segunda-feira, 7 de julho de 2014

Aurora: Capítulo 22 - Sangue dos poderosos


AURORA
CAPÍTULO 22: SANGUE DOS PODEROSOS

 - Consegue entender meu ponto? - Perguntou Stella, cruzando os dedos e apoiando o queixo nas mãos. Ela e Marcus estavam em seu escritório, que já se encontrava bem mais desarrumado do que alguns dias antes. A mulher usava um vestido azul que combinava com o cabelo preso em um rabo-de-cavalo, e o rapaz vestia uma camisa negra com uma calça cinza. A mesa de forro verde estava entulhada de papéis avulsos e penas amarrotadas, e dois armários embutidos na parede se encontravam abertos, com seus conteúdos à mostra. Uma mosca fugiu de uma das gavetas, voando em círculos até encontrar a mão do garoto de tapa-olho, sentado em uma das duas cadeiras à frente da líder da guilda. Ele espantou o inseto com um movimento desinteressado, se curvando para frente em seguida.

 - Consigo, mas isso não vai acabar bem caso sejamos descobertos. - Proclamou o garoto, encarando a mulher com seu único olho. - Estamos falando de invasão de uma prefeitura e espionagem. Não que eu tenha um problema, mas é extremamente arriscado.

 - Sim, eu sei... - Admitiu a mulher. - Só que não podemos continuar assim. Tem alguma coisa por trás das intenções de Visandre, eu sei disso. Se estiver fazendo algo terrível, seremos cúmplices. - Stella apoiou as mãos na mesa, encarando o rapaz. - Sei que invadir a prefeitura pode nos colocar numa encrenca, mas prefiro uma que eu saiba as consequências.

 - Sim. - Concordou Marcus. Ele desviou o olhar e ficou calado por algum tempo, pensando. - Consigo colocar alguém lá dentro, mas preciso ficar do lado de fora.

 - Já pensei sobre isso. - Disse Stella, se levantando. Ela foi até a porta do escritório, e quando a abriu Sophie estava lá, com a fiel boina e de camisa rendada marrom e um shortinho branco, acompanhada por Sasha. - Pode entrar. - A garota loira entrou timidamente, enquanto que a de cabelos azuis ficou do lado de fora. A líder de Aurora a levou até as cadeiras, indicando que sentasse ao lado de Marcus. - Foi difícil de te encontrar, sabia?

 - D-desculpa... - Pediu a garota, fechando as pernas e torcendo as mãos em cima dela.

 - Tudo bem. - Tranquilizou-a a mulher com um aceno de mão. - Te chamei aqui por uma razão importante. Precisamos que você faça uma missão para nós de suma importância.

 - E-eu? - Perguntou Sophie nervosa, com a mão no peito. Se lembrou da irmã naquele momento, das palavras que já encarava como verdade. Era fraca. Seja o que for que a líder pedisse, ela não seria a melhor candidata. - N-não seria melhor outra pessoa, senhora Stella? Eu não...

 - Escute... - Começou a líder, pondo as mãos no rosto por um momento antes de continuar. Precisava dar todas as forças para a garota à sua frente. - Você é uma garota muito boa, querida. É uma alegria ter você na Aurora, saiba disso. - Sophie corou, desacostumada com os elogios. - Só que sinto que você teve poucas oportunidades de mostrar o seu valor, e isso está te prejudicando. Sei o que está passando, de verdade. - Stella a encarou profundamente, escondendo os lábios atrás dos dedos. - Só que agora precisamos de você. A guilda precisa de você, assim como sei que você precisa dessa responsabilidade.

 - Ah... - A garota ajeitou o cabelo e torceu as mãos, agitada. Percebeu a responsabilidade daquelas palavras, o peso que traziam, e se sentiu imediatamente amedrontada. - E se eu não conseguir? - Soltou ela finalmente, falando rápido. - E se eu falhar e decepcionar todo mundo? E se não conseguir provar a vocês que eu sou digna de estar aqui e--

 - Sophie. - Interrompeu calmamente Stella, com um sorriso afável. - Você não tem que nos provar nada para nós. Acho que a única pessoa que necessita reconhecer suas forças está na minha frente.

