sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Aurora: Capítulo 30 - Sombras e Luzes


AURORA
CAPÍTULO 30: SOMBRAS E LUZES

 Por algum tempo, ninguém naquela caverna se moveu. Sasha continuava com os joelhos dobrados e as mãos à frente do corpo, esperando um ataque que não vinha. Desaad por sua vez se mantinha onde estava, com a capa cobrindo a mão congelada e uma parte do peito ferido. Os dois se encaravam sem piscar, iluminados pela luz vermelha e fantasmagórica das esferas acima, e se estenderiam nisso por horas a fio se Sophie não os interrompesse, de joelhos no chão rochoso e úmido.

 - S-Sasha... - Começou, ainda surpresa pela presença súbita da companheira. A outra estreitou os olhos, atenta a qualquer movimento do adversário. Começou a retirar a mochila que carregava nas costas com uma das mãos, com cada movimento lento e suave como um rio tranquilo.

  - Sophie, cuide de Dalan agora mesmo. - Ordenou Sasha, atirando o objeto no colo da garota. Sophie se assustou com aquilo, sobressaltando para acordar do pequeno transe que se encontrava. Olhou desconfiada para Desaad de relance, mas o encapuzado continuou imóvel, firme com sua expressão sem emoções. A membra da Aurora murmurou algumas palavras de concordância e correu na direção do rapaz caído, abrindo a mochila no caminho para relevar alguns kits de primeiros-socorros. - Achei que iria atacá-la. Não me surpreenderia com esse comportamento covarde. - Voltou a falar com a voz ríspida.

 - Me surpreende que tenha essa impressão de mim. - Respondeu o homem, abrindo um mínimo sorriso. Ele no entanto se esfarelou rapidamente, fugindo do cenho franzido mais acima. - No entanto, admito que passei dos limites. Deixarei que aquela ali cuide de seu companheiro, para que não ocorra o mesmo que aconteceu com você. - Foi a vez de Sasha crispar a testa, dando chance para que o encapuzado continuasse. - Me surpreende que tenha vindo, garota. Um pouco pela coragem que demonstra diante de um adversário que já te deixou às portas da morte e um pouco por ter me achado. Pelo que eu sei, a localização da Caverna dos Reclusos é confidencial. - Sophie arregalou os olhos enquanto aplicava um pano verde à ferida de Dalan. Então era ali que estavam.

 - Tive sorte. - Respondeu secamente a garota de cabelos azuis. - Fui uma das pessoas que cumpriu a missão que você pediu aqui em Wildest. Além disso, encontrei meus companheiros em Helleon. Me disseram que o único lugar que a Aurora não havia derrotado o grupinho de vocês era aqui.

 - Derrotado? - Perguntou Desaad, manifestando um pequeno sorriso provocador. - Acho que só sabe de metade da história, pequena. Nós do Culto Púrpura não caímos em batalha.

 - Tanto faz o que vocês são ou o que acham que podem fazer. - Retrucou Sasha abaixando o queixo alguns centímetros, a ponto de seus olhos serem cobertos pela franja. - Só sei que minha guilda deu o máximo que conseguia para lutar contra vocês. Batalharam e quase morreram para defender minha honra, da minha mãe e da Aurora. - Seu corpo começou a tremer ligeiramente, com as mãos fechando em punhos. - Prometi ao meu pai que iria cuidar deles. E hoje irei provar isso. - Ela levantou a cabeça, mostrando um brilho forte no olhar. - Vou encerrar essa luta entre a Aurora e o Culto Púrpura, Desaad. Custe o que custar. - Pronunciou com a voz altiva, apontando o indicador esquerdo para o adversário. O homem pareceu genuinamente surpreso por algum segundo, voltando a franzir o cenho.

 - Isso é bastante engraçado vindo de alguém que... - Naquele momento, contudo, a garota disparou na direção do encapuzado. Desaad se calou e tentou rapidamente adotar uma postura defensiva, vendo que Sasha estava com o braço direito dobrado para trás. Ela irá atacar por aí, pensou ele levantando o antebraço esquerdo para bloquear o ataque. No entanto, uma segunda olhada mostrou que a membra da Aurora também havia dobrado o membro esquerdo. O homem travou alguns instantes, tentando adivinhar de que lado vinha o ataque. Optou por defender os dois lados, levantando os cotovelos. Ficou esperando o golpe de olhos bem abertos, mas foi só quando Sasha já estava aos seus pés que percebeu que ele não viria. Pelo menos não do jeito que esperava.

