segunda-feira, 19 de novembro de 2012

As Crônicas de Ona: parte 4

Sim, sim, foi um tempo.

Só que essa crônica foi remontada, refeita e reduzida. De fato, ela estava grande pra caraca, então decidi cortar em duas partes. Essa sexta sairá a última, completando o fim das crônicas de Ona.

Não, não chorem.

Apenas leiam.

AS CRÔNICA DE ONA

Parte 4: Procura


Loretta colocou as mãos sobre os olhos, protegendo-os do sol inclemente do deserto. Sua visão esquadrinhou atentamente o cenário, mas a única coisa que se destacava naquela imensidão laranja era a figura solitária de Tony, que saíra à frente para cobrir mais espaço. Loretta havia ficado na carroça, com Marcus e Lisa. 

Marcus começou a resmungar, confirmando novamente o fato de que era uma péssima companhia. 

 - Diga logo o que tem a dizer. - disse rispidamente a arqueira, lamentando pela terceira vez em dez minutos ter mandado o outro gêmeo ser o batedor.

 - Apenas acho que estamos perdendo tempo. Ona não pode ter ido tão longe. As pegadas que achamos não davam sinal de montarias. Há um limite que alguém pode percorrer a pé.

 - Você se surpreenderia o quão longe as pessoas podem ir quando querem sumir. - disse Loretta, observando Tony descer um morro e sumir de vista.

Haviam percebido o sumiço de Ona há três dias, quando Lisa havia achado suas pegadas naquela manhã, apontando para o norte.  Ela havia falado com os gêmeos, que comunicaram Ankho e Loretta. O guerreiro estava adormecido em um bar e não conseguiu ser acordado. Loretta, no entanto, surpreendentemente reuniu os três, e saiu em procura do garoto. Haviam seguido seus rastros até eles terminarem na noite do primeiro dia, quando o cenário abandonou a cor vermelha e voltou ao velho laranja, assim como os ventos.

Loretta havia baixado a mão, e tinha acabado de pegar as rédeas da carroça quando os gritos de Tony entrecruzaram o ar, atropelando o vento forte. 

 - Aqui! Achei! - Logo a pequena sombra dele voltou a aparecer, segurando outra sombra pelo ombro. - Ona está aqui!

Loretta chicoteou as montarias, forçando o trote rápido para chegar até os dois. Dentro da carroça, Marcus e Lisa se entreolhavam, inquietos.

Quando chegaram, encontraram Tony tentando dar água para Ona. Ele estava visivelmente desidratado, e havia tanta areia no roso dele que poderiam apostar que ele havia caído. Loretta desceu da carroça, e começou a cuidar dele.

Era tarde da noite quando Ona acordou. "Estou vivo?" foi a primeira coisa que pensou. Abriu as pálpebras lentamente, e demorou a focalizar Loretta, sentada ao seu lado, cortando algumas frutas. Demorou mais um pouco até perceber que estava deitado.

 - Vejo que acordou. - disse ela calmamente, passando a descascar uma laranja. Seu tom de voz fazia parecer que Ona tinha acabado de voltar de um passeio com o cachorro.

 - O que houve? - perguntou Ona, sentindo a garganta seca. A última coisa que se lembrava era de andar no deserto e desmaiar. 

 - Eu que te pergunto. Acordamos um dia e você não estava no acampamento. - Ela se inclinou, entregando um cantil para ele.

O garoto tomou vários goles, sentindo a garganta dolorida. Quando terminou, limpou a boca e respondeu: - ...foi Ankho. Ele --

--mostrou que é humano. - Completou a arqueira, fitando Ona. - Lisa viu tudo.

A raiva voltou a aquecê-lo no frio da noite. - Humano? Lisa te contou tudo o que aconteceu?

 - Sim. E eu compreendo o que está passando. Há alguns dias, eu descobri que o grupo que eu servi metade da vida era um bando de homens cruéis, lembra?

Ona gaguejou, e olhou timidamente para baixo, sentindo a raiva abandoná-lo e esfriá-lo. Não havia parado para pensar no que a revelação sobre a Guilda dos Mercenários havia causado em Loretta, nem por um instante.

