sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Aurora: Capítulo 29 - Na toca do lobo


AURORA
CAPÍTULO 29: NA TOCA DO LOBO

 Dalan estava de olhos fechados, abraçado à cintura de Sophie enquanto que o mundo desmoronava ao seu redor. Flutuava sem controle pelo espaço, com os sentidos captando registros incongruentes à qualquer outra lembrança que possuía. Seu tato por exemplo estava maluco, registrando sensações que até então lhe eram desconhecidas. Uma das poucas que conseguiu discernir foram cócegas suaves no cotovelo, enquanto que o dedo mindinho registrava um calor intenso e o anular tremia de frio. Seus cabelos em uma hora estavam molhados e na outra ressecados, sempre agitados por um vento que não tinha direção nem temperatura. Sua perna direita começou a tremer violentamente, sendo em seguida coberta por algo gosmento e cheio de estática. Toda aquela insanidade havia o feito poupar a visão, protegida através das pálpebras bem espremidas. E o pior de tudo isso era que parecia estar lá por dias, sem nenhum descanso. Pelos deuses, que isso acabe, rezou ele intensificando o aperto na companheira, seu único resquício de normalidade naquela tempestade de loucura. 

 Os deuses pareceram atendê-lo, pois logo em seguida ele percebeu um ar frio e homogêneo que cobria seu corpo inteiro. Infelizmente a gravidade parecia também ter voltado, levando-o dolorosamente a um chão rochoso. Continuou imóvel onde estava, temeroso demais para saber onde havia parado. Se acostumou lentamente ao silêncio e à tranquilidade daquele local, juntando coragem para abrir os olhos.

 - Dalan... - Disse uma voz fraca e dolorida ao seu lado. - Acho que seu cotovelo está em cima do meu pescoço. - O rapaz abriu os olhos, vendo o rosto de Sophie ao seu lado. Com um rápido olhar para baixo, percebeu que estava esparramado em cima da companheira. Imediatamente grasnou e se afastou para o lado, corando tão forte quanto a garota.

 - Desculpa, desculpa, desculpa! - Sussurrou ele, se apoiando em uma parede rochosa com as mãos no chão. Sophie se sentou com dificuldades, massageando a traqueia. Ela olhou para os lados, abrindo uma expressão arregalada.

 - Onde estamos? - Perguntou, tateando para os lados enquanto procurava sua boina caída. Dalan olhou para trás, se deparando com uma cena bizarra. Quatro cristais púrpuras e luminosos levitavam à frente deles, rodando em torno de seus respectivos eixos em uma pequena plataforma de pedras. Suas luzes pulsavam e iluminavam o que parecia uma apertada caverna natural, formada por rochas negras e úmidas. O rapaz se virou para trás, avistando uma abertura na parede.

 - Eu posso estar dando um tiro no escuro. - Respondeu ele, se colocando em pé. - Mas apostaria o restante dos meus tens que estamos no esconderijo do tal grupo que invadiu a Aurora, já que o mascarado nos trouxe até aqui. - Sophie passou de vermelha para branca, olhando para os lados enquanto se levantava com uma das mãos no joelho.

 - Acha que ele ainda está aqui? - Questionou ela quase que sussurrando, se aproximando assustada do companheiro. Dalan se esgueirou até a abertura, tentando identificar alguma coisa. Só existia a escuridão do lado de fora, tão densa que a luz roxa que iluminava fracamente aquele aposento nem sequer poderia sonhar em romper. 

 - Eu não tenho mais certeza de nada. - Admitiu, rangendo os dentes irritado. Estava em uma situação bastante infeliz, jogado em lugar que não conhecia e nem fazia ideia de onde ficava. Isso não o agrava nem um pouco.

 - Então o que que a gente vai fazer? - Continuou a interrogar a membra da Aurora, torcendo as mãos de forma nervosa. Se Dalan se irritava com aquela conjuntura desconhecida, a garota tinha pavor. Havia passado muitos anos daquele jeito, sem saber o que fazer e com surpresas desagradáveis a cada esquina. A lembrança de sua infância nas ruas a fez pensar na irmã, desejando inconscientemente que ela estivesse ao seu lado. Todo aquele isolamento que fomentou nas duas últimas semanas parecia ter sido mais um erro para sua coleção, pensou franzindo o rosto.

