quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Aurora: Capítulo 32 - O oficial e as notícias ruins


AURORA
CAPÍTULO 32:  O OFICIAL E AS NOTÍCIAS RUINS

 - Olha quem chegooou! - Cantarolou Amanda, com a cabeça e os longos cabelos castanhos para fora da porta entreaberta. Do outro lado do quarto, deitado em uma pequena cama e coberto por lençóis, Dalan a encarava desconcertado.

 - Achei que tivesse ido com os outros. - Comentou o rapaz, se ajeitando para apoiar as costas nos travesseiros. No último dia, a senhora Stella havia recebido uma carta a convocando para uma reunião em Helleon urgentemente. A líder da Aurora havia decidido então voltar para a cidade, levando consigo os membros que estivessem em condições de se transportar. Supostamente, apenas Dalan, Koga, Lyra, Sophie e o recém-contratado Sipho Kulela ficariam em Tinyanga. - Já estava até comemorando. 

 - Você realmente acha que eu te deixaria para trás? - Perguntou a garota sorridente, entrando no quarto. O aposento era bem apertado, com tábuas de madeira bem firmes cercando um pequeno retângulo abarrotado de móveis. Amanda se desviou da escrivaninha e da cadeira que se amontoavam perto da porta, ficando ao lado do companheiro. - Somos uma dupla, querido amigo Dalan! As coisas são mais engraçadas quando estamos juntos.

 - Fale por você. - Retrucou ele, embora tenha sorrido timidamente. Haviam passado por maus bocados nas última semana, o que o havia feito sentir uma pequena e bizarra saudade de suas leves aventuras com Amanda. Além disso, manter uma amizade era ao mesmo tempo inédito e reconfortante para ele. A garota fechou a cara e estendeu a língua em sua direção, se sentando em um banco próximo.

 - Ainda posso reconsiderar o que eu disse, sabia? Não vou ter pena de você só porque está cuidando de seus ferimentos. - Soltou ela, apoiando os pés na cama do companheiro. O rapaz retirou-os com a mão direita, encarando a amiga com curiosidade.

 - Sinceramente, achei que estivesse mais abalada. - Confessou, torcendo a boca e encolhendo um dos ombros. - Foi um perrengue e tanto que sofremos. Não vi ninguém realmente animado nos últimos dias.

 - Bem, eu sou uma figura inabalável. - Riu a garota, colocando a mão no peito. - É preciso mais do que isso para me deixar pra baixo. - Completou, apoiando novamente os pés na cama de Dalan. Ele fez um muxoxo e novamente os afastou, recuando um pouco pelo ferimento em seu abdômen. - Além do mais, estamos todos vivos e em recuperação. Não tem motivo para melancolia, não acha? - Perguntou enquanto sorria com o canto da boca.

 - Bem, eu não vou tentar entender o que se passa na sua cabeça. Não parece saudável. - Resmungou ele, procurando uma posição que aliviasse suas recém-renovadas dores. - Como os outros estão? - Perguntou no momento em que a porta do quarto se abria.

 - Melhor impossível. - Comentou distraído Sipho Kulela, entrando no aposento. Ele tinha uma prancheta em sua mão direita enquanto que carregava uma abarrotada bolsa de linho com a esquerda, aparentemente alheio ao que pareciam algas azuis caindo ao seu redor. - Digo, considerando a situação em que chegaram a este vilarejo. Poderiam estar tomando banhos de diamantes, ou algo parecido.

 - Seu rabo já passou. - Alertou Amanda, apontando para a porta enquanto se ajeitava no banco. O reptiliano resmungou e fechou-a com o pé, se aproximando de Dalan.

 - Tenho boas notícias para o senhor, jovenzinho. - Disse ele, parando ao seu lado enquanto voltava a ler a prancheta. - Os curandeiros daqui fizeram um bom trabalho com vocês enquanto não assumia o comando deste navio metafórico de cura, e meu tratamento especial deve acelerar seu tempo para sair dessa cama de sete para quatro dias. - O rapaz estremeceu ao pensar no suposto tratamento de Kulela. Haviam dias que parecia apenas pura tortura por parte do reptiliano.

 - E quanto aos outros? - Perguntou Amanda enquanto que o novo membro da Aurora colocava sua bolsa em cima de uma pia de pedra. 

