sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Os melhores de 2012

Bem-vindos de volta, senhoras e senhores, a mais um post do Recinto Nerd! Sentiram minha falta? Sim, eu sei que sentiram. Bem, devo dizer que a faculdade é uma vadia ciumenta, meus caros. Ela me fez dar atenção apenas a ela durante essas semanas. Só que estou a traindo nesse momento, pois tenho um post a escrever!

Vocês devem estar cansados das minhas crônicas sem fim, portanto decidi fazer algo mais normal e, ouvindo reclamações, mais curto. Então, façamos um simples melhores do ano, e, para apimentar algumas coisas, um exemplo horrível.

Sem mais delongas ou rodeios, vamos ao post!

CINEMA

5 - Batman: The Dark Knight Rises



Antes que falem alguma coisa, sim, eu gostei do Bátima. Só que não tanto quanto outras pessoas. Veja, os filmes do Nolan são conhecidos por darem uma visão mais realista do Cruzado Encapuzado. Só que o terceiro filme da trilogia nos deu uma visão mais, digamos, super-heróica de Nolan. E isso deu suas falhas. Erros de roteiro espalhados pelo cenário, incongruências e, acima de tudo, um tom mais estranho comparado aos outros filmes fizeram TDKR perder pontos.

E antes que os cuequinhas verdes fiquem putos, EU GOSTEI DO FILME. Só que não tanto quanto os outros.

E sério. Correr que nem malucos em cima de caras com armas não foi o melhor plano, né Bátima?

4 - Mercenários 2



BAM BAM BAM BAM RATATATAATATATATATA SHAKABOOOOOOOM POW PIM BAM BAM BAM BAM KABOOM NHEEEEEEE SCARAKABOOOOOM TSSS BOOM POW POW POW BAM BAM RATATATATATATATA AAAAAAARGH.

Não tem como não gostar de Mercenários 2. E eu duvido achar uma crítica mais certa do filme quanto a que eu escrevi.

Deal with it.

3 - Skyfall



Os filme de Daniel Craig como 007 conseguiram me surpreender. Quando eu era uma criança insolente, disse que não teria graça um James Bond sem Daniel Craig. Oh, como eu estava errado. Skyfall é, junto com Casino Royale, o melhor filme do novo Bond. Dessa vez, o esquema mais realista dos novos filmes parece ter tido sua última mostra em grande estilo, colocando pontos importantes da mitologia de 007 na construção da história.

No mais, foi um filme do Batman melhor que TDKR.

BURN.

2 - Vingadores



A questão com os Vingadores é que ele não se propõe a ser uma obra de arte ou algo do tipo. Ele só quer ser divertido, um filme de super-herói no nível mais primordial. E é isso que ele consegue. Não há coisas aqui que insultem sua inteligência (tipo Transformers), e há muita porradaria. De fato, a melhor cena do cinema no ano foi o pega pra capar com todos os Vingadores.

Você soltou uma pequena lágrima. Admita. Aquela cena foi feita para fãs de quadrinhos.

1 - O Hobbit



E chegamos ao melhor do ano. Eu não tinha lido Senhor dos Anéis quando os filmes saíram, então tive essa oportunidade com Bilbo Bolseiro e seu absurdo número de amigos anões.

A melhor parte do filme foi sua ligação com outras obras de Tolkien, especialmente com Silmarillion. Ver Gandalf ser chamado de Mithrandir, os Istari, tudo isso me faz ficar extremamente animado para os próximos filmes.

-1 - Prometheus



Ufa. Chegou a hora de falar mal. E puta que pariu, que filme confuso. Prometheus não dá nenhuma resposta, conclui pouquíssimos plots, tem umas viradas sem sentido, os personagens são estúpidos ao cúmulo (escolha: o biólogo medroso que brinca com uma cobra-vagina espacial ou o arqueólogo que fica triste quando descobre uma civilização alien).

Só falar desse filme me faz ficar temeroso com a futura reformulação de Blade Runner (melhor filme da história) pelo cada vez mais senil Ridley Scott.

VIDEOGAMES

5 - Hotline Miami



De todos os jogos esse ano, esse teve as músicas (originais) mais viciantes de todas. Um "stealth" (entre aspas porque eu nunca usei stealth no jogo) com gráficos pixelados e violentos, visão dos primeiros GTA's e uma história tão maluca que nem agora, com meses de meditação, consegui entender completamente. Mas algo me diz que ela é muito boa. Chame de sentido de aranha se quiser, eu gosto disso.

4 - Last Story



Pelo que eu vi dos reviews esse ano, Last Story só está na lista porque ainda não joguei Xenoblade. De qualquer jeito, é um JRPG bastante inovador em seu gênero, com mecânicas de jogabilidade combinando cover e stealth. E tem um tigre branco, por tudo que é mais sagrado. Gotta respect that. 

3 - Final Fantasy Theathrhythim



Nome difícil, jogo irado. Tealgumacoisa é o maior tributo a Final Fantasy, um jogo de ritmo onde você rabisca seu 3DS, que compila as melhores do músicas da série (o que é muita coisa) com gráficos adoráveis e bela curva de aprendizado.

Saco, disse gráficos adoráveis. Esqueçam isso por favor.


2 - Mark of The Ninja



Estou jogando esse jogo enquanto escrevo esse post. E posso dizer que foi a melhor experiência stealth que eu já tive esse ano, que dirá na minha vida. Um jogo 2D que te coloca como um ninja motherfucker que utiliza os poderes ninja de verdade. Sem essas viadices de jutsus e afins, só necessitamos de uma katanas, kunais e sombras para matar e aterrorizar.

1 - XCOM



Finalmente, o jogo do ano. Se você gosta de jogos de estratégia que te brutalizam por qualquer erro, essa é a sua musa! XCOM envolve política, manutenção de recursos, decisões em cima da hora, personagens aleatórios e morte, morte, morte. E já que sou um fã do desafio nuzlocke (como você pode ver aqui), nada melhor do que horas de gameplay seguidas de choros intermináveis porque seu personagem favorito morreu por um erro estúpido seu.

-1 - Home



Oba. Um jogo de terror pixelado por 2 reais. Oba, Lone Survivor é parecido, então deve ser bom. Bora jogar.

Cinco minutos depois.

Não entendi porra nenhuma. Nada acontece. Oh, Deus, onde me meti. O que eu tenho que fazer? O QUE EU TENHO QUE FAZER?

QUADRINHOS

5-  Wolverine and the X-Men


A premissa era horrível. Mais uma equipe com o Wolverine, provavelmente centrada no carcaju de forma a ignorar os outros membros da equipe (vide X-Men 3). Só que algo bizarro ocorreu e veja, essa foi uma das melhores coisas do ano. 

O lance aqui é o humor, jogado em baldes em cima dos membros da nova escola para mutantes, o Instituto Jean Grey. E temos de tudo: seres do futuro sendo professores e aterrorizando os alunos, ataques na escola a torto e a direto, monstros servindo como jardim, e claro, Doop, que pelo visto realiza atos sexuais com homens e mulheres.

4 - Animal Man


Indo totalmente na direção contrária, temos o Homem-Animal com suas histórias de terror. Seguindo o excelente começo em 2011, esse ano tivemos a história um pouco mais parada, embora no segundo semestre tenha dado uma acelerada. Se você quer comprar algo da Panini, procure o Homem-Animal. 

Falando nisso, estou livre para me vender fazendo jabá, se alguém se interessar.

3 - Invincible


É difícil encontrar algo melhor que Invencível no quesito super-heróis. Ao mesmo tempo uma história padrão e algo que joga conceitos novos de coisas antigas, junto com uma porradaria absurda, é melhor aproveitar enquanto não chega a edição 100.

Onde o autor diz que todo mundo morre.

E ele é o mesmo escritor de Walking Dead, onde na edição 100, bem...


Ops, spoilers.

2 - Batman



De volta à Marvel e DC, temos o Bátima! Sim, ele, o cara vestido de morcego que passou o ano apanhando de corujas e palhaços. Embora eu não considere essa nova fase do Morcego algo lendário como vejo muita gente falando, é bem acima da média, chegando ao nível de excelente no meu medidor de fodacidade de histórias em quadrinhos.

E não quero dar spoilers, sobre as últimas edições, mas...

Eu acho que o Robin morreu.

Ops.

1 - Hawkeye



Quem diria. Quem diria que o Gavião Arqueiro, um dos maiores buchas da história, conseguiu protagonizar a melhor revista de 2012? Seguindo os passos do bucha-mor, Aquaman, o membro mais inútil dos Vingadores conseguiu dar excelentes momentos esse ano. Histórias simples, com bela arte, personagens cativantes e um humor sórdido, você pode apostar em mim: compre e seja feliz. 

Então, gente, estou aceitando pagamentos pra fazer jabá. Tá ficando chato fazer isso de graça.

-1 - Prêmio honorário Liefeld



Olhe esse rostinho. Ele não vai te decepcionar, né?

Pois é. Liefeld esse ano aprontou poucas e boas. Brigou com metade dos escritores e editores, foi expulso de tudo que tinha direito e, principalmente, ainda não aprendeu a desenhar e se veste como um redneck bêbado.

Sem mais, sem menos.

Agora vou voltar a jogar Mark of the Ninja. Até 2013!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A Chuva e o Sol - Especial Fim do Mundo

BEM-VINDOS, SENHORAS E SENHORES, A MAIS UM POST DO RECINTO NERD!

E HOJE É O FIM DO MUNDO!



Eu escrevi essa crônica por causa de um livro colaborativo, e é claro que não ganhei. Só que eu agarantcho que é uma boa história! E chega de pontos de exclamação.

A Chuva e o Sol

Cinquenta e sete minutos.

Eu já estava parado em frente ao computador faz um tempo. 

Que e-mail imbecil. Fim do mundo? Quem é que acredita nisso hoje em dia? Parece que as pessoas precisam acreditar no apocalipse. Como dizem, o fim do mundo é pop. 

Cinquenta e seis minutos. 

Fico imaginando. Depois de 2012, qual será a data profética da moda? Qual será a data que as civilizações milenares escolheram? Qual será o ano que Nostradamus disse que o mundo ia acabar? Mas eu não vou cair nessa, não senhor. Pode anotar isso, ou meu nome não é Júlio. 

Cinquenta e cinco minutos.