 - Pelo visto se lembra. - Continuou. - Bem, foi mais ou menos o seu caso. Eu realmente não sabia o que fazer. Só que eu não fugi. Não desisti da vida. Você, sim. Acho que o seu problema... - se inclinou para mais perto, até que Ona pudesse se ver refletido no púrpura de seus olhos. - ...foi não aceitar que Ankho poderia cometer um erro.

 - Erro? Erro? O erro dele me custou tudo que eu tinha!

 - Não estou aqui para discutir isso. Estou aqui para informá-lo sobre seu problema de idolatria a humanos. Desde o início da viagem, você tratou Ankho como um deus. Vou te dizer uma coisa: nós humanos erramos. Você e muitas pessoas têm o problema em achar que seus ídolos são perfeitos. Que estão acima de nós. Sinto dizer, mas estão errados.

Ona ficou quieto, enquanto pensamentos ziguezagueavam em sua mente. - Espera então que eu o perdoe?

 - Pouco me importa se você o perdoar ou não. Isso não é problema meu, nem o motivo que fez você fugir. Fugiu por não aceitar que seu ídolo cometia erros. 

Por um tempo, o único som que os visitava era o crepitar do fogo.

 - Olhe, não é o fim do mundo. - disse Loretta, percebendo o olhar vazio de Ona. - Você passou tanto tempo à sombra de Ankho que não percebeu o quanto fez. Salvou Lisa, resgatou dezenas de prisioneiros, droga, você que atiçou essa rebelião! Lisa e os gêmeos ficaram preocupados com você, pois se tornou importante para eles. 

Ona ergueu os olhos, e finalmente percebeu as figuras de Tony, Marcus e Lisa na escuridão. Eis que de repente estava rubro.

 - Eu sei o que está passando. - Continuou a ex-mercenária. - Mas não são motivos para fugir. São apenas motivos para superar e seguir em frente. Pode parecer difícil, e acredite, é. Só que agora você não tem que fazer isso tudo sozinho. Tem pessoas que se importam contigo. - Loretta se levantou. - Devo muito a você e Ankho. Na minha hora mais negra, me fizeram ver um novo sentido. - Ela então foi até sua barraca. 

Ona olhou para os outros três. Tony estava sorrindo alegremente, como se nada tivesse acontecido. Marcus estava carrancudo, como sempre, claramente demonstrando que não iriam em busca dele novamente. E Lisa... Lisa dava o sorriso mais caloroso que ele se lembrava. E esse sorriso o fez esquecer sobre Ankho, nem que por um instante. Mas era tudo que precisava.

 - Vamos para casa. - Disse Ona, finalmente.

Os dias se passaram, e eram os melhores que ele se lembrava. O caminho de volta era composto de algazarra, piadas e conversas. Ona mal pensava em Ankho de dia, embora à noite ficava refletindo, olhando para o teto da barraca como se as respostas do universo estivessem contidas no linho escuro. Ficava assim por horas, e finalmente decidiu o que faria de agora em diante. No entanto, evitaria Ankho por enquanto.

Estavam perto da prisão na manhã do quinto dia. Ona, Lisa e Tony estavam dentro da carroça, enquanto Marcus e Loretta conduziam a carroça na parte da frente. 

Foi tudo muito rápido. 

Uma flecha passou zunindo do lado de fora, perfurando o interior do veículo. Os três pararam instantaneamente o que estavam fazendo, enquanto observavam o projétil. Eis que outro atravessou, acertando Tony no joelho.

 - LORETTA... - Tentou Ona, mas uma nuvem de morte acertou o veículo. Ele puxou uma pele mais próxima e tentou cobrir Lisa e Tony, mas o garoto estava muito longe. Outra flecha acertou o punho dele. 

A carroça então balançou, e um machado cortou o tecido, fazendo a luz do sol incidir como uma faca luminosa. Um orc se lançava contra eles, tentando pular no veículo. Havia barulhos de flechas. sendo atiradas. Tony se levantou e tentou acertar o atacante, mas o machado cortou seu antebraço, fazendo jorrar sangue por todo o interior. Ele nem teve a oportunidade de gritar. O orc o puxou para fora, e houve um som de explosão. A carroça girou várias vezes, enquanto Ona e Lisa eram jogados um contra o outro, até que outra explosão trouxe a escuridão.

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