 - O irritante garoto de tranças deveria receber alta amanhã, mas vou atrasar essa data de forma indefinida. Pelo menos posso confiná-lo em um quarto fechado desse jeito. Longe de mim. - Resmungou ele, abrindo a torneira. -Quanto ao resto, dou um prazo de uma semana. Lembrando que estamos tratando de uma pessoa envenenada por magia e uma humana comum com ferimentos extremos. É um tempo até bastante curto, penso eu. 

 - Sim, mas não tão curto quanto Sasha. - Soltou Dalan, confessando algo que estava em sua mente havia um tempo. - Ela teve passou por praticamente a mesma coisa do que eu e estava pronta para lutar de novo em o quê, quatro dias? - Perguntou para Amanda, que apenas encolheu os ombros. - Por quê ela se curou mais rápido do que eu?

 - Eu poderia te dar uma aula sobre a fisiologia dos yullianos e como ela altera a capacidade de recuperação deles, mas vou deixar em termos simples. - Disse Kulela, lavando as algas. - Ela se cura mais rápida porque é mais forte que você.

 - Pfffff. - Riu Amanda, colocando a palma da mão na boca enquanto que o companheiro ficava vermelho.

 - Não sei do que está rindo. Tenho certeza de que ela também é mais forte do que você. - Grasnou desconcertado o rapaz.

 - Pode até ser, mas eu não preciso disso. Não sei se reparou, mas me meti em duas brigas contra o tal Culto Púrpura, o recorde entre nós, e o máximo que tive foi um dedo quebrado. - Zombou ela, observando o reptiliano amarrar as algas molhadas em uma tira.

- Foi sorte. - Resmungou o garoto enquanto que Kulela puxava o cobertor, revelando uma gama de curativos e feridas diversas em seu corpo.

 - Prefiro chamar de inteligência. Ou habilidade superior mesmo. - Respondeu, cerrando os dentes em uma careta enquanto via a extensão dos ferimentos do garoto. Naquele momento o reptiliano pressionou a tira no grande corte no abdômen do garoto, fazendo-o ranger os dentes de dor. - Isso dói?

 - Não, imagina. Bobagem. - Conseguiu dizer em um tom sarcástico, cerrando as pálpebras enquanto que puxava os lençóis com os dedos. Amanda o observou por alguns segundos, fechando a boca em uma expressão de desconcertamento.

 - Bem, olhe pelo lado bom. Você não está na pele da senhora Stella. - Comentou, ajeitando o banco.

 - Não sabia que ela vai ser torturada. - Respondeu Dalan por entre os dentes.

 A garota se levantou, decidindo que era um excelente momento para sair dali e verificar a situação em que Lyra se encontrava. - Bem, é quase isso. Ela está indo ao encontro do tenente Wolff. - Disse enquanto atravessava o quarto. Se virou para trás quando estava perto da porta, observando o tal tratamento especial de Kulela. Por um momento, se perguntou se sua líder estaria realmente em uma posição pior do que o rapaz. Revirou as memórias para tentar se lembrar da última vez que vira o tenente. Se recordou de um rosto redondo e careca, com olhos castanhos e apertados, nariz inchado e bigode cheio, para em seguida voltar à realidade ligeiramente trêmula, segurando os braços. Definitivamente, Dalan estava melhor do que a senhora Stella. De longe.

 - MAS QUE MERDA, STELLA! - Gritou o tenente Wolff, batendo com as mãos da mesa da líder da Aurora. Os papéis voaram e um tinteiro foi derrubado com o impacto, espalhando seu conteúdo negro enquanto que o homem se afastava com violência. Estavam na sede da guilda, dois dias depois da conversa de Dalan com Amanda. 

 - Não sabia que tinha me chamado para reorganizar meu escritório, tenente. - Disse a mulher com a voz irritada, passando um pano onde a tinta havia sido derramada. Do outro lado, Wolff esmurrava a parede com o antebraço, se virando nervoso para Stella.

 - Não, eu convoquei você para me dar explicações! - Berrou, voltando a se aproximar dela. - Afinal, tudo o que vocês decidiram fazer no último mês foi me sacanear! - Ele apontou o dedo em sua direção, e o cuspe voou para atingir seu rosto.

 - Então que tal finalmente começarmos essa reunião? Apenas se sente, por favor. Ainda quero que minha sala esteja em pé depois de terminarmos. - Com relutância, o homem se sentou em uma das cadeiras na frente da mesa, puxando um charuto. Stella não gostava que fumassem em seu escritório, mas poderia trocar o cheio no carpete pela conservação do mesmo. Ela jogou o pano manchado no cesto de lixo, ajeitando a cadeira. - Agora, por onde começamos minha lista de esporros?