 A garota ficou quieta por alguns segundos, ainda respirando forte devido à explosão anterior. Ela olhou para Marcus, que a encarava sem emoção. Voltou à suas mãos, torcendo-as com força em cima de suas pernas. Não acreditava que estivesse numa posição em que não precisasse provar nada a ninguém. Sabia que os outros estavam vários degraus acima de si mesma, e que a maioria a olhava de forma quase piedosa. Especialmente sua irmã. Só que agora a líder da Aurora pedia sua ajuda. Não havia como recusar. Caso fizesse, não haveria mais volta. Engoliu em seco, tentando juntar suas gramas de coragem. - Eu vou. - Disse finalmente, fincando as unhas nas costas de suas mãos. - Vou fazer o que me pedir. - Levantou a cabeça encarando a senhora Stella, que sorriu aliviada.

 - Ótimo. Marcus, você sabe o que fazer. - O garoto se levantou, convidando a companheira a o seguir. Ela obedeceu, ainda um pouco assustada, e os dois saíram do escritório. A líder da Aurora permaneceu onde estava, se reclinando em sua cadeira. Que eu não tenha cometido um erro ao mandá-los, rezou silenciosamente aos deuses.

 Quase uma hora e meia depois, os dois se encontravam perto do prédio da prefeitura. Sua localização era na parte norte da cidade, na zona mais abastada de Helleon, onde uma grande praça se agigantava. O edifício de três andares a tangenciava no canto sul enquanto que as árvores cobriam quase todo o restante, com exceção de três ruas que davam acesso àquele lugar.

 Sophie estava sentada em um dos bancos, pensativa, enquanto que Marcus conversava com alguns de seus contatos. Quando terminou, se sentou ao lado da companheira.

 - Preparada? - Perguntou ele sem encará-la, apenas curvando o corpo e encarando a praça. A garota engoliu em seco, sentindo o nervosismo crescer.

 - Eu... acho que sim. - Disse, fitando o edifício. Ele possuía grandes janelas e bonitas vinhas cobrindo as paredes de tijolos, assim como um arco delimitava a entrada de portas duplas. Para uma cidade tão pobre quanto Helleon, aquele bairro e especificamente aquele prédio eram bastante caprichados.

 - Então repita o plano. - Pediu o rapaz, juntando as mãos. Ele esquadrinhou a praça quase vazia enquanto que a companheira pensava com seus botões.

 - Eu vou me esconder na fachada lateral da prefeitura até que eu receba o sinal. - Detalhou finalmente ela, virando os olhos para cima quando esquecia a parte seguinte. - E depois disso irei entrar, me dirigir até a sala do prefeito, encontrar o que for importante para a gente e sair sem ninguém perceber. Se eu puder trazer as provas, melhor ainda.

 - Certo. - Marcus se levantou, percebendo que um de seus companheiros já se encontrava nas árvores, acenando discretamente para ele. - Agora vá.

 - ? - Se assustou a garota, sentindo o coração bater mais rápido. O rapaz novamente não olhou para ela, preferindo conferir se o restante dos contatos já estava em posição.

 - Sim. - Disse ele, e uma lufada de vento balançou seus curtos cabelos negros. - Não se esqueça: eu estarei aqui cobrindo a retaguarda. Apenas espero que não precise. - Sophie acenou positivamente com a cabeça e retirou a boina, deixando-a no banco. Em seguida correu até as árvores, se tornando invisível assim que cruzou a linha que elas marcavam. Adentrou um bonito jardim florido, sempre mantendo a prefeitura em seu campo de visão. O terceiro andar do prédio era visível à sua esquerda, marcando sua posição para as roupas flutuantes que circulavam os arbustos decorados com inúmeras rosas. A garota estava certa de que alguém a perceberia ali, uma camisa marrom e um short branco bem destacados, mesmo no mar de cores que eram os jardins. No entanto, ninguém a chamou. Um pouco mais calma, disparou os metros finais que a separavam da ala norte do edifício.

 Parou ali, encostando as costas na parede de tijolos para recuperar o fôlego. Havia chegado bem na hora. Ao longe, conseguiu ouvir alguns gritos agitados, seguidos por passos que vinham de dentro do prédio. Os companheiros de Marcus estavam jogando tomates na fachada da prefeitura, tentando chamar a atenção do maior número possível de guardas. Vários deles deveriam sair em perseguição aos vândalos, deixando o caminho relativamente livre para a membro da Aurora. Assim, ela esperou impaciente, perguntando se tudo estava ocorrendo certo naquela missão improvisada.

 De repente, ouviu um estrondo à distância. Seu coração quase saltou pela boca, até que percebeu que era o sinal. Acalme-se, pediu a si mesma, colocando a mão invisível no peito. Engoliu em seco, se encaminhando até uma janela de vidro. Era agora ou nunca.