Levantei para beber uma água. Esse tipo de coisa me deixa estressado. Quantas vezes ouvi que o fim dos tempos estava chegando? Sobrevivi ao Rock in Rio. Sobrevivi a 1999. Óbvio que vou sobreviver a 2012.

Cinquenta e dois minutos.

Meus pensamentos focaram no Natal. Novamente, ia passar essa data sozinho. Assim como os últimos três anos. Mas não me importava mais. Já estava acostumado. Meus pais morreram faz cinco anos, e terminei com minha namorada faz quatro. Eu não a amava. Aliás, não me lembro de ter amado ninguém na minha vida. 

Cinquenta minutos. 

Voltei ao computador. O e-mail me encarou quando me sentei. Quem é o idiota que fica mandando essas mensagens? Não tem nada melhor a fazer? Deve ser um desses pivetes que acham que são donos do mundo. Chequei o e-mail novamente. Ele veio de uma firma de construções que eu era cliente faz uns anos... cujo escritório estava a uns dez minutos da minha casa. Tentei voltar aos meus afazeres, mas o e-mail continuava lá.

Quarenta e oito minutos.

Chega. Hora de ter uma conversa com esse engraçadinho. Quem ele pensa que é? Isso não vai acabar assim. Me levantei do computador e fui em direção ao elevador.

Quarenta e seis minutos. 

Droga de elevador. Droga de família que atrasa os outros. Será que eles não tem consideração pelas outras pessoas? Acham que são os donos do mundo. Bem, talvez o fim dos tempos devesse chegar para eles. Comecei a andar mais rápido. O babaca do e-mail ia ver. Ele ia ouvir muito. Quem é que faz essas brincadeiras e acha engraçado? 

Quarenta minutos. 

Até que não demorei tanto. No entanto, havia um problema. O prédio tinha um porteiro eletrônico. Droga. Queria chegar de surpresa no escritório. Mas que se dane. Disquei o número.

- Alô? - Disse uma voz feminina. Um pouco trêmula, mas eu não tinha me importado com isso na hora. 

- É você que fica mandando e-mails sem graça para outras pessoas?

- Aposto que ela não esperava por isso. Quem fica aprontando brincadeiras de mau gosto nunca espera retorno. 

- Q-Quem é você? Você recebeu o e-mail? 

- Claro que recebi o e-mail, cacete! Eu vim aqui tirar satisfação! Abre esse portão para termos uma conversa, sua babaca!

A voz ficou em silêncio.

Trinta e oito minutos.

O portão abriu. Hora do show.

 rinta e sete minutos. No elevador, fiquei pensando. Não esperava que fosse uma mulher. Achava que seria um pivete que se achava a última bolacha do pacote. Nem pra isso essa vaca fez as coisas direito. 

Trinta e seis minutos.

Toquei a campainha. Já estava preparado para gritar, quando a porta se abriu e eu fiquei paralisado. A mulher que abriu a porta era jovem, de uns 25 anos, talvez, e tinha longos cabelos negros, que chegavam até a cintura. Aliás, uma bela cintura. E belos quadris, descendo um pouco mais a visão. Ela vestia uma camisa social branca e uma saia escura, que descia até os calcanhares. De fato, tinha um belo corpo. Voltei a visão para o rosto. Ela tinha lábios pequenos, assim como seu nariz, um pouco arrebitado. Mas foram os seus olhos que me paralisaram. Eram olhos grandes, de um verde incrível. E, sob os olhos, havia maquiagem borrada. Ela estava chorando.

- Então? Não vai fazer nada, valentão? Vamos, grite comigo! Anda! Eu mereço, faça alguma coisa!

- Disse ela, me encarando com aqueles olhos verdes. Malditos olhos verdes.

- E-eu... - Excelente. Que modo de lidar com as situações, Júlio. Você não ia gritar com ela? Pois bem, faça como a moça disse. - Veja bem, você... - Eu não conseguia. Na minha mente, ela tentaria dar uma de esperta para cima de mim. Não ficaria omissa, esperando o esporro. Ela me fitou por mais uns segundos, e voltou para o escritório, fechando a porta com um estrondo arrebatador. Depois do trovão que a porta fez, o silêncio. E soluços do outro lado dela. 

Trinta e cinco minutos.

Abri lentamente a porta. Ela estava sentada no sofá, com o rosto nas mãos. Sentei-me ao lado dela. 

- O que você quer, afinal? - Começou ela, com a voz abafada pelas mãos que cobriam a face. 

- Foi... foi você que enviou o e-mail? 

- Sim. Eu recebi de uma outra pessoa, e precisava passar para alguém. Seu e-mail estava no cadastro, acho. Apenas digitei umas letras aleatórias e o computador me mostrou seu e-mail. - Ela tirou as mãos do rosto e olhou para mim. - Me desculpe. Juro que não queria fazer mal, apenas... apenas precisava... fazer alguma coisa. - Ela voltou a afundar o rosto nas palmas das mãos. 

- Você acredita no fim do mundo? 

- Como eu não poderia? Você leu o mesmo que eu. Eu não sabia o que acreditar agora. Continuava achando uma baboseira, mas a ideia ia penetrando lentamente no meu cérebro. O fim dos tempos...

Trinta e três minutos. 

- Sabe... eu nunca fiz nada de útil na minha vida. - Ela tirou novamente o rosto das mãos e passou a fitar a tela do computador, como se todas a sua vida estivesse passando pelo monitor. - Nunca me apaixonei... nunca fiz nada de especial. Só estudei, passei na faculdade, e parei aqui. Meus pais sempre me deram tudo que eu precisava, nunca lutei por nada. Nunca dei valor a nada. Gastei minha vida à toa.

Nós dois ficamos quietos. Incrível como, revendo toda a minha vida, eu também nunca fiz nada de especial. Namorei sem amar. O mundo não me conhecia. 

Trinta minutos. 

Não. Deve haver algo. Algo que faça com que minha vida tenha sentido. Algo que mostre que minha existência mudou o mundo de algum jeito. Comecei a repensar toda a minha vida. Em algum lugar, em algum momento, eu devo ter feito algo. Algo especial. Algo significativo. Não posso ter gastado minha vida à toa.

Vinte e seis minutos.

A luz do fadado mundo lá fora banhava palidamente a sala. A luz do sol. O sol. É isso. Sempre me senti bem com o sol. Não tenho como explicar, apenas gosto dele. Seu calor, seu início, seu fim. Talvez ele me dê as respostas. Talvez seja tudo que eu preciso.

- Qual é o seu nome mesmo? - Disse enquanto me levantava do sofá. 

- Sophia. - Ela olhou para mim. - O que está fazendo?

- Sou o Júlio. Venha. Tenho uma ideia. Vamos ver o sol. 

- O quê? 

- Olha, eu não sei como explicar, mas venha comigo, por favor. Eu preciso ver o sol. Ele sempre me fez sentir bem. E é tudo que eu quero agora. Talvez eu encontre um significado para nossas vidas, não sei. Mas eu preciso tentar. 

- Mas...

- Venha logo, por favor! - Supliquei. Ela olhou para mim, com um ar de piedade nos olhos. Então me acompanhou. Entramos no elevador e fomos direto ao terraço. Precisava de uma visão clara do céu. Precisava do sol. Por favor, me dê respostas. 

Vinte e quatro minutos. 

As gotas pingavam no meu nariz.

- Eu... sinto muito. - Ela disse, se aproximando de mim. - Sei que no início não dá pra perceber de dentro do escritório se está chovendo ou não, mas eu já estou lá faz alguns anos. Sabia que estava chovendo. Sinto muito. 

- He... hehe... heheha... hahaa... HAHAHA! - Desatei a rir como um maníaco. Sophia não me acompanhou, ficando apenas olhando para mim. Como ela não estava vendo a graça na situação? Eu coloquei todas as minhas esperanças em algo que eu não tinha controle nenhum. Eu devo ser um idiota mesmo. 

Um idiota que vai morrer.

Meu Deus, eu vou morrer. 

Não percebi que tinha caído de joelhos. Não percebi as lágrimas no meu rosto, confundidas com a chuva que caía incessantemente. Eu ia morrer. Nunca fiz nada de especial, gastei toda a minha existência.

Entrei em desespero.

Vinte e dois minutos.

Gastei minha passagem na Terra. Eu vou morrer. 

Vinte minutos.

É isso? É assim que tudo acaba? Apenas mais um a viver, um entre sete bilhões que iriam encontrar seu fim?  

Dezoito minutos. 

Patético. Eu sou patético.

Quatorze minutos.

Eu vou morrer.

Doze minutos. 

Nunca fui um homem da Igreja. Não me lembro da última vez que rezei. Mas Deus, por favor, me dê uma luz. Me mostre que minha vida não foi em vão. Por favor. Por favor, me dê um sinal.

Dez minutos.

De repente, a luz. Parou de chover. O sol se abria em um pequeno espaço naquele mar de nuves, que se fastavam. É um belo jeito de morrer, não? No mínimo eu morro com o sol. O Sol.

Sentia como se houvesse um pensamento querendo ser notado. Como se houvesse um baú, e ele estivesse gritando para sair de lá. Hora de abrir o baú. 

Quatro minutos. 

É isso. Olhei para Sophia. Não percebi que ela ainda estava do meu lado, abraçada ao meu braço e fitando o chão.

É agora. É hora do tudo ou nada. 

- Sophia? - Disse, fazendo-a levantar.

- O quê? - Ela respondeu, com uma fisionomia derrotista. Precisava salvá-la. Precisava que ela visse o mesmo do que eu. 

- Veja, acho que... vi um sentido em nossas vidas.

- O quê? Como assim?

- Encontrei um sentido em nossas vidas. Algo de especial. 

- Mas eu já disse, nada ocorreu comigo. Você não me conhece. Não sabe o que aconteceu comigo. Acredite, eu apenas existi. Não vivi. 

- Isso é estúpido. Até pouco tempo atrás eu também acreditava nisso, mas veja! Não importa o que tenhamos feito, não importa se mudamos a forma de pensar do planeta ou apenas passamos na faculdade. Nossas vidas, todas as vidas, tiveram algo de especial, algo que tenha feito tudo valer a pena.

- Você está maluco.

Três minutos. 