 A garota acabou por cabecear o inimigo, acertando seu peito congelado e o fazendo deslizar para trás. Desaad soltou os braços para se equilibrar, dando chance para que a outra, com algum esforço, o socasse com as duas mãos. Os punhos acertaram as costelas do rival, fazendo com que um filete de sangue espirasse de sua boca.

 O que é isso, se perguntou o homem enquanto que tentava se estabilizar novamente. Olhou para baixo e percebeu que sua adversária disparava novamente, desta vez mirando seu lado esquerdo. Desaad levantou a mão para tentar bloquear o golpe, mas imediatamente percebeu que isso não daria certo. Acabou deixando o soco acertá-lo no rosto, fazendo-o cuspir mais sangue.

 - Acho que eu tenho que agradecer Dalan por isso. - Disse Sasha com um ligeiro sorriso no canto da boca. A mão congelada do encapuzado reluziu na luz vermelha, entregando seu ponto fraco. Sua capacidade de se defender pelo lado esquerdo estava prejudicada, e essa pequena vantagem era tudo que a garota precisava. Tentou socá-lo novamente mas desta vez ele se abaixou, fazendo com que o golpe acertasse apenas o capuz.

 - Sinceramente, não acredito que esteja me subestimando. - Ameaçou o homem, limpando com o dedão o líquido vermelho que vertia pelo queixo. Ele chutou os joelhos da adversária, jogando-a ao chão. No momento em que Sasha batia a cabeça nas rochas, uma sola se afundou em seu rosto. Ela sentiu a cartilagem explodir e o sangue quente manchar seu rosto, mas rapidamente chutou a perna de apoio de Desaad. O homem loiro foi obrigado a fincar o outro pé no chão para não cair, dando chance para que a garota rolasse para o lado e voltasse a se levantar.

 A membra da Aurora passou as costas da mão na face para limpá-la e voltou a disparar, preparando um soco pelo lado direito. Seu inimigo reagiu instintivamente e levantou o outro braço para segurá-la, mas Sasha novamente se chocou contra ele, derrubando-o nas pedras.

  - Passei quatro dias desacordada. - Disse ela por entre os dentes, fincando os joelhos nos braços de Desaad para imobilizá-los, começando a socá-lo no rosto. - E mais quatro dias em viagem. Só consegui pensar em você. - O homem tentava se livrar, mas suas forças se esvaíam conforme os golpes aumentavam. Já estava ferido devido à luta contra Dalan, enquanto que sua adversária estava cem por cento. - Você me disse que eu era previsível em meus ataques. Obrigada pela dica.

 - CHEGA! - Gritou Desaad, abrindo os olhos com uma loucura descontrolada. Ele rugiu e conseguiu livrar o braço direito, usando-o para cotovelar Sasha bem no centro do peito. A garota foi jogada bem longe pela força do ataque, caindo fora do círculo de luz vermelha e caindo de costas. Se apoiou em um dos braços enquanto segurava a região ferida com o rosto em dor, respirando com dificuldades. Do outro lado, o encapuzado havia se levantado, parado na borda da região iluminada com o rosto sangrento e inchado. - Já chega de vocês, crianças insolentes. Tentei cooperar, mas vejo que não passam de animais. Se desejam tanto isso, farei questão de matá-las e recomeçar do zero com outra guilda. Que a Aurora seja extinguida depois desse dia.

 - Se acha que eu vou deixar... - Começou a garota, se pondo de pé. - Está mais louco do que nunca.