 Conseguiu se enfiar em uma cozinha, saltando para seu chão lajeado. Era apenas um punhado de roupas, mas mesmo assim chamaria bastante atenção caso fosse vista. Se dirigiu com passos apressados até a porta, abrindo-a com cuidado. O corredor parecia livre, fazendo com que ela se espreitasse para fora. Seus ouvidos estavam atentos a qualquer barulho enquanto caminhava, tentando ao máximo separá-los de seus passos e de seus batimentos cardíacos. Colocou a cabeça na esquina, averiguando o ambiente. Percebeu uma escada à frente, algo que naquela situação era quase como que um presente dos deuses. O escritório do prefeito era no terceiro andar, e só havia uma forma de chegar lá. Assim, seguiu cuidadosamente em frente, sempre atenta aos corredores.

 Enquanto subia os degraus, se permitiu um momento de relaxamento. A missão até agora não parecia tão ruim, pensou ela com um sorriso aliviado. Quando chegou ao segundo andar, sua recém-fortalecida confiança se abalou um pouco. Haviam dois guardas de costas para ela, tentando espiar através de uma janela os jardins abaixo. Sophie torceu os dedos. Precisava avançar.

 Caminhou na ponta dos pés, evitando ao máximo fazer um barulho, consciente de que qualquer olhada em sua direção a entregaria. Um dos degraus rangeu, e seu coração parou. Fechou os olhos por reflexo, aguardando os guardas gritarem enquanto seu estômago mergulhava em baldes de gelo. No entanto, se passaram vários segundos de silêncio. Nada havia acontecido. A garota abriu uma das pálpebras, e viu que os homens continuavam na janela. Com renovado alívio, ela andou rapidamente para a escada que a levaria até o terceiro andar, seu objetivo.

 No topo da prefeitura, o clima parecia outro. As paredes ali eram forradas por um papel de parede bonito e de cores fortes, decoradas com quadros estilizados. Aquele andar era o aposento privativo do prefeito Visandre, a última e supostamente mais fácil etapa da missão. Segundo os contatos de Marcus, o homem evitava que os próprios guardas andassem por aqueles corredores. No entanto, devido ao susto do andar inferior, a membro da Aurora se mantinha alerta. Seguiu à esquerda, olhando para todos os lados em busca de alguma alma viva. Nada, até colocar a cabeça na esquina e se deparar com uma cena que definitivamente não esperava  ver.

 Um enorme ente caminhava calmamente, com a cabeça quase encostando no teto. Era a primeira vez que Sophie via um membro daquela raça, e sua impressão inicial era de puro assombro. O ser à sua frente era como uma árvore caminhante, com quase dois metros e cinquenta de altura. Seu rosto era quadrado, com dois minúsculos olhos amarelos em órbitas negras e três rasgos, simbolizando as narinas e a enorme boca. O trapézio era gigantesco, quase do tamanho da alçada da garota, e sua pele era escura, rachada e seca, com exceção de uma grossa camada de musgo que o abraçava e pequenos raminhos saindo de diversos pontos. Sem dúvida, era gigante até mesmo para a própria espécie, com pernas que pareciam troncos de carvalho e dedos longos e grossos. Vestia apenas uma capa supostamente longa, mas que não passava de sua cintura. Ela era de um roxo bem forte, decorada com adornos prateados nas bordas. A garota engoliu em seco, tão amedrontada que não conseguia se mover. Foi apenas uma olhada do ente em sua direção, com seus olhos perfurantes e sem emoção, que lhe deu forças para recuar em terror.

 Voltou ao corredor, com o coração parecendo vibrar em seu peito. O que era aquilo? Ninguém a havia avisado disso. Não deveria haver membros de outra espécie no gabinete do prefeito, representante de uma cidade totalmente humana. Especialmente um daquele tamanho, pensou a garota agitada. Seus pensamentos corridos e dispersos se calaram ao ouvirem o estrondo seco da passada do ente, se reorganizando em apenas um objetivo. Precisava sair dali.

 Tentou se dirigir até o outro lado do corredor, mas uma nova figura encapuzada, das mesmas cores do monstro que caminhava atrás dela, surgiu na virada da esquina. Sem escolha, Sophie disparou até uma porta entreaberta à sua esquerda, se embrenhando na escuridão. Se encolheu no chão, segurando os joelhos e ouvindo os sons do outro lado da parede. Pequenos passos rapidamente se afastaram, mas os enormes ruídos do ente demoraram a sumir. A garota passou a mão pelos cabelos com os olhos arregalados, pensando em suas alternativas. Se antes ser pega significaria um enorme problema político para Aurora, agora as consequências soavam muito mais graves. Havia uma outra facção ali, concluiu ela. E pareciam tudo, menos amigáveis.