 Ao seu lado, o rapaz pensava arduamente. Estavam em território desconhecido, aparentemente hostil. Se quisessem sair dali vivos, teriam que reverter a situação. Enquanto procurava alguma forma de fazer isso, sua mente o lembrou de algo mais importante. - Sophie, já sei o que precisamos fazer. - A garota saiu de seu momento de culpa, virando os grandes e arregalados olhos para o companheiro. - Se esse for mesmo o esconderijo do tal...

 - Culto Púrpura. - Interrompeu ela baixinho.

 - Isso. Se estivermos mesmo no lugar deles, talvez a senhora Stella esteja por aqui. - Ele se virou novamente para a escuridão, como se ela já estivesse esvanecido. - Precisamos resgatá-la. É a nossa prioridade no momento. E é aí que você entra. - Terminou apontando o dedo para ela.

 Sophie engoliu em seco, temendo o que vinha pela frente. - Eu? 

 - Sim, vou pedir que você fique invisível e procure ela por aqui. Eu sei que está escuro, mas não sabemos se eles enxergam melhor do que nós. Use isso para te ajudar. - Ele tirou a veste negra que usava por cima da camisa cinza-escura, colocando-a por cima dos ombros da companheira, que corou intensamente com aquele ato. - Deve te ajudar a se camuflar. Enquanto isso eu vou te dar cobertura.

 - Dar cobertura? - Perguntou ela, segurando as pontas da veste. - Como assim? O que você vai fazer?

 - Bem, eu vou chamar a atenção. - Respondeu, rindo pelo nariz pelo nervosismo. Sophie o encarou em silêncio, engolindo em seco. - Só vou te pedir uma coisa. - Acrescentou ele, olhando para fora mais uma vez. - Depois de tirar a senhora Stella desse lugar, seja qual for, quero que você volte. Seja lá o que eu vou enfrentar, conseguiram deixar Sasha às portas da morte. Não é algo que vou conseguir derrotar sozinho. - Ele se virou, encarando a companheira fundo nos olhos. - Vou precisar da sua ajuda.

 Sophie ficou em silêncio, mergulhada naqueles olhos negros. Se lembrou de Julie dizendo que ela a prendia na sede da Aurora. Se lembrou do distanciamento dos companheiros, firmes em um desconhecido pacto para deixá-la cuidar sozinha de seus problemas. Se lembrou da solidão e da inferioridade que havia sentido nos últimos dias. Agora, no entanto, alguém estava lhe estendendo a mão, pedindo seu apoio. A senhora Stella havia lhe confiado uma missão antes, mas isso era diferente. Daquela vez tinha Marcus como rede de apoio, estavam na familiar Helleon e não era uma situação de vida ou morte. Agora, estavam num lugar em que apenas os deuses conheciam, onde um passo errado poderia ser o último. E além disso, era Dalan quem pedia, a mesma pessoa que havia lhe causado tanta confusão e agora tornava as coisas tão claras. A garota acenou mínima e positivamente com a cabeça, ainda repleta de pensamentos para dizer alguma coisa.

 - Certo. - Disse o rapaz, um pouco aliviado. - Eu vou na frente para te dar cobertura. - Ele saiu para a escuridão, deixando a companheira sozinha naquela sala roxa. Não posso deixá-lo na mão, pensou ela enquanto se tornava invisível.

 Dalan começou a caminhar pela caverna, sem sequer conseguir enxergar um palmo à frente de seu nariz. Isso era burrice, pensou para si mesmo. Das grandes. Estava em território hostil e caminhando sem o auxílio da visão. Era uma questão de tempo até uma adaga cortar sua garganta, ou pior. Olhou para trás, como se conseguisse identificar Sophie se esgueirando pela escuridão. Presumivelmente não conseguiu enxergá-la, e considerou isso como uma boa notícia.