- Não! Você apenas está tentando pensar em coisas grandes. Pensando que apenas vidas como a de Gandhi ou a de Einstein valeram a pena. Pense em coisas pequenas. Pense em pequenas conquistas. Ter visto seu time ser campeão, ter beijado pela primeira vez, ter passado um segundo, que seja, com a pessoa especial ao seu lado. São esses momentos que nos fazem sentir vivos, pequenos momentos. O que importa é o que compartilhamos. 

- Ainda não entendo. 

- Veja! Há um momento em que você se sentiu feliz? Um momento que tocou a vida de outra pessoa? Pois são esses momentos que fazem a vida valer a pena! Esses pequenos momentos, que juntos se tornam algo muito maior do que tudo. Não importa o mundo, que se dane o mundo e o fim dele. O que importa são as outras pessoas. O mundo delas. Se passamos um momento especial com elas, por menor que seja, vale a pena. Pare de pensar em termos gigantescos, quase impossíveis de se realizar. Pense nas pequenas coisas, no aqui e agora. E o que eu quero no aqui e agora é que você entenda o que estou tentando passar. Pois nesse momento, você é o único mundo que importa para mim. Eu nunca amei, e não sei descrever o sentimento. Talvez o que eu sinta não seja amor. No entanto, saiba, que nada agora é mais importante para mim do que você. Eu preciso que você entenda. É o único mundo que eu quero mudar.

Ela ficou em silêncio.

Quase podia ver as engrenagens girarem atrás da testa dela. 

Dois minutos. 

Silêncio.

Um minuto.

De repente, eu vi compreensão nos olhos dela. Ela sorriu. Foi apenas um relance, pois em seguida eu só estava pensando em como os lábios dela eram macios.

Cinquenta segundos.

Um abraço. Um abraço tão apertado, quase parecíamos um. Sua língua era doce.

Quarenta segundos. Minhas mãos passavam pelos seus cabelos. 

Trinta segundos. Paramos para nos encarar. Seus olhos verdes. Continuamos o beijo.

Quinze segundos.

Como ela era linda. 

Meu Deus, como ela era linda. 

Zero.

sábado, 1 de dezembro de 2012

As Crônicas de Ona parte 5 - O fim

Sim, eu sei. Demorei muito mais do que o prometido. Por isso, me sinto na necessidade de me desculpar.

A questão é que eu queria que essa crônica fosse a minha melhor até agora. As crônicas de Ona me fizeram querer escrever e finalmente moldar mundos que estavam na minha cabeça há anos, e por isso quis que fosse a melhor coisa que já escrevi. Não sei se isso ocorreu ou não, apenas vocês poderão decidir.

Sei que isso não é motivo nem nada, já que eu disse que entregaria o final antes.

Agora vamos lá.

AS CRÔNICAS DE ONA

Parte 5: Fim.

Dor.

Ainda estava escuro. Parecia que sempre esteve escuro. As trevas abraçavam Ona com tal intensidade que pareciam uma manta, oprimindo-o de todas as sensações. Exceto a dor. A sentia em cada parte do corpo. Corpo. Que corpo? O que era isso? Parecia fazer tanto tempo desde que teve um.

E então veio o calor. Há mil anos atrás era dia, não era? Ou era noite? O que havia acontecido? Só lembrava de... não, não conseguia se lembrar. Apenas a dor, o calor e a escuridão. Estavam com ele desde sempre, não estavam?

Eis que a pressão chegou. Havia algo em cima dele. Vários algos. Ele se lembrou que tinha um corpo. Tentou se mover, se lembrava vagamente de como era isso. Só que não conseguia. Não podia.

Estava enterrado vivo.

Esse pensamento surgiu como um clarão na escuridão eterna. E com ele veio o pânico. O pânico lutou acirradamente com as trevas, encobrindo a dor e o calor, mas não a pressão, essa continuava lá. Só que o pânico conseguiu vencer as trevas, sugando o garoto de volta ao mundo exterior.

Ona abriu os olhos.

A primeira coisa que viu não fez muito sentido para ele. Sua visão estava semi-encoberta por destroços da carroça, mas via uma impressionante quantidade de orcs sentados em semi-círculo, bem distantes dele, e uma espécie de palco no centro. Não conseguia ver o que estava na frente deles devido a um pedaço desagradável de madeira, mas via Lisa sentada no chão, mantida presa por um orc. Tentou virar o rosto para ver melhor, percebendo o sangue em seu rosto, e percebeu Tony e Marcus na mesma posição. Lisa estava surpreendentemente ilesa, mas Tony tinha um grande ferimento na testa, empapada de sangue, e Marcus segurava um braço que pingava vermelho. Todos tinham correntes grossas penduradas no pescoço, seguradas por seus captores.

Ona se perguntou onde estava Loretta, e parecia que um dos monstros o ouviu, pois um orc entrou no seu campo de visão, arrastando a arqueira. Ela também parecia ilesa, mas o seu captor a colocou ajoelhada em frente a bizarra platéia, amarrada pelos pulsos e pelos tornozelos. Aquilo parecia estranhamente familiar a Ona, como se ele já tivesse lido sobre algo assim. O orc captor começou a falar uma série de dizeres na língua dele, enquanto os outros repetiam uma mesma palavra.

Sh'akahar.

O sangue de Ona gelou, até mesmo o que estava do lado de fora de seu corpo. Sh'akahar era o nome orc para execução. Só que a execução orc não era limpa, nem simples. Consistia em uma série de tortura antes do condenado pedir a morte. Caso isso não ocorresse...

Ona sabia, em seu âmago, que Loretta jamais pediria a morte. Seu orgulho tomaria conta de seu corpo, a única coisa que a manteria em um pedaço durante a tortura. Só que, quando o processo do Sh'akahar era estendido, pedaços eram retirados. Ona tentou se mover, mas os destroços da carroça eram muito pesados, e o prendiam firmemente ao chão. Talvez tenha sido por isso que não o tinham achado. Uma benção e uma maldição ao mesmo tempo.

Ele se virou aterrorizado para o semi-círculo, enquanto o executor e torturador, chamado de Akahar, retirava uma faca do bolso. Ele a colocou na garganta de Loretta, segurando-a pelos cabelos. Resmungou algumas palavras em seu ouvido, que Ona não escutou, mas conseguiu ver o cuspe que ela soltou em cima do monstro. Revoltado, ele a socou, jogando seu rosto ao chão com uma velocidade absurda. De onde estava, Ona conseguiu ver o sangue dela voando.

A platéia começou a xingar e a bater os pés. O Akahar se prostrou em cima dela, e bateu sua cabeça no chão. A levantou pelos cabelos, e voltou a colocá-la de joelhos. Pegou uma faca, alisou-a, e a abaixou, cortando o ombro de Loretta.

Ela não fez nenhum som, mas Ona tentou desesperadamente se mover, parando quando os destroços pareciam desabar. Ele olhou, imponente, enquanto o Akahar colocou a lâmina inteira da faca, no corte de Loretta. Sangue espirrou, mas ela ainda não fazia nenhum som.

Ele sentiu a fúria correr por seu corpo, enquanto tentava se libertar em vão. Daria qualquer coisa para salvar Loretta, qualquer coisa...

 - Ona. - disse uma voz ao seu lado.

Se ele não estivesse coberto por quilos de destroços, Ona poderia jurar que tinha saltado meio metro. Virou rapidamente o pescoço, e viu Ankho ao seu lado, ajoelhado atrás do ninho de destruição que aprisionava o garoto.

Ele rapidamente transmitiu a raiva que sentia dos orcs para Ankho.

 - Você.

 - Sim. Ouvi uma explosão, e vim aqui conferir.

 - Ah, que ótimo. Talvez isso não tivesse acontecido se você tivesse vindo me procurar.

Ankho ficou visivelmente encabulado, e virou seu rosto para baixo.

 - Sim, eu sei. Ona, você é a manifestação de todos os meus erros. Eu poderia me desculpar o tempo todo, mas - ele olhou para o garoto, com uma expressão mais dura no rosto. - temos coisas mais importantes para nos preocuparmos agora.

 Ona concordou lentamente com a cabeça. Por mais que não aguentasse ficar perto do guerreiro, sabia que tinham que salvar os outros o mais rápido possível. Ankho levantou a cabeça e olhou para o Sh'akahar, observando a platéia, o torturador, e os outros. Sua expressão ficava mais sombria a cada instante.

Finalmente ele quebrou o silêncio.

 - Eu tenho um plano, mas você não irá gostar dele.

 - Diga.

Ankho se virou para ele. - Preste atenção. Tenho um pouco de explosivo comigo. Eu posso correr e me livrar do torturador e dos outros captores, mas há uma grande quantidade de orcs prontas para me matar no instante que perceberem. Eu poderia carregar o explosivo até eles, mas assim que perceberem que estou o segurando, vão se dispersar e talvez o dano não seja tão eficiente. Por isso, vou te dar a bomba, e seguirei na sua frente até chegarmos no meio deles. Ela deve explodir nesse momento.

Ona pensou no plano. Parecia fazer sentido, mas... - A bomba quando explodir deve nos acertar também.

Pela cara de Ankho, ele sabia. Ona gelou.

 - O quê? Esse é o seu grande plano?

 - O melhor que tenho. Eles não podem saber da bomba, e te cobrirei até chegarmos no meio deles. Se formos rápidos o suficiente, eles não te perceberão.

 - Ah, agora você quer minha ajuda? Você destruiu minha cidade e agora quer me mandar para o sacrifício?

 - Ona. - Ankho se aproximou dele. - Nada que eu possa fazer vai me perdoar por Aikon. Sei que trazê-lo para isso não é o certo, mas é o único jeito. Esses orcs provavelmente vão torturá-los, matá-los, e depois correr para a prisão. Se derrotarmos eles aqui, podemos garantir paz por mais tempo. Não é muito, mas é o que me disponho a fazer pelo que aconteceu em Aikon. Posso fazer sem você, mas talvez não funcione. Por isso te peço ajuda.

Ona olhou para ele. Olhou para seus olhos. Só havia dor. Ele percebeu que Aikon queria morrer assim, nem que isso jamais o perdoasse por ter abandonado sua cidade. Ele não conseguia mais viver pelo remorso.

Então Ona perdoou Aikon.

 - Certo. - Ele engoliu seco. - Vamos.