 - Heh. - De fato, Desaad parecia bastante insano. Ele tinha um sorriso incontrolável no rosto, assim como uma ligeira inclinação para frente, deixando os braços caídos ao lado do corpo. - Loucura é achar que vocês tem alguma chance aqui. Cada um dos territórios que libertaram para nós viraram nossos domínios. Lugares para experimentarmos rituais diversos, para no futuro conseguirmos libertar alcançar nosso mestre. - Ele se virou, olhando para as esferas vermelhas no topo do local. - Embora meus companheiros não tenham conseguido ter tempo para isso, eu aproveitei. Conheço a Caverna dos Reclusos como a palma da minhã mão. Deixei seus amigos terem uma chance, mas acho que vou retirar isso. - Com um aceno, a luz se apagou. Nos ínfimos de segundos antes do breu tomar conta da galeria, tudo que Sasha conseguiu identificar era a face ferida do encapuzado e seu olhar aterrorizador. - Que a escuridão seja seu túmulo.

 A primeira reação da garota foi gritar por Sophie, que estava do outro lado protegendo amedrontada o corpo de Dalan, mas se controlou no instante seguinte. Estava claro que o adversário tinha olhos apenas para ela, e era melhor não lembrá-lo que existiam outros membros da Aurora ali. Infelizmente, não estava em condições de se defender. A repentina queda da luz não havia lhe dado tempo para se acostumar com as trevas, tornando-a cega. Girou o corpo e respirou fundo, se concentrando na audição, único sentido que poderia ajudá-la agora.

 No entanto, estava longe de ser o suficiente. Percebeu o soco em seu estômago somente quando a dor já era insuportável. Foi ligeiramente levantada no ar, cuspindo sangue quente da garganta. Tudo o que conseguiu foi segurar a região ferida com as mãos antes de ser atacada novamente, desta vez uma cotovelada em suas costas. Arfou com a falta de ar e caiu no chão, fechando os olhos pela agonia que sentia.

  Percebeu a situação indefesa em que se encontrava e tentou rolar para o lado para se proteger, mas bateu em duas pernas no caminho. Antes que pudesse fazer qualquer coisa foi chutada para cima, desta vez voando três metros na vertical. Girou no ar e caiu com o estômago no joelho de Desaad, vomitando sangue nas pedras escuras abaixo. Isso é ruim, pensou a garota tremendo ligeiramente enquanto que procurava se afastar o joelho de si. O encapuzado recolheu a perna e ela caiu no chão de frente, procurando um ar que não chegava. Se lembrou da luta em Helleon, e um medo profundo tomou conta de seu coração.

 Um chute no rosto quase a fez perder os sentidos, rolando uma única vez para o lado com a face empapada de vermelho. - Eu estava pensando em terminar logo com isso, mas gosto da situação em que nos encontramos. - Disse a voz do homem acima dela, sentindo-o ajoelhar ao seu lado. - Em seus últimos momentos nessa dimensão, quero que saiba o erro que cometeu ao nos enfrentar. - Ele pegou sua mão esquerda e começou a empurrar o dedo mindinho para trás, forçando-o até o quebrar. Sasha soltou um grito abafado enquanto que o encapuzado partia para o anular.

 Não, isso não, pensou a membra da Aurora enquanto trincava os dentes. Não iria deixar ser humilhada e torturada. Girou o corpo para ficar de frente a Desaad, identificando seu contorno na escuridão. Infelizmente o movimento o ajudou a quebrar outro dedo, mas sua força de vontade já havia se manifestado, eclipsando a dor e o medo. Gritou e dobrou o corpo, chutando o homem na cabeça e quase o derrubando. Aproveitou o momento e se levantou em um salto, se apoiando na mão ferida. Enfiou o cotovelo no rosto já inchado do líder do Culto Púrpura, levando-o desta vez ao chão. Preciso aproveitar essa chance, pensou ela enquanto dobrava a perna para um novo golpe. Se o adversário havia caído, não poderia se levantar.

 No entanto, a situação não estava mais ao seu favor. O homem rolou para trás, se esquivando do pé de Sasha. A garota arregalou os olhos e correu em sua direção, temerosa em perder a vantagem. Era exatamente o que o encapuzado esperava. Ele aproveitou da velocidade da outra e estendeu a perna à frente, sendo auxiliado pela escuridão que o encobria. Sasha foi cega em direção à armadilha, não percebendo a sola de Desaad até que se fincou em sua canela. Ela caiu para frente, onde uma palma em riste a esperava.