 Sua primeira reação foi fugir. Sair dali, voltar à sede da guilda, admitir derrota e se manter em um lugar protegido. Enquanto pensava nessa alternativa aliviante, imaginou o rosto de sua irmã. De Dalan, de Sasha, de todos os outros. O que fariam caso desistisse, se perguntou. Seria a gota d'água. Trairia a confiança de todos. Sophie torceu os dedos, com os olhos quase lacrimejando. Precisava realizar a missão. Como já havia concluído antes, não havia alternativa.

 Começou a pensar em suas opções. Por um lado, era invisível. Por mais que houvessem pessoas misteriosas e potencialmente ameaçadoras naquele andar, eles não poderiam vê-la. No entanto, não podia dizer o mesmo de suas roupas. Não tinha a capacidade de usar seus poderes nelas. Respirou fundo, sabendo o que precisava fazer. Tentou ao máximo surgir com outra alternativa, mas nada veio à sua mente.

 - Saco... - Praguejou ela em voz bem baixa, puxando a camisa para cima.

 Um pouco depois as portas do quarto se abriram, mas nada pareceu sair de lá. Sophie estava agora completamente invisível, um fantasma nos corredores da prefeitura. No entanto, corava tanto que tinha certeza de que era uma mancha vermelha no ar. Tenho que terminar logo com isso, pensou ela.

 Seguiu adiante, virando a esquina. Imediatamente se deparou com uma figura encapuzada de costas, desta vez uma fada. Tinha cerca de um metro e sessenta, e duas asas finas e translúcidas saíam de um abertura na parte de trás da capa. A membro da Aurora caminhou com cuidado, pisando com suavidade no chão carpeteado para não chamar atenção. A fada não reagiu, e a garota se enfiou em outro corredor.

 Sophie continuou caminhando, apressando o passo. Receava encontrar o ente novamente, mas tinha a impressão de que o ouviria de longe. Agora, no entanto, tudo parecia bem quieto. Incomodamente quieto. A cada metro que se aproximava do escritório do prefeito, os sons diminuíam cada vez mais. Sua pele começou a se arrepiar, mas não sabia se era por causa do frio ou do clima estranho ali. Virou um corredor, e a porta da sala de Visandre a encarou do outro lado. Finalmente. A garota segurou a tentação de correr, mas se apressou de qualquer jeito. Estava quase lá.

 De repente, a porta se abriu. Sophie instintivamente se colou contra a parede, prendendo a respiração. Um ser alto saiu do aposento, encostando a porta atrás de si. Devia medir quase um metro e noventa, vestido com a mesma capa roxa do que os outros, embora fosse bem mais contido e encoberto. Seu corpo por sua vez era completamente envolto em um traje aparentemente moldado por fitas negras. Não se via um centímetro de pele, nem nos pés magros ou nos dedos longos e afiados. Seu rosto estava afundado nas sombras que o capuz fornecia. Parecia uma múmia, forte e ameaçadora.

 A figura se aproximou, fazendo com que a garota conseguisse ver sua face, curiosa em saber ao menos a espécie daquele ser. No entanto, isso permaneceria um mistério. Havia uma máscara cobrindo-o, uma carapaça metálica e cinza, sem espaços para um nariz ou qualquer meio aparente para respiração. No lugar da boca, havia um serrilhado vertical coberto de um material negro e relevado. Seus olhos eram espaços vazios, escuros como uma noite de lua nova.

 O encapuzado parou ao lado dela, que engoliu em seco. Sentia o coração bater tão forte que serviria como um chamariz para metade do prédio, que dirá alguém ao seu lado. Era como se a figura possuísse uma aura, trazendo o mais puro terror para aqueles que estivessem próximos. O mascarado olhou para os lados, consciente de que havia alguém oculto ali. Sophie não se atreveu a formular um pensamento sequer, temerosa de que pudesse ser escutada.

 De repente, de forma abrupta, aquele momento chegou ao fim. O encapuzado seguiu adiante, mas a garota ficou parada onde estava por um bom tempo, respirando fundo e tentando se recompor. Tenho que sair daqui logo, pensou ela, se levantando e correndo até a sala do prefeito.

 Quando chegou, se deparou com um aposento bastante apertado. Havia uma mesa grande no centro, e diversos armários atrás dela. No entanto, diferente do escritório da senhora Stella, este era bastante limpo e arrumado. Sophie, alheia à tudo isso, correu até a mesa. Tentou abrir as gavetas, mas estavam todas trancadas para seu desespero. Esquadrinhou a superfície do móvel, percebendo que havia uma espécie de caderno ali.