Ankho retirou lentamente os destroços que estavam em cima dele, e Ona rastejou até ficar atrás do guerreiro. Ele deu para o garoto a mesma argila negra que tinha começado a rebelião, no que pareciam ser anos no passado. Ona sentiu suas mãos tremendo, enquanto fitava o objeto como se as respostas da vida pudessem ser encontradas nas reentrâncias rudes que marcavam o relevo da bomba. Aquela era a hora. Ankho olhou mais uma vez para o cenário e se virou pela última vez para Ona.

 - Está pronto?

 - Sim.

Ona acendeu o pavio.

Aikon se levantou e começou a correr, com Ona em seu encalço. Os orcs pareciam não perceber sua investida, tão interessados na tortura. Ele tirou seus dois machados de arremesso das costas e arremessou contra os três captores de Lisa, Tony e Marcus. O primeiro machado arrancou a cabeça do captor de Lisa, enquanto o segundo cortou o pescoço dos outros dois, em um giro mortal. Os captores caíram, enquanto os prisioneiros ainda estavam em estupor. Ona olhou para eles. Tony e Marcus pareciam estupefatos demais para percebê-lo, mas Lisa o olhou nos olhos. Uma eternidade e um momento se passaram, e Ona quase desacelerou. Mas quando mil anos se passaram, se viu continuando correndo atrás de Ankho.

O pavio chegava na metade.

Os orcs pareciam não ter percebido a chegada do gigante, mas ele se fez aparecer com um movimento impiedoso, onde cortou no meio o Akahar. Sangue de orc espirrou, e a platéia se viu com um guerreiro de dois metros em cima deles. Começaram a correr, tentando se reorganizar. O elemento surpresa cavalgava novamente, levando Ankho e Ona pela última vez.

O pavio diminuía.

Ona passou por Loretta. Ela parecia em maus pedaços, mas olhou incrivelmente surpresa para Ankho. Percebeu por um milésimo de segundo a figura pequena de Ona correndo atrás dele, mas eles não chegaram a se entreolhar.

Ainda faltava muito do pavio? Ona nem se atrevia a olhar mais.

Alguns orc mais rápidos começavam a atirar flechas para o trem que era Ankho. Duas acertaram suas omoplatas, e outra perfurou seu joelho. Ele pareceu cambalear, mas continuou em frente. Mais flechas eram enviadas, e o corpo do guerreiro aguentava todas.

O pavio parecia que não acabaria nunca.

De repente estavam no meio dos monstros. Ankho saltou, e arrancou a cabeça de dois orcs em um único movimento. Mais flechas eram lançadas, e finalmente ele tombou.

Ona se viu no meio dos orcs. Tamanhos diferentes, armas diferentes. Só que todos estavam de repente olhando para ele. E todos olharam para a bomba.

Ele olhou para baixo. O pavio estava no fim. Obrigado.

E então o mundo explodiu.



Muito se falou sobre esse dia. Sobre como dois homens se lançaram à morte para defender honra, amigos, amantes. Sobre um ato que garantiu paz, o suficiente para humanos poderem se organizar e defender sozinhos suas terras. Sobre uma guilda de mercenários, que se mudou do deserto para lugares mais lucrativos. Sobre como um homem se viu diante de todos os seus erros, e lutou contra eles até o fim. Sobre o perdão entre duas pessoas que partilharam sentimentos de veneração, humildade, raiva e aceitação. E sobre um garoto que idealizava heróis, apenas para na derradeira hora, se tornar um.

Essas foram as crônicas de Ona.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

As Crônicas de Ona: parte 4

Sim, sim, foi um tempo.

Só que essa crônica foi remontada, refeita e reduzida. De fato, ela estava grande pra caraca, então decidi cortar em duas partes. Essa sexta sairá a última, completando o fim das crônicas de Ona.

Não, não chorem.

Apenas leiam.

AS CRÔNICA DE ONA

Parte 4: Procura


Loretta colocou as mãos sobre os olhos, protegendo-os do sol inclemente do deserto. Sua visão esquadrinhou atentamente o cenário, mas a única coisa que se destacava naquela imensidão laranja era a figura solitária de Tony, que saíra à frente para cobrir mais espaço. Loretta havia ficado na carroça, com Marcus e Lisa. 

Marcus começou a resmungar, confirmando novamente o fato de que era uma péssima companhia. 

 - Diga logo o que tem a dizer. - disse rispidamente a arqueira, lamentando pela terceira vez em dez minutos ter mandado o outro gêmeo ser o batedor.

 - Apenas acho que estamos perdendo tempo. Ona não pode ter ido tão longe. As pegadas que achamos não davam sinal de montarias. Há um limite que alguém pode percorrer a pé.

 - Você se surpreenderia o quão longe as pessoas podem ir quando querem sumir. - disse Loretta, observando Tony descer um morro e sumir de vista.

Haviam percebido o sumiço de Ona há três dias, quando Lisa havia achado suas pegadas naquela manhã, apontando para o norte.  Ela havia falado com os gêmeos, que comunicaram Ankho e Loretta. O guerreiro estava adormecido em um bar e não conseguiu ser acordado. Loretta, no entanto, surpreendentemente reuniu os três, e saiu em procura do garoto. Haviam seguido seus rastros até eles terminarem na noite do primeiro dia, quando o cenário abandonou a cor vermelha e voltou ao velho laranja, assim como os ventos.

Loretta havia baixado a mão, e tinha acabado de pegar as rédeas da carroça quando os gritos de Tony entrecruzaram o ar, atropelando o vento forte. 

 - Aqui! Achei! - Logo a pequena sombra dele voltou a aparecer, segurando outra sombra pelo ombro. - Ona está aqui!

Loretta chicoteou as montarias, forçando o trote rápido para chegar até os dois. Dentro da carroça, Marcus e Lisa se entreolhavam, inquietos.

Quando chegaram, encontraram Tony tentando dar água para Ona. Ele estava visivelmente desidratado, e havia tanta areia no roso dele que poderiam apostar que ele havia caído. Loretta desceu da carroça, e começou a cuidar dele.

Era tarde da noite quando Ona acordou. "Estou vivo?" foi a primeira coisa que pensou. Abriu as pálpebras lentamente, e demorou a focalizar Loretta, sentada ao seu lado, cortando algumas frutas. Demorou mais um pouco até perceber que estava deitado.

 - Vejo que acordou. - disse ela calmamente, passando a descascar uma laranja. Seu tom de voz fazia parecer que Ona tinha acabado de voltar de um passeio com o cachorro.

 - O que houve? - perguntou Ona, sentindo a garganta seca. A última coisa que se lembrava era de andar no deserto e desmaiar. 

 - Eu que te pergunto. Acordamos um dia e você não estava no acampamento. - Ela se inclinou, entregando um cantil para ele.

O garoto tomou vários goles, sentindo a garganta dolorida. Quando terminou, limpou a boca e respondeu: - ...foi Ankho. Ele --

--mostrou que é humano. - Completou a arqueira, fitando Ona. - Lisa viu tudo.

A raiva voltou a aquecê-lo no frio da noite. - Humano? Lisa te contou tudo o que aconteceu?

 - Sim. E eu compreendo o que está passando. Há alguns dias, eu descobri que o grupo que eu servi metade da vida era um bando de homens cruéis, lembra?

Ona gaguejou, e olhou timidamente para baixo, sentindo a raiva abandoná-lo e esfriá-lo. Não havia parado para pensar no que a revelação sobre a Guilda dos Mercenários havia causado em Loretta, nem por um instante.

 - Pelo visto se lembra. - Continuou. - Bem, foi mais ou menos o seu caso. Eu realmente não sabia o que fazer. Só que eu não fugi. Não desisti da vida. Você, sim. Acho que o seu problema... - se inclinou para mais perto, até que Ona pudesse se ver refletido no púrpura de seus olhos. - ...foi não aceitar que Ankho poderia cometer um erro.

 - Erro? Erro? O erro dele me custou tudo que eu tinha!

 - Não estou aqui para discutir isso. Estou aqui para informá-lo sobre seu problema de idolatria a humanos. Desde o início da viagem, você tratou Ankho como um deus. Vou te dizer uma coisa: nós humanos erramos. Você e muitas pessoas têm o problema em achar que seus ídolos são perfeitos. Que estão acima de nós. Sinto dizer, mas estão errados.

Ona ficou quieto, enquanto pensamentos ziguezagueavam em sua mente. - Espera então que eu o perdoe?

 - Pouco me importa se você o perdoar ou não. Isso não é problema meu, nem o motivo que fez você fugir. Fugiu por não aceitar que seu ídolo cometia erros. 

Por um tempo, o único som que os visitava era o crepitar do fogo.

 - Olhe, não é o fim do mundo. - disse Loretta, percebendo o olhar vazio de Ona. - Você passou tanto tempo à sombra de Ankho que não percebeu o quanto fez. Salvou Lisa, resgatou dezenas de prisioneiros, droga, você que atiçou essa rebelião! Lisa e os gêmeos ficaram preocupados com você, pois se tornou importante para eles. 

Ona ergueu os olhos, e finalmente percebeu as figuras de Tony, Marcus e Lisa na escuridão. Eis que de repente estava rubro.

 - Eu sei o que está passando. - Continuou a ex-mercenária. - Mas não são motivos para fugir. São apenas motivos para superar e seguir em frente. Pode parecer difícil, e acredite, é. Só que agora você não tem que fazer isso tudo sozinho. Tem pessoas que se importam contigo. - Loretta se levantou. - Devo muito a você e Ankho. Na minha hora mais negra, me fizeram ver um novo sentido. - Ela então foi até sua barraca. 

Ona olhou para os outros três. Tony estava sorrindo alegremente, como se nada tivesse acontecido. Marcus estava carrancudo, como sempre, claramente demonstrando que não iriam em busca dele novamente. E Lisa... Lisa dava o sorriso mais caloroso que ele se lembrava. E esse sorriso o fez esquecer sobre Ankho, nem que por um instante. Mas era tudo que precisava.

 - Vamos para casa. - Disse Ona, finalmente.

Os dias se passaram, e eram os melhores que ele se lembrava. O caminho de volta era composto de algazarra, piadas e conversas. Ona mal pensava em Ankho de dia, embora à noite ficava refletindo, olhando para o teto da barraca como se as respostas do universo estivessem contidas no linho escuro. Ficava assim por horas, e finalmente decidiu o que faria de agora em diante. No entanto, evitaria Ankho por enquanto.

