada. - Disse baixinho, e se virou para correr.

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