 Deixou um pouco do ar que guardava inconscientemente escapulir pelo nariz. Todo aquele silêncio o incomodava mais do que a escuridão. Esperava que alguma coisa já tivesse acontecido, mas nada o incomodava naquela caverna. Será que estavam o observando? Estariam ali mesmo ou haviam saído? O rapaz rangeu os dentes, desejando apenas que alguma coisa acontecesse naquele vazio sensorial.

 Atrás dele, um brilho roxo se acendeu.

 Enquanto isso, em algum outro canto da galeria, Stella Alba estava sentada com as pernas esparramadas em um chão frio e rochoso, com as costas apoiadas na parede. Estava em um espaço apertado, de quase três metros de diâmetro, praticamente um buraco na parede. Vestia um simples vestido cinza e manchado, e perto de sua canela direita havia um prato de barro e um copo vazio. A líder da Aurora tinha os olhos semi-abertos, concentrada em uma meditação de culpa e prece pelos membros da guilda.

 Ela notou uma forma escura se aproximando, mas não deu atenção. Provavelmente era Desaad querendo atormentá-la novamente. Apoiou o queixo no peito, voltando aos seus pensamentos. Estava prestes a adormecer quando uma voz extremamente familiar a chamou.

 - Senhora Stella? - A mulher levantou rapidamente a cabeça, certa de que estava sonhando. Reconheceu aquela boina branca pendurada no ar, e mesmo se não tivesse, o rosto de Sophie se materializou diante dela, parada na entrada de sua cela improvisada.

 - Sophie? - Perguntou com a boca seca, se levantando minimamente. - O que está fazendo aqui?

 - Vim resgatá-la. - Respondeu a garota, se adiantando. No entanto, esbarrou no que parecia uma barreira invisível, quase caindo para trás. Ela estendeu as mãos à frente, se adaptando àquela situação inusitada. - O que é isso?

 - Minha prisão. - Ela se levantou com um salto, se aproximando da companheira. - Você precisa sair daqui agora! Essa barreira é mágica, deve ter alertado o... o homem que está aqui!

  - Dalan disse que ia cuidar dele por enquanto. - Respondeu Sophie com o rosto nervoso, olhando para trás como se esperasse ser atacada a qualquer segundo.

 - Dalan também veio? - Stella também pressionou a barreira invisível, ficando cara a cara com a garota. - Preste atenção, Sophie. Tire ele daqui e corram. O homem que está aqui, Desaad, é o mesmo que atacou Sasha! - Seus olhos se arregalaram, e ela ficou em silêncio por alguns instantes. - Sasha. O que aconteceu com ela?!

 - Está em Tinyanga se recuperando, não se preocupe. - Tranquilizou rapidamente a outra, estendendo as mãos em palma. - Agora, quem é esse tal Desaad? O que ele tem de tão ameaçador?

 Do outro lado da caverna, Dalan foi arremessado para longe, rolando através das rochas úmidas e geladas. Começou a se levantar debilmente, e naquele momento uma luz vermelha penetrou através de suas pálpebras. Abriu os olhos, notando grandes esferas luminosas no teto da caverna iluminando uma extensa área ao redor dele. Voltou a olhar para frente, bem a tempo de ver um encapuzado disparar em sua direção. O garoto dobrou o corpo para sua diagonal traseira, esquivando de um soco em seu queixo. O adversário girou em torno de si e desferiu um chute, que foi bloqueado pelos antebraços do rapaz da Aurora. O golpe no entanto foi suficiente para arrastá-lo para trás, arrastando seus pés nas pequenas pedras do chão.