Estavam perto da prisão na manhã do quinto dia. Ona, Lisa e Tony estavam dentro da carroça, enquanto Marcus e Loretta conduziam a carroça na parte da frente. 

Foi tudo muito rápido. 

Uma flecha passou zunindo do lado de fora, perfurando o interior do veículo. Os três pararam instantaneamente o que estavam fazendo, enquanto observavam o projétil. Eis que outro atravessou, acertando Tony no joelho.

 - LORETTA... - Tentou Ona, mas uma nuvem de morte acertou o veículo. Ele puxou uma pele mais próxima e tentou cobrir Lisa e Tony, mas o garoto estava muito longe. Outra flecha acertou o punho dele. 

A carroça então balançou, e um machado cortou o tecido, fazendo a luz do sol incidir como uma faca luminosa. Um orc se lançava contra eles, tentando pular no veículo. Havia barulhos de flechas. sendo atiradas. Tony se levantou e tentou acertar o atacante, mas o machado cortou seu antebraço, fazendo jorrar sangue por todo o interior. Ele nem teve a oportunidade de gritar. O orc o puxou para fora, e houve um som de explosão. A carroça girou várias vezes, enquanto Ona e Lisa eram jogados um contra o outro, até que outra explosão trouxe a escuridão.

sábado, 3 de novembro de 2012

A Disney comprou Star Wars, e agora?

Bem-vindos de volta, senhoras e senhores a mais um... PUTA QUE PARIU A DISNEY COMPROU A LUCASARTS!


Se você ainda não sabe disso, meu caro, sinto dizer que você é um eremita. Um ser sem conexão de internet, jornal, amigos ou família. Essa foi a maior notícia nerd desde... bem, desde que a Disney comprou a Marvel.

O que óbviamente, num site chamado de Recinto Nerd, me fez apagar todo o meu pensamento sobre um post novo e me fez parar aqui, desempoeirando meu velho robô que prediz o futuro para ver até onde vão as consequências dessa compra.

Primeiro de tudo, vamos aos fatos. A Disney e a LucasArts tem uma história de relacionamento antiga. De fato, vá até o Hollywood Studios em Orlando e entre no brinquedo horrível do Star Wars para ver o que estou falando. Ou vá ao show do Indiana Jones, que é infinitamente melhor. Até hoje eu odeio a garota que estava DO MEU LADO e que foi escolhida para fazer parte do show. A FILHA DA MÃE NÃO TINHA VISTO UM INDIANA JONES E EU TINHA VISTO TODOS OS FILMES, ONDE ESTÁ A JUSTIÇA UNIVERSAL?

...

Onde eu estava? Ah, sim, a compra.

Bem, os detalhes estão meio escassos, mas o que sabemos é que a empresa do rato comprou a LucasArts por 4 bilhões de dólares, obtendo tudo, tudo, TUDO que ela tinha direito. Isso inclui Indiana Jones, a Light & Magic, Grim Fandango, enfim, tudo.

Essa notícia veio do nada, fazendo com que nerds do mundo inteiro pedissem licença do trabalho para poderem meditar. Raios, eu não sabia o que pensar no início.

Sobre isso, a primeira coisa que me veio a cabeça depois de muita meditação é que Star Wars está tão na merda que só vale quatro Instagrams. A segunda coisa é para as pessoas se acalmarem, pois a Disney não é burra, porra. A terceira é que a Disney comprou a Marvel e as coisas não deram incrivelmente errado. As outras cinco coisas eu vou listar aqui de forma bonitinha para pararem de falar que eu sou desorganizado nos posts:

Filmes


Sim, seus vagabundos, TEREMOS UMA NOVA TRILOGIA DE STAR WARS. O que, para muitos nerds velhos, pode estar evocando o sentimento que os episódios I, II e III trouxeram. Ou seja, uma merda. Só que eu sou um nerd da nova geração, portanto vou dizer que estou extremamente animado com isso!

Star Wars tem história pra cacete pra aproveitar, e vão se foder quem diz que não tem. Temos toda uma gama de mitologia a ser aproveitada ou sumariamente ignorada. 

Indo para as especulações, podemos ver que obviamente os novos filmes se passam depois do episódio VI. Só que as aventuras de Luke e sua turminha já foram imensamente exploradas no Universo Expandido, e principalmente, foi escrita a chamada Trilogia de Thrawn, que contava os acontecimentos de cinco anos depois de Retorno de Jedi.

De fato, analisando o Universo Expandido, há muita coisa já determinada. Depois da Batalha de Endor, vieram as eras da Nova República, a Nova Era Jedi, a Segunda Guerra Civil Galática, e a Era do Legado, terminando 138 anos depois da destruição da primeira Estrela da Morte, com a criação do Triunvirato da Federação Galática numa tradução livre e porca.

Só que a Disney já se pronunciou e avisou que sua trilogia não será baseada na Trilogia de Thrawn, e que seria sobre histórias novas. O que pessoalmente eu prefiro, pois há muito a ser explorado em vez de adaptar outras coisas.

O que nos leva a duas vertentes: Ou a história se passará num futuro distante que não foi explorado, ou eles vão cagar na cabeça do universo expandido, o que afirmações dentro da Disney supostamente disseram que aconteceria.

E a última informação útil foi que, em 1980 George Lucas disse que essa trilogia contaria a história do único sobrevivente do episódio VI.

O que eu acho? Bão, há muita coisa maneira a ser aproveitada, de forma direta ou indireta na nova Trilogia. E mesmo que passem 150 anos, ainda há coisa maneira para aproveitar.

Na minha opinião, eu gostaria de um filme meio dark. Sim, eu sei que vocês vão dizer que a Disney não deixaria isso, mas me deixem ser feliz. É bom um início tenebroso para criar um clima maneiro que chega ao ápice no final da trilogia. 

E eu tenho certeza que, se eles colocarem Luke Skywalker nesses filmes, ele vai acabar colocando a máscara do Darth Vader. Aguardem.

O que me lembra que eles também compraram Indiana Jones, mas ninguém falou sobre isso, então que se dane. Só exilem o Shia Labeouf.

Animações

 

CHEGA DESSA PORRA DE GUERRA CLÔNICA, VIVA!!!!! (Embora o desenho acima fosse muito foda).

Caras, essa foi uma excelente notícia. Como eu disse, tem MUITA COISA para ser aproveitada do Universo Expandido. Então por quê não adotar o esquema DC e fazer animações fechadas de histórias clássicas?

Mesmo que você admita que depois do episódio VI nada mais será explorado, ainda tem muita coisa antes do episódio I. Temos antes da República, a Velha República e a ascenção do Império, contando cerca de VINTE MIL DE ANOS PARA EXPLORAR.

VINTE.

MIL.

ANOS.

Eu não tenho mais nada a falar depois disso.

Os videogames

Wallpapers Darksiders Ii Star Wars Video Game Top   1280x1024

Sim, não vamos nos esquecer que a Disney comprou a divisão de jogos. E, segundo informações internas, eles devem se concentrar mais em jogos sociais do que hardcore.

FUCK. FUCK. FUCK THE FLYING FUCK.

Enfim, pelo menos agora a Disney detém os direitos de Star Wars, o que deve possibilitar outros estúdios, tipo a Junction Point, de Epic Mickey, fazer jogos da franquia. 

E muita gente tem falado de aparições desse universo em Kingdom Hearts, que mistura Disney e Square Enix. Bem, sinceramente acho improvável, pois a Marvel foi comprada há um tempão e nem uma cabeça de Homem-Aranha apareceu nos jogos.

Acho que o pensamento de sabres de luz em forma de Keyblades é muito grande para certas pessoas.

A Marvel


Não, os Guardiões da Galáxia não vão encontrar Darth Vader. É mais uma mudança editorial pesada nos quadrinhos de Star Wars (sim, eles existem).

A questão é que os quadrinhos são publicados pela editora Dark Horse, e muito provavelmente esses direitos devem passar para a Marvel. Não foi dito muita coisa sobre isso, pois os detalhes ainda estão bastante vagos, mas talvez haja mudança de times criativos, ou um reboot das histórias.

E parem de insistir que Han Solo esteja nos Vingadores!

GEORGE LUCAS VAI SAIR


As seguintes declarações serão feitas em Caps Lock, por motivos de histeria nerd. Favor ter paciência.

AEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE, PORRAAAAAAAAAAAA! FODA-SE VOCÊ, SEU GORDO. LEVE SEUS QUATRO BILHÕES DE DÓLARES PARA LONGE DA FRANQUIA! PARE DE MODIFICAR SEUS FILMES, SEU INDECISO DE MERDA! SE A DISNEY ME COBRAR 100 DOLETAS PELO BLU-RAY DAS VERSÕES ORIGINAIS DOS FILMES EU PAGO, PORQUE AGORA NÃO VOU DAR DINHEIRO PRA VOCÊ! CHEGA DE TER QUE ATURAR SUA BUNDA GORDA NA CADEIRA DE DIRETOR! NADA PODE SER PIOR QUE A NOVA TRILOGIA. COMO É BOM SABER QUE VOCÊ NÃO TEM MAIS NADA A VER COM STAR WARS...

O quê, secretária? Estou no meio de uma histeria, pare de me interromper... Hein? Estou agindo que nem um imbecil? Chegou uma nova notícia? Ahn? George Lucas vai ser consultor da nova trilogia? Quê?

...

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

As crônicas de Ona: parte 3

BEM-VINDOS DE VOLTA A MAIS UMA CRÔNICA DO RECINTO NERD.


SEI O QUE VÃO DIZER. "Ai, você disse que teria um post por semana. Já fazem duas semanas que você não volta aqui. Seu imbecil."

SIM.

É A VIDA.

Agora voltemos à nossa programação normal.



AS CRÔNICAS DE ONA

Parte 3: Libertação



-T-Tenho mesmo que fazer isso? - Perguntou Ona, enquanto descia da carruagem, tremendo tanto que quase caiu no chão.

Estavam no alto de uma elevação no meio de Gohr, onde o alaranjado do cenário dava lugar a um vermelho mais forte. O pôr do sol no horizonte ajudava a pintar ainda mais o cenário, enquanto as sombras negras se esticavam.

Abaixo deles, havia um acampamento orc. Só que esse não era como o que haviam encontrado Ankho. Haviam paliçadas de madeira demarcando o território, e guardas patrulhando por dentro. Construções negras, como as que haviam servido de prisão para o bárbaro, se espalhavam pelo terreno, acompanhadas de habitações orcs, poços de água, sítios de trabalho forçado e celeiros. 