 Conseguiu identificar a ameaça e se deslocar no ar, mas já era tarde. Os dedos do homem rasgaram o colante e a pele, abrindo um rombo na lateral da garota. O sangue verteu tal qual uma cascata, saindo do enorme ferimento e da boca da membra da Aurora, que caiu no chão quase desmaiada. Ela encarou o vazio com seus olhos abertos, segurando o chão com a mão sadia como se sua vida dependesse disso.

 Não percebeu que Desaad estava ao seu lado até que ele fincou o pé em cima do buraco em sua lateral, arrancando uma arfada da garota. O homem a empurrou para o lado, deixando-a de costas no chão. - Algo a dizer agora? - Perguntou batendo calmamente o pé no chão, com a sola chapinhando na poça de sangue. Ele inclinou ligeiramente a cabeça e cutucou com a ponta do pé o ferimento, provocando uma expressão de agonia na adversária. - Talvez agora finalmente perceba as consequências de por em meu caminho.

 Sasha, imersa em dor,  se viu à tona com seus pensamentos. Seria aquela sua morte? E depois, quem cuidaria da guilda? Lembrou do rosto de seu pai antes de sua derradeira missão, lhe confiando a Aurora. De alguma forma, apenas pronunciar mentalmente aquelas palavras lhe deram um jorro extra de energia. Não iriam cair daquela forma. Nem hoje, nem nunca. E estava nas mãos dela garantir isso. Usou o que lhe restava de energia para se forçar a se mover, se apoiando no chão com um cotovelo enquanto arfava repetidamente.

 - Oh. Ainda com disposição? - Zombou o encapuzado. Ah, cale a boca, pensou Sasha enquanto olhava para os lados em busca de qualquer auxílio. Lutar na escuridão era dar uma vantagem gigantesca para o adversário, portanto deveria dar algum jeito de conseguir luz. Notou um brilho roxo no horizonte, de alguma forma quase que imperceptível naquele breu. Sem nem pensar, a garota imediatamente ficou de pé e correu na direção daquilo, sentindo o rombo em sua lateral explodir em dor recém-renovada. Espere um pouco, implorou suando.

 Conseguiu alcançar a sala iluminada, notando uma coletânea do que pareciam cristais púrpuras em cima de um pequeno palanque de pedras. A membra da Aurora foi derrubada pelo sofrimento e caiu bem na entrada do aposento, segurando o ferimento como se ele quisesse explodir. Trincou os dentes e fincou a cabeça no chão. Só mais um pouco, tentou pedir enquanto respirava debilmente. Começou a se arrastar na direção dos artefatos, apenas para receber um pisão nas costas. Sangue novamente escapou pela boca, manchando as pedras úmidas.

 - Me surpreendo com a disposição de vocês. - Admitiu o homem, pressionando a coluna de Sasha com o pé direito. - Decidi que vou te deixar viva até Zaulin voltar. Ver você perdendo a esperança deve ser bastante... - Naquele momento, Desaad olhou para frente, notando os quatro cristais que rodavam lentamente. Seu rosto tomou imediatamente um quê de espanto, e ele começou a andar lentamente na direção do aposento. - O que fizeram com ele? - Perguntou com a voz fraca.

 - O quê? - Disse a garota com sangue na boca, tremendo enquanto se levantava. Deu alguns passos para frente, se apoiando no batente da entrada. Do outro lado, o encapuzado se virou com ódio no olhar.

 - Quem acham que são? - Indagou, lívido. - Hein? O que fizeram com Zaulin para ele ter que se prender em forma cristalizada?

 - Engraçado, a história que Amanda me contou era que tínhamos derrotado esse tal de Zaulin e ele se teletransportou com o rabo entre as pernas. - Começou Sasha, sorrindo com o canto da boca. Desaad engoliu em seco, e a garota olhou para o restante dos cristais. - Então esses são seus companheiros? O que é isso, uma forma de se protegerem? Do quê, exatamente?

 - E-eles... - Gaguejou o homem, mas a membra da Aurora o interrompeu, largando o batente.

 - Deixe eu adivinhar. Minha guilda acabou com eles e fugiram quando perceberam que não havia como vencer, não foi? - Perguntou, sem dar chance para resposta. - Bem, parece que faltou alguém. - Ela disparou, percebendo que a chance que havia esperado durante a luta inteira havia finalmente aparecido.