 - Você é bem treinado. - Disse o agressor, com seus traços finalmente visíveis. Era um homem alto de rosto fino, com loiros cabelos penteados para trás embaixo de um capuz que, naquela luz rubra, parecia ser de um tom magenta, decorado com adornos prateados nas pontas. - O que é sinceramente uma pena. - Ele voltou a atacar, com seu manto esvoaçando perto da cintura. Dalan ergueu as mãos perto do rosto e conseguiu bloquear um braço que vinha à sua esquerda. Logo em seguida veio um chute do outro lado, e o garoto deu um jeito de estender o antebraço direito para se proteger. Viu rapidamente que estava aberto para mais um ataque e saltou para trás, ganhando algum espaço. - Poderiam ser tão úteis.

 - Moço, eu acho que a gente não está falando a mesma língua. - Disse o rapaz para em seguida ser golpeado no queixo pelo pé do encapuzado, voando vários metros para trás. Bateu de costas em uma parede, segurando a região ferida enquanto tentava se apoiar. À sua frente, o homem mais velho se aproximava.

 - Quando soube que Visandre estava empregando uma guilda para cumprir meus pedidos, tive que vê-la com meus próprios olhos. - Começou ele com um tom de voz frio e sério, pisando forte nas rochas da caverna. - Observei seus companheiros em Tinyanga semanas atrás. Pareciam promissores. Teríamos uma bela história juntos se não decidissem pensar sem a cabeça. - Ele agarrou o colarinho de Dalan, levantando-o até ficar de frente com seus olhos irritados.

 - Eles, o tal Culto Púrpura... - Começava Stella com uma voz assombrada. - Começaram algum tempo atrás a pedir para que o prefeito de Helleon conseguisse esvaziar certos territórios para eles. Eu não sei o que queriam fazer, mas haviam convencido Visandre. - Ela engoliu em seco, demorando um tempo para continuar. - Só que ele acabou morto no dia que nos invadir, supostamente por se amedrontar e nos dar aquela agenda repleta de provas. - Sophie desviou os olhos, respirando com força.

 - Você acha que... - Começou ela, mas a líder a interrompeu.

 - Não adianta pensar nisso agora. - Tranquilizou a mulher. - Eles iriam causar uma confusão dessas de alguma forma. Não são pessoas sãs, Sophie. - Ela olhou para a escuridão, como se alguém estivesse ouvindo. - Pelo que eu sei, fizeram... pactos.

 - Pactos? Pactos com quem? - Perguntou Sophie depois do silêncio que se seguiu. A mulher mais velha fechou os olhos, procurando uma forma de dizer aquilo.

 - Demônios. - Sophie engoliu em seco, absorvendo aquela palavras. Demônios eram até então apenas uma lenda, uma invenção de pessoas histéricas. Só que ela se lembrou de Zaulin e seu sangue negro. Não existia nenhuma raça que conhecesse que sangrasse daquela cor. Do outro lado, Stella continuou. - Querem mudar o mundo com a ajuda deles. Desaad, o líder, disse que querem buscar uma entidade ainda mais forte para conseguir isso. - A líder da Aurora deixou as mãos deslizarem para baixo enquanto pendia o queixo no peito. - É culpa minha. Nunca deveria ter aceitado as missões de Visandre. Acabei trazendo vocês para esta insanidade.

 - Ninguém está te culpando, senhora Stella, e acho que nem é momento para discutirmos isso. - Disse distraidamente Sophie, ainda com a cabeça presa na revelação dos demônios. Se lembrou em um sobressalto de Dalan, que estava lhe dando cobertura sozinho. - Como é que eu te tiro daqui? - Perguntou ela, voltando sua atenção para a parede invisível.

 - Esqueça isso. Desaad, o líder deles, foi quem conjurou essa barreira. - Respondeu a outra.

 - Ótimo... - Começou a membra da Aurora, olhando para baixo enquanto juntava coragem. - Ótimo. Dois problemas resolvidos de uma vez só. - Ela fez uma careta e disparou para longe, correndo pela caverna.

 - Sophie! Sophie! - Tentou chamar a mulher, mas a garota já havia mergulhado na escuridão. Escuridão essa que era anulada apenas em um canto da caverna, um espaço rubro que servia como palco para uma luta feroz.