Estavam olhando para um centro de prisioneiros. Por todo o local, a noite se acomodava, e os humanos eram levados até as construções negras, que agora Ona sabia que se chamavam Tyah, que no idioma orc significava "casa humana". Desnecessário dizer que o humor orc não era o mais sofisticado.

 - Acho que é bem claro que só sobrou apenas uma função para você, garoto - Disse Loretta, enquanto separava aljavas e facas de dentro do veículo.

Por incrível que pareça, a idéia era de Ona. Segundo ele, o único modo de poderem atacar os orcs seria com um exército. E já que os mercenários eram obviamente uma carta fora do baralho, e ninguém fora do deserto iria ajudá-los. Só sobravam os prisioneiros que os orcs mantinham. Era uma jogada arriscada, pois não sabiam em que estado iriam encontrá-los, mas era a única chance que restavam.

O que Ona não esperava era que Loretta e Ankho fariam modificações em seu plano. Eles iriam atrair a atenção dos guardas, enquanto Ona se infiltrava na prisão e soltava os prisioneiros. Novamente, estavam apostando na surpresa dos orcs em serem atacados, o que até agora tinha sido uma excelente tática.

Loretta deu a Ona um embrulho em couro pardo. - Esse é um explosivo simples. É só acender o pavio que ele irá trabalhar. - O garoto iria explodir uma das prisões, e depois era apenas ficar de lado para a manada de prisioneiros passar. Ele precisaria ser rápido, pois Ankho disse que não aguentariam todos os guardas em cima deles por muito tempo. Haviam escolhido a noite, pois os prisioneiros iriam estar nos Tyah, e os guardas não se preocupariam muito com eles depois disso.

 - Vamos indo. Seja rápido, garoto. - disse Ankho. Sem mais uma palavra, ele e Loretta começaram a descer a elevação. Ona ficou parado, enquanto eles se encaminhavam para o outro canto do campo de prisioneiros. Depois de um tempo, começou a descer, se segurando nas rochas para não cair e estragar tudo. Essa era a hora de começar a fazer alguma coisa, pensou.

Quando chegou na base da elevação, ficou atrás de uma formação rochosa e esperou. Pensou em sua cidade, em sua família, em seus amigos, mortos sem chance de defesa. Pensou em Ankho e Loretta, que se encaminhavam para fazer mais um feito impossível. Pensou nos prisioneiros, em sua chance de salvação. E pensou nos mercenários, malditos sejam.

Subitamente, barulhos de batalha se propagaram do outro canto do cenário. Os orcs mais próximos levantaram a cabeça e fitaram a fonte do som, quando explosões começaram a pipocar. Os monstros desataram a correr para a origem da confusão. Bem, pensou Ona, era agora ou nunca. 

Ele saiu de onde estava escondido e começou a andar, com bastante cuidado para não atrair nenhum som. Depois de alguns minutos de pura tensão, avistou uma Tyah, negra como a noite que se aproximava. Ona olhou para os lados, mas as duas únicas coisas que se moviam fora da construção eram a palha das construções e as montariam mais adiante. 

Já dentro da construção, duas dúzias de humanos se acotovelavam para tentar ver o que estava acontecendo. Um garoto de cabelo verde, alto e magro, com um rosto fino e alongado, o viu.

 - Ei, você! Aqui! Aqui! - falou, acenando para Ona. Os outros prisioneiros o notaram também, e começaram a se agitar.

Ona correu os metros que faltavam, e tirou o embrulho do couro. Ele era rústico e feio, mais parecendo uma massa de argila negra do que um explosivo, com um longo pavio se estendendo de seu centro. Ona colocou-o na grade da porta por dentro, e se virou para os prisioneiros. Um garoto igual ao que o havia chamado, com cabelo roxo, estava com o rosto fora das grades, olhando-o com agitação.

 - Vá para trás! Isso vai explodir! - Disse Ona, alarmado. Os prisioneiros sem pestanejar correram para o fundo, enquanto Ona tirava um fósforo de suas mãos trêmulas. - Vamos, vamos, vamos - repetiu, enquanto forçava o fósforo contra a argila negra. Ele acendeu, quase caindo das mãos de Ona, que o jogou no pavio. O fogo o alcançou, e começou a subir correndo a corda.

Ona saiu correndo, enquanto a explosão arrebentava a grade do portão, jogando-o para onde ele estava há minutos atrás. Os prisioneiros desataram a correr, alguns indo para as outras prisões, e outros se encaminhando para a batalha. Os gêmeos foram até Ona, e o levantaram.

 - Parabéns, rapaz. Devemos a você nossas vidas. - disse o de cabelo verde.

 - N-n-não foi nada. - gaguejou Ona.

 - Claro que foi. Deixe de ser imbecil. - disse o de cabelo roxo.

 - Marcus, pare de ser um canalha. Ele acabou de nos salvar.

 - Eu não estou fazendo nada, Tony! Só estou comentando.

 - E-escutem. - disse Ona. - Uns amigos meus estão lutando contra todos os guardas agora. Vocês precisam ajudar. Temos que libertar todos os prisioneiros.

 - Por quê não disse isso antes? - disse Tony. - Para a glória, irmão?

 - Para a glória. - respondeu Marcus. Os dois se viraram e começaram a correr para a escuridão.

Ona foi deixado, sozinho. Os prisioneiros haviam sumido. Ele se encaminhou até o edifício negro, se sentindo cansado como nunca. Nenhum orc iria nessa hora para Tyah.

Ele entrou na construção, cujo interior estava tão escuro quanto a cor dela. Ona sentou em uma cama, cansado demais para pensar, sentindo a adrenalina abandonar seu corpo. 

Demorou um pouco para perceber os grandes olhos verdes que olhavam em sua direção. 

Ele caiu da cama, se arrastando para longe dos olhos. Seus próprios globos oculares demoraram um pouco mais para se acostumar ao cenário, percebendo que havia uma garota olhando-o com atenção.

Ela tinha longos cabelos vermelhos, que desciam até seus quadris. Seu rosto era pequeno e com traços finos, com sardas se amontoando nas maçãs. Seus olhos, como já foi dito, eram grandes e quase não piscavam. Ela era bastante pequena, embora aparentasse ter uns quinze anos. 

- O-oi. - disse Ona. É necessário um adendo nessa crônica, embora alguns já tenham percebido. Ona tinha uma habilidade mínima na arte de interação com mulheres. - M-meu nome é Ona, e o seu?

A garota não respondeu, apenas apontou para sua boca, e fez um gesto negativo com a mão. Ele percebeu o que havia acontecido. Histórias de orcs que cortavam a língua de pessoas com belas vozes assombravam o deserto.

Enquanto Ona se sensibilizava, a garota pegou um pedaço de pedra do chão e começou a escrever na parede. Seu nome era Lisa. Mal havia acabado de escrever, uma sombra se estendeu no chão, e ela olhou apavorada para a porta. Ona se virou, e seu coração pareceu parar.

Um orc se agigantava onde a grade do portão estava há alguns minutos. Ele estava coberto de ferimentos, mas ainda era um monstro. E era necessário olhar para a situação. Era um ser verde gigante contra uma garota e um garoto, que não tinham nenhuma arma. Já o orc parecia não acreditar em batalhas niveladas, e tirou lentamente seu machado das costas. 

Ona ficou no chão onde estava, tremendo descontroladamente. Lisa olhou-o, e pegou a pedra com que havia escrito seu nome no que parecia agora ser outra vida, e jogou contra o monstro. O projétil o acertou em um dos olhos, e ele segurou o rosto, ajoelhando e agonizando. A garota então correu contra ele, e tentou puxar a faca que estava no tornozelo verde da besta. 

Só que ela não era Ankho, Loretta, nem mesmo uma guerreira treinada. O orc percebeu suas tentativas desajeitadas de desarmá-lo e, com um movimento do braço, a jogou contra a parede mais próxima. Um som surdo ecoou pela construção quando a cabeça de Lisa se chocou contra a rocha bruta. No entanto, alguma coisa selvagem parecia ter nascido nela, que se levantou rapidamente, com o crânio encharcado de sangue. Ela correu novamente contra o orc, mas esse já havia levantado. Ele a acertou com o cabo do machado, e quando ela caiu, pisou em seu corpo. Ona ouviu costelas se partindo, enquanto Lisa deixava escapar sangue pela boca. O monstro levantou sua arma, se preparando para o golpe final. 

De repente Ona estava pulando em cima do orc. Se isso pareceu ter vindo do nada, Ona também achava. Ele não sabia o que havia passado em sua cabeça exatamente, mas se lembrava de pensamentos que passavam como raios em sua mente. O fato de que ele era um covarde, e até agora não havia lutado contra os monstros que haviam chacinado sua cidade. Sua vontade de fazer algo que contasse na luta que havia decidido lutar. A determinação de não ver mais ninguém morrer, depois de tudo que havia visto. Ele querer ser mais parecido com Ankho, seu herói. O fato de que, bem, Lisa era uma garota. E ela o havia protegido, enquanto ele jazia colado ao chão.

De qualquer forma, agora Ona estava em cima do orc. Agarrado ao seu ombro, ele olhou para o rosto do monstro. Uma perplexidade misturada com loucura violenta passava pelas feições da criatura. Só que suas feições mostravam um olho ferido. Ona, sem pensar, enfiou o punho naquele lugar. 

Se era nojento para Ona, era doloroso para o orc. Ele se agitou descontroladamente, jogando Ona para o chão. Era bem mais doloroso do que parecia, mas a adrenalina já estava a mil. Ele se levantou, e tentou pegar a faca da criatura. O orc, furioso, chutou-o no rosto, fazendo o garoto desmaiar por alguns centésimos de segundo. Quando acordou, sentia o sangue quente por todo o rosto e por dentro da boca, e seu nariz definitivamente estava quebrado, assim como um dente. Ona cuspiu vermelho, segurando a cartilagem com força, enquanto forçava os olhos a se abrirem para ver seu atacante. Só que seu campo de visão foi tapado por Lisa, que segurava sua mão e o levava até o fundo do Tyah. 