 Desaad tentou se proteger, mas seu choque havia retardado seus movimentos enquanto que Sasha tinha a vontade explodindo de seus poros. Ela conseguiu ser mais rápida do que o adversário, desferindo um pesado soco em seu rosto. O homem começou a cair, mas novamente a membra da Aurora foi mais veloz. Ela foi ao chão e se pôs na trajetória da queda, onde bateu com o cotovelo no pescoço que vinha em sua direção.

 Seu adversário grasnou um som abafado, impedido de respirar. O que se tornou ainda mais difícil quando uma mão segurou seu rosto e o impeliu para o chão, ficando-o nas pedras. Em seguida se seguiu uma profusão de socos em todos os lugares acima dos ombros, rápidos o suficiente para que o bloqueio se tornasse uma tarefa impossível e fortes o bastante para praticamente impedir Desaad de pensar em se defender. Ele havia até conseguido formular uma ideia de contra-atacar da mesma forma que havia feito antes, mas seu limite havia sido alcançado. Não lhe restavam forças.

 - ARRGH! - Gritou pela última vez Sasha, juntando as duas mãos e as afundando no rosto do homem. Foi a vez do nariz do adversário explodir, espalhando o sangue vermelho no ambiente púrpura. A garota respirou arduamente e se afastou, tentando se recompor. Abaixo dela, o rival jazia desacordado. Esperou alguns minutos com a cabeça pendendo para trás, sentindo o coração se acalmar.

 - S-Sasha? - Perguntou uma voz familiar atrás dela. A membra da Aurora se virou, avistando sua mãe adentrando o aposento. Estava bem mais magra do que antes, exaurida pelos dias de prisão. No entanto, seus olhos brilhavam com as lágrimas que começavam a sair dos olhos, dando uma sobrevida à expressão abalada da mulher.

 Stella não falou mais nada, apenas correu na direção da filha para a aninhar entre os braços. Sasha ficou alguns instantes de olhos arregalados enquanto a adrenalina ainda não abaixava, sem formular um movimento sequer. Depois de um tempo levou os braços às costas da mãe, fechando os olhos com calma.

 - Que tocante. - Disse Desaad. As duas se viraram rapidamente, percebendo que o homem já estava de pé, parado ao lado dos cristais. Seu rosto era uma massa disforme de carne e sangue, mas de alguma forma parecia sorrir.

 - Você está preso. - Alertou Stella, também se levantando. A filha se apoiou em seu ombro, sentindo a dor do ferimento voltar a agonizar. - Pela morte de Visandre, pelo ataque à Aurora e por lidar com magia de forma não-autorizada. Entre outros.

 - Eu? Preso? - O homem levou a mão ao peito congelado, com o sorriso desaparecendo. - Desconfio que eu tenha que discordar. - Ele estendeu o braço, agitando a capa atrás de si. - Estamos lidando com forças muito acima de qualquer justiça terrena.

 - Se está falando dos demônios pelos quais vendeu sua alma, peça-os para te ajudar quando os magos da Aliança te interrogarem. - Disparou a líder da Aurora.

 - Desculpe. Não respondo a estes covardes. - Respondeu Desaad, levantando as sobrancelhas. - Me ajoelho apenas perante meu mestre. Aquele que vocês aprisionaram.

 - Do quê está falando? - Perguntou Sasha, contorcendo o rosto.

 - De coisas que vocês não fazem a menor ideia. - Zombou o homem, abrindo os braços. - Sua Aliança acha que venceu meu senhor, mas não esperam pelo Culto Púrpura. Nós, que sacrificamos nossas vidas para que pudéssemos ser notados pelo grande lorde das trevas, seremos os responsáveis por resgatá-lo da prisão que se encontra. Vamos encontrá-lo, e com seu poder iremos mudar o mundo.

 - Você é apenas um insano. - Disse Stella, abaixando um pouco o queixo. - Acha mesmo que servir a um demônio irá te trazer alguma recompensa?