 Dalan foi arremessado para a beira desse círculo luminoso, massageando o pescoço ferido. Ouviu os sons do adversário se aproximando e rolou para o lado, bem a tempo de evitar um pisoteamento em sua cabeça. Ficou de pé desajeitadamente, mas não conseguiu defender o chute que o jogou novamente para o outro lado.

 Isso já está ficando um porre, pensou o garoto enquanto tentava mais uma vez se levantar. Tudo o que fazia era se defender, e nem isso era mais garantido. O encapuzado era bem mais rápido e forte do que um humano normal, e além disso parecia ter uma energia que não acabava nunca. Desaad ficou parado onde estava, ajeitando o capuz em sua cabeça. - Eu fico realmente feliz que Zaulin esteja a caminho. Quem sabe as cabeças que ele trará consigam convencer você e sua laia para que eu não perca toda essa força à minha disposição. - Deu um passo à frente, franzindo a testa. - Acredite, eu ainda tenho esperanças em vocês. Mesmo... espere. - O homem parou, estreitando os olhos. De repente girou corpo e puxou alguma coisa da escuridão, jogando-a até o meio da arena luminosa. O que parecia uma série de roupas no início foi revelado ser Sophie, que rolou dolorosamente até parar bem embaixo das esferas vermelhas. - Mesmo abusando de táticas tão covardes.

 - Sophie! - Gritou Dalan, se pondo de pé. Desaad começava a caminhar na direção da companheira, que jazia tremendo no chão. O garoto começou a correr na direção dele, conjurando seus poderes na mão direita. Estava esperando um momento oportuno para revelá-los, como fez na luta contra Sasha, mas não tinha muita escolha agora. Jogou o braço para frente e congelou uma trilha entre ele e o encapuzado, saltando no chão para que escorregasse com mais velocidade. Foi com os joelhos dobrados, preparado para atacar as canelas do outro. Infelizmente o homem deu um passo rápido para trás, saindo da direção do golpe, e pisoteou o peito do garoto quando ele passou à sua frente.

 - Vocês estão me subestimando? É isso? - Perguntou, afundando o pé nas costelas do rapaz. Ele grunhiu com um pouco de sangue escorrendo pelo canto da boca, tentando com as duas mãos afastar o calcanhar do adversário. - Não fazem ideia do que sou? Eu... - Ele não conseguiu terminar de falar, pois naquele momento Sophie havia pulado em seu pescoço.

 Desaad manifestou um ar de irritação em sua testa e agarrou a veste longa que a garota estava usando, se preparando para jogá-la para longe. Dalan no entanto aproveitou a distração e empurrou a canela do homem para baixo, se livrando do aperto. Imediatamente ficou de pé e, se utilizando do desequilíbrio do adversário, abriu as duas palmas e as bateu no peito dele, congelando o máximo que conseguia.

 O encapuzado grunhiu e usou da garota em seu pescoço como projétil para afastar o rapaz, arremessando-os para longe. Colocou em seguida a mão na região atingida pelo gelo, vermelho naquela luz, sentindo as roupas e a pele marcadas pelo gelo que as cobria. Tossiu, percebendo alguma dificuldade em respirar por causa da imobilização de seu tórax. - Uma pena, realmente. - Disse ele em voz baixa, voltando a encarar os membros da Aurora.

 Dalan disparou em sua direção, consciente de que não teriam uma chance melhor. Tentou um chute no lado esquerdo do adversário, que o bloqueou com o punho. Desaad esticou o outro braço para contra-atacar, mas Sophie surgiu de fora de seu campo de visão e agarrou seu pulso, jogando-o para trás. O companheiro aproveitou e deu dois socos no rosto do homem, ganhando tempo enquanto seu poder não recarregava.

 O líder do Culto Púrpura rangeu os dentes e jogou sua perna contra o rapaz, fazendo-o cair. Em seguida agarrou a garota que o segurava pela cabeça, fincando seus dedos em seu crânio. Ela gritou enquanto era levantada, no momento em que o encapuzado arregalava os olhos com uma sutil loucura e abria a mão direita em palma, preparado para atacá-la do mesmo jeito que havia feito com Sasha.