 O fato era que a líder da Aurora não gostava do homem à sua frente. Odiava que alguém tentasse lhe dizer o que fazer com a guilda, especialmente oficiais da Aliança que passaram a vida inteira na Fronteira. No entanto, sabia que as coisas tinham saído de controle. E admitir isso para Wolff era apenas mais uma pedra na estrutura de sua irritação. - Por onde começarmos? Que tal começarmos com essa carta que enviou ao Conselho Local sobre esse... Culto Púrpura? - Esbravejou o tenente, puxando um envelope amarrotado de seu bolso. - Aqui tem duas coisas que me fazem perder os cabelos que me restam, Stella. Demônios e magia.

 - Eu sei o que escrevi. - Retrucou ela, se arrependendo de ter enviado a carta. No entanto, fora necessário prestar explicações ao Conselho Local sobre os acontecimentos recentes. Só não esperava que Mahalyn fosse avisar seus oficiais superiores.

 - Então vamos começar com a primeira pergunta da minha lista excepcionalmente grande. - Disse o homem, puxando um fósforo para finalmente acender seu charuto. - Onde está esse tal Desaad e seus lacaios? Presos, espero eu.

 - Você sabe muito bem que eu não conseguimos prendê-los. - Avisou Stella, sentindo o rosto corar.

 Wolff colocou o fumo na boca, prendendo-o com os dentes. - Bem, então tenho que te avisar que ERA SUA JURISDIÇÃO! - Gritou, apontando o dedo para ela. - ERA UMA MALDITA ORGANIZAÇÃO TERRORISTA, ENVOLVIDOS COM MAGIA NÃO-AUTORIZADA E MALDITOS DEMÔNIOS! VOCÊ E TODAS AS GUILDAS TEM UM DEVER PARA A ALIANÇA! SABE QUE ERA SEU TRABALHO PRENDÊ-LOS!

 - Acha que nós não tentamos? - Perguntou a líder da Aurora com a mão no peito, tentando se acalmar ao mesmo tempo em que queria gritar também. - Meus garotos deram o máximo de si para sobreviver! Onde estava a Aliança nos dando suporte? Não são responsáveis por esse assunto também?

 - Não me venha com esse papo furado, Stella! - Reagiu o homem, batendo na mesa. - Se algum de seus subordinados tivesse nos avisado sobre essa situação, teriam toda a frota de magos da Aliança em Helleon em um estalar de dedos. - Completou o tenente, mordendo tão forte seu charuto que parecia prestes a rasgá-lo.

 A mulher corou novamente com aquela resposta. - Eles foram atacados, Wolff. Como você disse, era uma organização terrorista. Que veio na casa deles, sequestrou sua líder e deixou minha filha quase morta em nosso próprio saguão. São apenas garotos, fizeram o que podiam.

 - Acho que você realmente não está entendendo a gravidade da situação. - Disparou o oficial, segurando os braços da cadeira. - Magos podem fazer muita coisa. Podem torcer as leis da natureza com mais facilidade do que muitos yullianos por aí. O que torna magos criminosos um tanto quanto perigosos. E agora temos um grupo desses espalhado por aí, muito provavelmente com uma insaciável sede de vingança. - Ele se levantou agitado, virando as costas e observando a parede enquanto que a fumaça o cobria. - Pelo menos descobriu o que queriam?

 Stella coçou o pescoço, procurando a melhor forma de dizer o que precisava. - Como está a guerra? - Perguntou finalmente.

 - Não me venha mudando de assunto. - Se irritou o tenente. - Quero que você--

 - Eu não estou. - Se adiantou a mulher, encarando-o de forma séria. Wolff suspirou, retirando o charuto da boca.

 - Estou te passando informações confidenciais. - Disse de forma quase que leviana, parando um segundo para pensar. - Todas as tropas avançadas estão recuando para a Fronteira. É tudo o que sei.

 A líder da Aurora apertou as mãos por baixo da mesa, sentindo o medo abraçar seu coração. - Desaad me contou que a Aliança havia prendido e capturado seu mestre. Queria invocar demônios para que os trouxesse deste lado da Fronteira. E tudo me leva a crer que queriam resgatar... Zemopheus. - Aquele nome soou como um feitiço, retirando todo o som do escritório. O tenente franziu a testa, esmigalhando o charuto entre os dedos.