O monstro ficou louco, e se levantou para procurar os dois malditos humanos que em breve sofreriam uma morte violenta. A falta do olho o prejudicava seriamente naquele ambiente negro, mas havia seu faro. Ele cheirou o ar, sentiu o sangue humano e se movimentou lentamente para onde os dois estavam. 

Ona não tinha mais nada. Não adiantava se aproximar dele agora, seria suicídio. Ele olhou para Lisa, que parecia concordar com ele, e ambos ficaram esperando a morte. 

A sombra do orc os alcançou, e logo atrás dela havia o monstro, que olhou para baixo, sorrindo loucamente. Ele levantou o machado, e Ona abraçou Lisa. Desculpa, pai, mãe, Aikon, pensou. Não consegui vingá-los.

Ele fechou os olhos, e um jato de sangue quente alcançou seu rosto. Estranho, pensou. Esse sangue não tinha vindo dele nem de Lisa. Abriu os olhos, olhando para cima. O orc estava trespassado por duas  espadas, portada por Tony e Marcus.

 - Bem. - disse o gêmeo de cabelo roxo, puxando a espada do corpo do orc. - Estamos quites.

Ona desmaiou sorrindo.

Algumas horas depois, Ona havia sido acordado e levado para um bar. A maioria das pessoas precisava de atendimento médico urgente, mas não havia muito o que fazer para curá-los sem os medicamentos necessários. Então os que portavam ferimentos mais urgentes eram tratados com o pouco que tinham, enquanto os outros comemoravam a liberdade, bebendo como se tivessem recebido uma nova vida.

Ankho e Loretta eram tratados como heróis. O bárbaro bebia baldes de cerveja atrás de baldes de cerveja, enquanto a ex-mercenária conversava com alguns líderes dos prisioneiros. Em outro lado do bar, Ona conversava com Tony, Marcus e Lisa. Tony era ranzinza, e costumava se gabar um bocado, mas era sincero. Marcus era mais animado, e considerava Ona uma espécie de herói. Já Lisa ficava fitando-o, bebendo cada palavra que ele dizia, enquanto contava sobre tudo que aconteceu até aquele momento.

Ona não estava acostumado com toda essa atenção. Tudo bem que apenas os prisioneiros do Tyah que ele explodiu o reconheciam, mas ainda sim era mais do que tinha tido na vida inteira. E ele estava gostando. Pela primeira vez desde que Aikon caiu, ele pode relaxar e aproveitar o momento.

Estava conversando com Marcus quando Ankho o chamou.

Eles foram até fora do bar, que tremia com o barulho que vinha de dentro. Ankho definitivamente estava bêbado, e parecia ter algo a falar com Ona. Lisa ficou observando-os de fora da janela.

 - Garoto. - começou Ankho, com a voz embolada. - Você até que fez um bom trabalho hoje.

 - O-obrigado. - respondeu Ona, sem jeito, mas ainda assim animado. Seu herói estava o parabenizando por um bom serviço heróico. Aquela noite não podia ficar melhor.

 - Aikon era uma cidade bastante bonita, não? 

Ona ficou quieto por algum tempo. - Era, era mesmo.

 - Sim. Era uma cidade bastante acolhedora. O povo me tratava com bastante carinho. 

A meia-noite chegava, e com ela vinha o frio e a escuridão. Ona não entendia aonde Ankho queria chegar, mas concordou com a cabeça.

 - Eu não sei se você sabe. Existem três culpados pela destruição de Aikon.

 - Três? Quem? Tem os mercenários, os orcs, mas quem mais seria o culpado? - Ele olhou confuso para Ankho, cujo rosto estava marcado pelo sofrimento.

O mundo parecia parar, e o tempo congelava. Ona lutava para entender, e ao mesmo tempo, para não entender. 

 - Você... o quê? - disse lentamente Ona. 

Ankho abaixou a cabeça. - Eu estava cansado. Da perseguição dos mercenários. De tudo. Então decidi me render aos orcs. Um grupo de arruaceiros como aquele não iria me vender para qualquer um, eles me tratariam como prêmio, e me manteriam vivo. Estaria livre de meus problemas. Foi um momento de fraqueza. Não imaginava que Aikon seria atacada tão rápido. 

 - Não.. isso não faz sentido. - A voz de Ona não tremia mais, mas ficava mais alta conforme as sílabas iam saindo.

 - Eu não pensei. Admito. Só que eu havia vivido a minha vida inteira lutando contra eles, sem sucesso. Não queria ficar em Aikon, com medo da cidade ser atacada por eles.

 - AH, PORQUE ISSO DEU MUITO CERTO NO FINAL, NÃO DEU? - Ona não percebeu que estava gritando. E isso pouco importava. Ankho deveria proteger Aikon. Deveria ser o herói supremo. Não era aquele que desistiria quando tudo estava ficando difícil. Ele deveria lutar, sempre.

 - Não vou pedir para você me perdoar. Apenas senti que...

 - POUCO ME IMPORTA. VOCÊ NÃO ENTENDE. A CARNIFICINA. MINHA FAMÍLIA.  MEUS AMIGOS. TODOS ESTÃO MORTOS, E O ÚNICO QUE NOS PROTEGIA DECIDIU DESISTIR, QUAL TAL UM COVARDE. VOCÊ DEVERIA SER DIFERENTE DE NÓS!

Ankho abaixou novamente a cabeça, e voltou ao bar. Ona ficou ali, espumando por alguns minutos. Depois disso, deu meia-volta e foi rumo à escuridão.

Na manhã seguinte, não havia sinal dele.

sábado, 13 de outubro de 2012

As Crônicas de Ona: parte 2

BEM-VINDOS DE VOLTA, SEUS VAGABUNDOS, A MAIS UMA CRÔNICA DO RECINTO NERD!


Sim, depois de meses na geladeira, voltei a escrever essa crônica. Algumas coisas mudaram na minha concepção original (especialmente a mudança no título), e eu poderia falar mais sobre isso, mas não aguento mais escrever e reescrever, então que se dane. Vão ler essa coisa logo!

Ah, e vocês podem ler a primeira parte aqui.


AS CRÔNICAS DE ONA

Parte 2: Plano.


O sol aquecia o deserto de forma implacável, e o cheiro dos orcs em decomposição envenenava o ambiente  rapidamente, mas Ona não percebia. Desde que sua cidade fora devastada, ele tinha apenas dois objetivos: resgatar Ankho e obter vingança. O primeiro objetivo estava completo, e ele se estendia diante dele.

Ankho era de fato uma figura imponente. Era gigante, de certa forma tinha uma fisionomia parecida com os orcs, visto que não era a definição dos músculos que importava, mas sim o tamanho deles. Uma barba longa e branca crescia, contrastando com seu cabelo raso. Usava uma calça e sapatos de couro, e duas fitas desse material faziam um xis em torno de seu peito. Seu corpo era marcado por cicatrizes e tatuagens de cores diversas, todas em forma de espiral, cujo significado Ona desconhecia.

Ona estava ajoelhado, enquanto Ankho se apoiava em um joelho apenas, com uma fisionomia cansada. De fato, parecia que o herói havia visto dias melhores. Sua barba estava revolta, seus lábios estavam secos e quebradiços, e uma série de novas feridas se espalhavam pela extensão de seu corpo. Enquanto observava, o garoto mal ouviu o que Loretta estava falando.

 - Vejo então que meu trabalho está feito. Posso confirmar que meu pagamento será contabilizado? - disse ela.

 - Ahn? Ah, sim, claro... - Afinal, ele tinha que agradecer à mercenária. Se não fosse por ela, nunca teria conseguido. De fato, o pagamento havia consumido quase a totalidade da riqueza do garoto, visto que ninguém mais aceitaria o trabalho, mas agora Ankho estava de volta...

 - Certo. - Loretta retirou uma flecha e a posicionou em seu arco. - Ankho, você está preso pelo Alto Conselho dos Mercenários.

 - O quê? - disse Ona, se levantando. Loretta rapidamente apontou a flecha para ele.

 - Não brinque, garoto. Considere-se feliz porque vou lhe dar uma carona para a Guilda. 

 - M-m-mas... - Ele estava em choque. Isso não fazia sentido, não devia estar acontencendo. Ele estava tão perto. Finalmente conseguiu encontrar Ankho, e agora isso? - Você não pode fazer isso!

 - Claro que posso. - Disse Loretta calmamente. - Meu trabalho com você está feito. Estou livre. E Ankho é um fugitivo. O Alto Conselho recomendou a cada mercenário da Guilda que, ao encontrá-lo, deveriam levá-lo à sede. - Ela olhou de relance para o guerreiro, que continuava no chão, respirando lentamente. - Faz anos que estamos o procurando.

 - Anos? Mas... isso não fazia sentido...

 - Heh.

Os dois mudaram sua atenção para Ankho, que havia resmungado. Ele se levantou lentamente, até se colocar na frente de Loretta. A mercenária deu um passo para atrás, tomando distância para o arco. Ankho era definitivamente gigantesco. Deveria bater a casa de dois metros com facilidade.

 - Diga-me. Você já questionou a força dos mercenários? - perguntou ele com uma voz grossa e lenta.

 - Bobagem. - respondeu Loretta. - Não há o que questionar. Os mercenários são o maior conjunto não-militar de Gohr. Nossa fortaleza nunca foi ameaçada por nada.

 - E você nunca perguntou o porque ainda termos orcs atacando cidades? Quer dizer, como você disse, temos força o suficiente. Por quê nunca fomos à base deles e expulsamos os desgraçados? Como eles ainda estão vivos se existe uma força tão gigantesca bem na borda do deserto?

De fato, essa era uma questão que nunca tinha passado pela cabeça de Ona. Realmente, isso não batia. Os mercenários eram uma força quase incomparável, com vários membros experientes capazes de limpar acampamentos orcs sozinhos. Loretta era um exemplo claro. Se eles quisessem que os orcs fossem exterminados do mapa, isso já teria acontecido.

A mercenária também parecia nunca ter pensado nisso. Seu rosto demonstrou uma sensação de desconcertamento, e ela afrouxou milimetricamente a flecha no arco. Loretta ficou em silêncio.

 - Nunca pensou nisso, não é mesmo? Sim, eu sei como é, o Alto Conselho faz das tripas coração para que nenhum membro tente considerar essa questão. Isso vem desde meu tempo como mercenário.