 No entanto, o breve delírio o fez ficar cego ao seu redor, não percebendo que Dalan se aproximava em velocidade. Ele segurou seu antebraço com as duas mãos, congelando-o de forma árdua. Desaad apenas arregalou os olhos e virou minimamente a cabeça para o lado, encarando o adversário. O brilho insano em suas órbitas refletiu a luz vermelha com intensidade, e o homem largou Sophie no chão.

 - Chega. - Ele instantaneamente agarrou o rosto do rapaz e girou o corpo, afundando-o nas pedras abaixo deles. Uma pequena cratera se abriu, e o sangue do membro da Aurora se misturou com o ambiente rubro. O encapuzado rugiu e bateu o crânio dele no chão novamente, e outra vez, e outra, e outra.

 - DALAN! - Gritou Sophie, correndo para tentar ajudá-lo. Tentou afastar o braço sadio do homem com as duas mãos, conseguindo puxá-lo para o lado. O companheiro continuou onde estava, com o rosto oculto pelo cabelo empapado do líquido vermelho e a boca levemente aberta. Desaad encarou com seu olhar louco a garota, dando-lhe uma cotovelada para longe.

 - Que você sirva de lição. - Exclamou o homem para o rapaz caído, e se ajoelhou em um ínfimo de segundo. Sangue espirrou para o alto, refletindo nos olhos arregalados de Sophie. Desaad se levantou, com a mão encharcada do fluído brilhante. Aos seus pés, Dalan estava estirado na pequena cratera, com um enorme rombo em seu estômago. Sua companheira não conseguiu esboçar uma reação, exceto por um ligeiro tremor em seu corpo. Só notou que o encapuzado estava se aproximando dela quando já estava à sua frente. Virou a cabeça lentamente para o homem, com pequenas lágrimas começando a se formar nas órbitas. A insanidade começava a abandonar o líder do Culto Púrpura, mas isso não o tornava menos ameaçador. - Agora, volte à sua guilda e conte o que aconteceu aqui. Espero que sigam minhas ordens a partir de hoje. - Ordenou com a voz ríspida.

 Sophie voltou a abaixar a cabeça e fitar o corpo caído de Dalan, com o tremor se intensificando. Acabou, pensou ela.

 Enquanto se desesperava lentamente, passos começaram a ecoar naquela caverna. Sophie olhou para trás com as lágrimas ainda se avolumando em seus olhos, se perguntando que desgraça iria ocorrer agora.

 Uma forma começou a se destacar no breu, caminhando calmamente na direção do círculo de luz. Parecia uma pessoa magra, um pouco baixa e com duas coisas que saíam da cabeça e chegavam até suas costelas. Quando a figura adentrou a arena, Sophie arfou de surpresa.

 Suas pernas eram cobertas por um colante preto, que cobria o corpo como uma segunda pele. No quadril, duas linhas brancas saíam em um ângulo agudo da região do baixo-ventre, e entre elas a cor do tecido era azul, na mesma intensidade das marias-chiquinhas ao lado da cintura. As linhas percorriam um caminho diagonal até chegarem à ombros magros, onde desceriam para desenhar a mesma forma nas costas. Havia uma mochila branca pendurada nas costas, e entre as alças saía um pescoço pálido, revelando mais acima um rosto fino e delicado. Uma boca séria e um nariz pequeno e arrebitado o ornamentavam, assim como dois olhos grandes cobertos por sobrancelhas baixas e sérias. No topo da cabeça, longos cabelos azuis, da mesma cor que as pupilas, desciam levemente desarrumados.

 Não havia dúvida de quem era, e Sophie sentiu uma sensação de esperança crescer em seu peito. Sasha havia chegado.

 Sasha passou os olhos pelo lugar, estreitando-os ao ver Dalan caído e Sophie ajoelhada. Se virou para Desaad, que parecia genuinamente surpreso com sua aparição. Ela limpou a garganta e flexionou os dedos, dobrando os joelhos para assumir uma postura de ataque. - Segundo round.

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