 - Então me diga novamente. POR QUÊ NÃO OS PRENDERAM? - Gritou alucinado, batendo as mãos com tanta força no apoio da cadeira que a madeira chegou a rachar.

 - Não. Havia. Como. - Soltou lentamente Stella, rangendo os dentes.

 - Acho que entende exatamente o que isso significa, não? - Perguntou, estendendo o torso por cima da cadeira. - Vou ter que alertar todos os magos que conheço. É uma situação de alerta máximo. Sem dúvida, eles vão se juntar ao coro que está me pedindo para desfazer a Aurora.

 - Pelos deuses! Nós fomos as vítimas aqui! - Se queixou Stella, finalmente levantando e abrindo os braços com raiva. - Não temos culpa se um grupo muito mais forte do que nós apareceu em nosso quintal com a ideia de nos destruir!

 - Não é por isso que querem os fechar. - Interrompeu Wolff, lhe dando as costas novamente. - É por causa de Visandre.

 - Ah. - Soltou a mulher, voltando a se sentar. Com o tanto de coisas que havia acontecido nas últimas semanas, havia se esquecido do falecido prefeito.

 - Você tem alguma razão quanto ao Culto Púrpura. Eles são agora assunto da Aliança, um peixe muito maior do que conseguem pescar. Já fizeram o suficiente, o que continua bem pouco. - Disse ele, andando lentamente até a outra cadeira. - Só que isso não vai adiantar quando o assunto é Visandre. A imprensa colocou a culpa da morte dele em vocês.

 - O QUÊ? - Gritou Stella, finalmente perdendo a compostura. - Você sabe que não fizemos isso, Wolff! Francamente, me repudia pensar que tenha concluído isso!

 - Nós sabemos que foram os terroristas. - Se apressou em dizer o oficial, franzindo o cenho. - Só que não podemos revelá-los. Temos ordens superiores para esconder a existência do Culto Púrpura. O que deixa a opinião pública com apenas um suspeito.

 - Isso não é justo! Fomos atacados e quase mortos, e agora estão nos tratando como assassinos?  Que provas eles têm para isso? - Se agitou a mulher, ajeitando a cadeira.

 - Eles não tem provas, mas tem seus comprovantes de missões. Pelo que sabem, a Aurora só realizou missões ordenadas do prefeito no último mês. - Com aquela informação, algo gelado desceu pelo estômago de Stella. Sabia que aquelas missões seriam um erro. Ela levou as mãos ao rosto, deixando que Wolff continuasse. - Se não tivessem se vendido com tanta vontade para ele, talvez ninguém suspeitasse de vocês.

 - Não nos vendemos, tenente. - Disse ela por entre os dedos. - Apenas precisávamos desesperadamente de dinheiro. Não havia nada errado em aceitar missões dele.

 - Bem, espero que tenham enchido seu porquinho, porque graças à mídia ninguém em Arasteus irá contratá-los novamente. - Soltou o oficial, se sentando na cadeira. Um profundo silêncio se seguiu, enquanto que Stella pensava em suas opções. O pior era que nem sequer haviam recebido o dinheiro de Visandre. O pagamento deles seria feito em abonos nos impostos. Era irreal esperar que essa promessa se cumprisse agora.

 - Céus. - Conseguiu dizer ela, esfregando os dedos nas órbitas. Por mais que tentasse procurar uma fuga, mais consciente ficava do buraco em que haviam se metido.

 - Escute, Stella. - Começou Wolff, com a voz um pouco mais calma. - Nenhum tribunal da Aliança irá julgá-los. Sabemos o que aconteceu. Não é melhor... fazerem missões fora da região? A Aurora é uma guilda de segundo nível. Podem fazer isso.

 - Não temos dinheiro para um transporte desses. - Confessou Stella, começando a sentir o desespero crescer. De fato, não tinham reservas nem mesmo para durar duas semanas, não depois das contas hospitalares. E agora não possuíam nem mesmo como receber um pagamento novamente. O tenente fez um muxoxo e se levantou, se dirigindo até a saída.

 - Bem, então eu sinto muito. Não há mais nada que eu possa fazer. - Completou ao sair, batendo a porta e deixando a líder da Aurora sozinha com seus temores cada vez mais concretos. Por tudo o que conseguia entender, era o fim da Aurora.

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