 Se aproximou, segurando o objeto nas mãos. Era uma agenda pequena, com uma bonita capa de couro bege. Contudo, era impossível abrir, pois havia uma ornamentada fita prateada circulando o livrinho, presa por uma medalha de ouro recheada de pequenas inscrições. A garota tentou rasgar a fita, sem sucesso. Começou a procurar um instrumento cortante quando ouviu os passos do ente se aproximando. Seu coração disparou, Já era hora de sair dali, concluiu. Sem nenhuma ideia melhor, ela recolheu a agenda e saiu do quarto, de encontro à saída. De alguma forma, não encontrou mais nenhum encapuzado, algo que agradeceria aos deuses de forma intensa.

 Sophie, enquanto vestia suas roupas de forma acelerada, não saberia dizer naquele momento quais seriam as consequências de suas ações. A primeira delas envolveria Visandre, que chegaria em seus aposentos em menos de duas horas. Ele caminhou pelo edifício como se fosse apenas um dia normal, um pouco cansativo graças aos vândalos que haviam tumultuado a praça da prefeitura. Deveria reforçar o policiamento, pensou ele. Se não conseguissem manter a ordem em seus próprios territórios, como inspiraria os eleitores a confiarem nele? Seus pensamentos o levaram até as próximas eleições no mês seguinte. Concorreria com Alexander, um homem bastante popular com a massa mais humilde. Talvez devesse ampliar alguns investimentos na baixada, pensou o atual prefeito enquanto abria a porta de seu escritório. Algo para garantir seus votos ali.

 Visandre mal sabia que esses pensamentos seriam tão irrelevantes, pois uma adaga brilhante surgiu da escuridão e cortou sua garganta no momento em que pisou na sala, espalhando seu próprio sangue no caro carpete. Suas últimas palavras para si mesmo, já tênues e dispersos, se resumiam a uma frase. Uma pergunta, duas palavras. O quê?

 O corpo do prefeito caiu no chão, manchando o piso. Acima dele, uma figura encapuzada de roxo e prateado limpava sua lâmina com um paninho branco, tão calma que parecia ter cortado uma fruta. - É uma pena, senhor Visandre. - Disse ele para o homem já morto, limpando a lâmina na blusa. - Eu o considerava um parceiro em potencial para empreendimentos futuros. Sinto que tenha decidido nos trair. - O assassino se ajoelhou e seu capuz se remexeu, revelando seu rosto. Era um humano, perto de seus vinte e cinco anos, com cabelos muito loiros, quase brancos, penteados para trás. Sua face era fina e alongada, com lábios finos e nariz curto. Seus olhos, no entanto, chamavam toda a atenção. Eram vermelhos como o sangue derramado, com pupilas verticais tal qual uma cobra. Ele fechou os olhos do prefeito para em seguida se levantar e encarar as quatro figuras encapuzadas do outro lado do escritório. - Zaulin, você obteve uma informação na agenda sobre os parceiros de Visandre? Sabe para quem ele entregou a agenda com nosso selo?

 - Pelo que eu li, ele usou de uma guilda menor para limpar nossos territórios, Desaad. - Disse o mascarado, com uma voz profunda e arrepiante, que era capaz de fazer com que até mesmo os pelos do morto se eriçassem. - Provavelmente entregou para eles. Se chamam Aurora, e sua sede é aqui em Helleon mesmo.

 - Eles conseguiriam abrir? - Perguntou Desaad, levantando minimamente uma das sobrancelhas.

 - Não, nos certificamos disso. Só que talvez conheçam quem possa. - Respondeu Zaulin, sem emoção na voz. O humano parou por alguns instantes, encarando a carcaça ainda quente a seus pés.

 - Talvez então devamos fazer uma visita. Nos certificar de que eles não irão nos ameaçar. - Ele guardou a faca em seu bolso, chamando um dos companheiros. - Rohr, cuide do corpo. - Pediu para o ente, que se aproximou rapidamente. - Irei cuidar dos preparativos de sucessão do prefeito assim que tiver lidado com a questão mais urgente. Se tudo der certo, não darão falta dele até amanhã. - O resto dos encapuzados se adiantou para fora da porta, e Desaad permaneceu alguns segundos dentro da sala, encarando a mancha de sangue que jazia no carpete. - Salve o lorde Zemopheus. - Disse Desaad, se virando para sair.

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