 - Nunca disse que servimos a um demônio. - Retrucou Desaad, manifestando uma expressão tranquila no que restava de sua face. - Somos companheiros. Os territórios que vocês conquistaram para nós eram apenas formas de trazê-los a este lado da Fronteira. Só que nunca disse que éramos seus subordinados. - Ele sorriu, mostrando a falta de dentes na bocja. - Apenas servimos a um mesmo líder.

 Os cabelos da nuca de Sasha se eriçaram. Sabia de quem o encapuzado estava falando. - Zemo...

 - Você está preso. - Repetiu Stella, franzindo a testa. - Depois do que disse, não sairá daqui sem que todos os magos da Aliança estejam presentes.

 - Me parece um pouco exagerado de sua parte. - Respondeu calmamente o líder do Culto Púrpura, espalmando a mão no cristal mais próximo. - Vejamos se seus companheiros tem o mesmo a dizer sobre isso. - Naquele instante, os artefatos luminosos apagaram. Um redemoinho de ar se atiçou no aposento, fazendo com que mãe e filha levassem os braços aos olhos, procurando se proteger. Quando Stella os abriu novamente, conseguiu ver que os cristais não estavam mais ali. Nem Desaad.

 - Onde estão Sophie e Dalan? - Perguntou com o rosto aterrorizado, se virando para trás. A garota disparou para fora, adentrando a escuridão profunda da caverna. Virou a cabeça para os lados, procurando desesperadamente algum sinal de vida.

 - NÃO! - Era um grito de Sophie, cortando a escuridão. Sasha disparou com tudo que tinha na direção daquele som, imprimindo o que restava de sua velocidade em suas pernas. Conseguiu identificar um vulto encapuzado na escuridão, agachado ao lado de outro. Era o suficiente para a garota, que se jogou na direção da figura com o manto, jogando-a ao chão.

 - Chega. - Rugiu por entre os dentes, pressionando os ombros de Desaad contra as pedras. - Não vai encostar um dedo em meus companheiros.

 - Engraçado você mencionar isso. - Respondeu o homem, com uma expressão tranquila através do rosto disforme. - Afinal, esqueceu da segunda membra de sua guilda que estava aqui. - Os olhos de Sasha se arregalaram em pavor, e seu pescoço virou para trás tão rápido que chegou a estalar. Havia uma terceira figura na escuridão, deitada de costas na pedra.

 - Sophie. - Soltou ela baixinho, correndo na direção da companheira. A garota não se movia, e mesmo naquela escuridão era possível ver que seus olhos anteriormente verdes estavam completamente negros, sem diferença entre a íris, a esclera e a pupila. Um peso gélido desceu pelo estômago de Sasha, que abriu minimamente a boca, sem resposta.

 - Irei te deixar cuidando dela. - Declarou Desaad se levantando. A membra da Aurora se virou com ódio em sua direção, ainda segurando a cabeça da outra.

 - Se acha que eu vou... - Começou por entre os dentes.

 - Sim, eu acho. - Interrompeu o homem, ajeitando a capa. - Prefiro sair daqui e me recolher para outro esconderijo sem que ninguém me persiga. Se quiser pode tentar me seguir, mas alguém tem que cuidar da garotinha. - Aconselhou, apontando com a cabeça para Sophie.

 - Seu... - Rosnou Sasha, tão lívida que chegava a tremer.

 - Vou assumir que isso é um adeus. - Disse Desaad, ajeitando a capa na cabeça. - Me disse antes que encerraria a luta entre a Aurora e o Culto Púrpura. Fico feliz que me despeço provando que estava errada.

 Ele começou a andar calmamente, passando ao lado das duas garotas. Sasha quase disparou em sua direção, procurando interceptá-lo, mas não podia deixar Sophie daquele jeito. Procurou avidamente a mãe, mas estavam tão imersas na escuridão que era impossível esperar que ela a achasse. Acabou por ficar calada, enquanto que Desaad dava seus derradeiros passos na direção da liberdade. Ele olhou para baixo e avistou, mesmo naquele mar de trevas, quatro pequenos cristais apagados na palma de sua mão direita. Fechou-a e olhou para frente, avistando a escadaria que o levaria para a superfície.

 Teria sua vingança. Algum dia, a Aurora estaria destruída, e ele estaria segurando a cabeça de Sasha nas mãos.

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