 - Você já foi um mercenário? - perguntou Ona, incrédulo. Ele pensava que conhecia toda a história de Ankho, amplamente difundida em sua cidade natal. Pelo que ele conhecia, Ankho tinha nascido em Gohr e aprendeu a lutar sozinho.

O guerreiro olhou para o garoto, parecendo notar a presença dele pela primeira vez. Ona estremeceu levemente por dentro, observando aqueles olhos

 - Sim. Estive lá quando tinha dezoito anos, mas logo desisiti, farto do Alto Conselho. Quem é você?

Se Ona havia estremecido levemente antes, dessa vez foi um pouco mais forte. Percebeu que não havia se apresentado para Ankho. E como podia? Para o garoto, parecia que o homem à sua frente era superior. Como se fosse de outra espécie.

 - M-m-meu nome é-é Ona, senhor. - Ele olhou para baixo, nervosamente mexendo os pés. -  E-eu sou d-de...

 - Espere. - Loretta parecia ter se recuperado do torpor. - Você não disse o motivo do Alto Conselho. Digo, sua teoria faz sentido, mas pra quê eles gastariam membros da própria guilda em missões de alto risco? - Questionou ela, mantendo o arco apontado para Ankho.

 - Achei que estivesse claro. Se há ameaça e não há um governo central para protegê-los, os habitantes de Gohr precisam de proteção. E os mercenários não são difíceis de contratar. Tudo que você precisa é de dinheiro. Sem orcs, não há necessidade para proteção, portanto não há o pagamento. Para o Alto Conselho, que se dane as missões de alto risco. Há mercenários o suficiente para garantir lucro por décadas. Tudo que eles precisam é garantir que a defesa não vire ataque. E, claro, existe de vez em quando a necessidade de sacrificar um vilarejo para garantir o medo por um tempo determinado, aumentando o valor do pagamento.

Essa declaração abateu Ona com tanta força que ele quase se desequilibrou. Aikon, pensou. Sua cidade claramente fora sacrificada. Se os mercenários quisessem protegê-la, ela não estaria em ruínas. Seu punho se fechou com tanta força, que suas unhas cortaram a palma da mão. O sangue escorria levemente, enquanto o mundo de Ona girava.

Loretta também parecia ter levado essa declaração como verdade. Ela mordeu o lábio, e ficou em silêncio por alguns minutos. Ankho esperou pacientemente, voltando a ignorar o garoto ruivo que tremia ao seu lado. Lentamente, a arqueira abaixou o arco.

Só que a tensão não estava no fim.

 - ABAIXEM-SE! - Gritou Ankho, olhando para a carruagem. Uma seta passou zunindo por cima do grupo, que pulou para o chão.

Ona olhou para cima. Uma quinzena de orcs estava no alto da depressão. Só que esses não eram arruaceiros, eram uma patrulha. Patrulhas costumavam rondar o deserto, matando, roubando e estuprando qualquer coisa que passasse pelo caminho, não necessariamente nessa ordem. Eram o pesadelo das crianças, que eram alertadas pelos pais a nunca sair das cidades. E agora uma delas estava prestes a fazer novas vítimas.

 - Você. - disse Ankho, se levantando e olhando para Loretta. - Me dê cobertura. - E saiu correndo para a estrutura negra que estava aprisionado.

Loretta se levantou e atirou no grupo hostil. Duas flechas acertaram o crânio seus alvos, só que esses não eram arruaceiros comuns. Logo que seus companheiros foram vitimados, eles puxaram escudos de couro e madeira das costas e se protegeram das flechas, enquanto avançavam pela depressão. Enquanto isso, os dois orcs armados com bestas se protegiam atrás da carruagem.

A arqueira fez um som com a língua de descontentamento, e puxou Ona, que ainda estava estendido no chão, para uma das barracas que antes protegeu brevemente a vida dos orcs do acampamento. Ona esperava ter um destino diferente do deles.

 - Ankho! - gritou Loretta para a estrutura negra. - Seja rápido com o que quer que esteja fazendo!

 - Eu disse... - respondeu Ankho, saindo da estrutura com um machado gigantesco de duas mãos, feito de ferro reluzente - para me dar cobertura! - Ele desandou a avançar contra seus inimigos, brandindo sua arma.

Como já foi dito, é bem raro orcs se verem em uma situação onde são os atacados. Portanto, não se pode julgar a surpresa do grupo quando Ankho avançou contra o primeiro da fila, derrubando-o com uma ombrada no escudo e cortando rapidamente o braço que segurava a arma da criatura. Ela urrou de dor, e ele aproveitou o estupor temporário dos inimigos para fazer um movimento de meia-lua e atacar o escudo do monstro mais próximo. A força era tamanha que o escudo se partiu, derrubando lascas de madeira pela superfície do deserto. Ankho continuou seu movimento, fazendo um giro em torno do seu próprio eixo e tornando a atacar a criatura, cortando seu estômago.

Os remanescentes passaram a tentar cercar o bárbaro, enquanto lá em cima os orcs armados com bestas miraram em no humano ensandecido. Loretta percebeu o movimento deles e atirou duas flechas, atingindo-os entre seus olhos, antes que sequer pudessem apertar o gatilho.

Essa ação desconcentrou um dos orcs, e Ankho aproveitou a distração dele e cortou sua cabeça com apenas um movimento. O monstro mais próximo levantou o escudo para atacá-lo, e Loretta o recompensou com uma flecha, que passou por baixo do braço do bárbaro e acertou o orc em seu peito. O guerreiro o finalizou com um golpe onde a flecha havia o atingido.

Agora restavam quatro orcs, um perto de Ankho e o restante mais afastado. O mais próximo tentou atingir com seu escudo o braço do guerreiro que segurava a arma, mas o movimento foi desengonçado e o defensor se desviou, fazendo um novo movimento para cortar o flanco do adversário.

O grupo mais afastado se dividiu, com dois deles correndo com seus escudos levantados para onde Loretta e Ona estavam, e o outro se pondo entre eles e Ankho.

 - Cuidado! - gritou Ona, e Loretta se virou para os atacantes, atirando inutilmente duas flechas que pararam nos escudos, e recuou rapidamente puxando Ona pelo colarinho. O orc que enfrentava Ankho assumiu uma posição defensiva, se esquivando dos ataques exagerados do bárbaro.

Loretta terminou de puxar Ona para longe da barraca, derrubou seu arco e saltou para cima da habitação, pegando impulso para dar um novo salto, passando por cima dos orcs. Logo que ela encostou no chão, as costas dos orcs estavam expostas, e ela aproveitou para se virar e lançar duas adagas contra eles, matando-os instantaneamente. O inimigo remanescente largou seu escudo e começou a correr. Loretta foi calmamente a seu arco, e atirou nele com uma distância considerável, derrubando-o quando ele começava a subir a depressão.

Ona ficou apavorado com os dois humanos, que agora limpavam suas armas e recolhiam as flechas dos escudos. Eles não eram desse mundo, pensou.

Ankho e Loretta foram em silêncio para o topo da depressão. Ona os seguiu, e parou os olhos na carruagem orc. Era bem parecida com a dele, mas o pano branco e ajeitado foi substituído por peles grosseiras. Ankho vasculhou o veículo, derrubando alguns papéis. O garoto olhou para eles, e percebeu um mapa.

A linguagem orc não era ensinada em todas as escolas, mas o pai de Ona, como político, sempre considerou a possibilidade de fazer contato pacífico com essas criaturas, portanto ensinou a família a escrita, sendo que a linguagem estava impossibilitada pela falta de tradutores orcs. Portanto, ao observar de relance o mapa, ele identificou algumas coisas. Uma prisão a céu aberto estava próxima deles, e mais adiante para o centro do deserto estava o acampamento militar principal. Um plano se formava a passos largos na cabeça do ruivo.

 - Bem, vejo que você não deve voltar à Guilda - disse Ankho, falando com Loretta. - Você não me parece o tipo de pessoa que voltaria a trabalhar para pessoas assim.

 - Infelizmente, você tem razão. Ainda estou pensando o que fazer. Provavelmente tentarei sair do deserto.

 - Entendo. Bem, acho que isso é um adeus.

 - E-esperem. - Disse Ona. - Acho que tenho uma idéia melhor. - Ona se sentiu um pouco apavorado por estar falando assim com pessoas que acabaram de realizar feitos espantosos, mas precisava disso. O plano estava fresco em sua cabeça, e era a única coisa que sobrava em sua vida. Não havia espaço para o nervosismo nessa hora tão crucial. - Vocês estão contra o Alto Conselho e contra os orcs, certo? Eu tenho um plano de atacarmos os dois. Se nos livrarmos dos monstros, as pessoas não terão razão de pagar os mercenários!

 - E como você tem esperança de fazer isso? - perguntou Loretta.

Ona mostrou o mapa. - Há uma prisão aqui perto. Se liberarmos os presos, poderemos ter forças para atacar a base orc. Sem um comando central, eles com certeza se desestabilizarão e lutarão entre si pelo poder!

 - Parece um plano muito simplista. - respondeu Loretta.

 - Ninguém nunca tentou atacar os orcs. Nunca saberemos o que acontecerá. Seremos os primeiros a tentar. E não me importa. É a única coisa que posso fazer.

 - Bem, vocês podem fazer o que quiser. - disse Ankho, subitamente. - Mas eu vou voltar para Aikon. Acho que a cidade ficou muito tempo sem mim.

Ona abaixou a cabeça. - Aikon... Aikon foi destruída. - A lembrança ainda era forte para ele. Lágrimas voltaram a escorrer pelo seu rosto, enquanto Ankho olhava-o de forma sombria.

Alguns minutos depois, no silêncio interrompido pelas fungadas de Ona, Ankho voltou a falar. - Bem, seguiremos seu plano então. Não tenho nenhum lugar para ir, mesmo.

 - Bem, acho que essa também é minha situação. - disse Loretta, encolhendo os ombros. - Mostre o caminho, capitão.

Ona se animou um pouco. Aikon estava morta, mas ele podia fazer os responsáveis pagarem. Ele não tinha mais nenhum motivo de vida. Era cumprir o plano ou morrer tentando. Ainda que ele tivesse medo do fim de sua vida, que rondava seus dias como uma ave carniceira, havia, de forma profunda em sua alma, uma confiança em Loretta e Ankho. Depois do que os dois fizeram, quem se colocaria no caminho deles?

Mal sabia ele o que o esperava.