RECINTO NERD NUZLOCKE - LEAF GREEN -
CAPÍTULO 15: S.S.ANNE
Vermilion era a mais nova cidade de Kanto, construída com polpudas verbas federais nos últimos anos, de forma a servir como um porto para a região e funcionar como um contrapeso simbólico à decadência de Lavender e Celadon. Sua construção foi terminada havia apenas três anos, e muitos prédios ainda estavam sendo colocados em pé. No entanto, o porto já funcionava, assim como estabelecimentos renomados como o internacional Fã-Clube Pokémon, o primeiro de Kanto.
Kari e companhia foram até o Centro Pokémon, extremamente cansados da viagem. Assim que entraram no quarto, dormiram imediatamente. No dia seguinte, quando a treinadora estava no restaurante tomando o café da manhã, ela entreouviu dois homens na mesa ao lado, dizendo em voz alta que o S.S.Anne estaria zarpando na manhã do dia seguinte, e que vários membros da classe alta estavam na cidade.
Com a passagem para o cruzeiro em mãos, o grupo andou por Vermilion e seus arredores para passar o dia. Foram até o Fã-Clube, que estava apresentando uma bizarra palestra sobre criação de Rapidash, e se aventuraram pelos cantos à leste da cidade. Capturaram uma Spearow chamada Beatrice na rota 11, e um Digglet chamado Dave na Caverna dos Digglets, construção natural feita pelos Pokémon, que ligava Vermilion aos arredores de Pewter. Kari também aproveitou e comprou roupas novas para o cruzeiro nas lojas de Vermilion com o dinheiro que ganhou por derrotar Misty, tendo todo o cuidado para manter Zelda fora do estabelecimento.
No dia seguinte, saíram cedo para o porto. Havia uma pequena fila no local, e uma série de pessoas de alta classe esperando no sol. O ânimo de Kari começou a cair logo em seguida.
- Olhem isso. Só tem top models, gente rica e gente famosa. Eu acho que não quero mais entrar no cruzeiro. - Disse a garota, começando a se virar para o outro lado.
- Kari, você está bem? Você não é do tipo de fazer esse tipo de coisa. - Disse Sara.
A garota mordeu a língua, ajeitando a mochila no ombro e voltando para a fila. - Certo.Vamos lá então. - Ela deu um sorriso triste, que não reconfortou ninguém na equipe.
Mostraram o ingresso e entraram no navio ancorado, passando por tapetes luxuosos e elevadores de última geração. Tudo que encontravam representava beleza e riqueza, mesmerizando o grupo. As coisas não melhoraram quando acharam o quarto. Como o aposento era perto da piscina, passaram por um grupo de modelos em trajes de banho, que olharam com desdém para a garota com vestes simples e sua mochila esfarrapada. Kari ficou olhando para elas quando passaram, ouvindo os risinhos cruéis. Abriu a porta do quarto, jogou a mochila em um canto e mergulhou na cama, com o corpo virado para baixo.
- Podem ir na frente. Eu já acompanho vocês. - Disse ela, com a voz abafada pelo lençol.
- Tem certeza, Kari? - Perguntou Liz.
- Tenho.
O grupo se entreolhou, e começaram a sair. Quando ouviu a porta bater, a treinadora virou a cabeça para poder respirar melhor. Ao fazer isso, sentiu um cheiro familiar de queimado.
- Kenichi, o que ainda está fazendo aqui?
- Ah, você sabe. Observando o lugar. - Pelo canto do olho, Kari viu o Charmeleon observar um quadro pendurado na parede bege. - Veja, esse é um belo Smeargle. A pintura é excelente, embora não transpire muita emoção.
- Kenichi, qual é o seu problema? Ser um crítico de arte não é bem o seu estilo.
- É? Bem, ser derrotista também não é o seu estilo. O que está acontecendo com você?
Kari suspirou, e se ajeitou na cama, apoiando as costas nos inúmeros travesseiros. - O que está dizendo? Estou bem.
- Não, não está. A Kari que conheço iria falar algo com aquelas garotas ali na frente. Você foi pra cama chorar.
- Cala a boca.
- Não, eu não vou. Escute. - Ele se aproximou, apoiando os braços na cama. - O que aconteceu, aconteceu. O que você precisa fazer é garantir que não volte a acontecer.
- Do que você está falando?
- Todos nós sabemos que você ficou abalada com a desistência de Nala e a morte de Bernard. Só que ninguém vai falar com você porque todos têm medo de te fazer voltar àquele estado estranho. Bem... - Ele estendeu os braços. - ... eu não tenho!
Kari ficou encarando-o por alguns instantes, e deitou virada para o outro lado, abraçando um travesseiro. - Já disse que estou melhor, Kenichi.
- Não, você está um pouco melhor do que antes. Por isso não está toda aberta, contando tudo que está sentindo. Isso você faz quando está no fundo do poço. Você está na fase em que qualquer coisa pode te derrubar.
- O que... o que você sabe sobre mim, hein? Pare de achar que de repente sabe tudo sobre psicologia.
- Primeiro de tudo. Eu sou um Pokémon bastante perceptivo, embora não pareça. Segundo. Você acha realmente que, vivendo em Pallet desde que eu nasci, eu nunca ouvi falar de você.
Um silêncio estranho surgiu depois disso, enquanto Kari sentia um peso descer pelo estômago. - Você... você já tinha ouvido falar sobre mim?
- Sim.
Ela se virou, encarando o Charmeleon nos olhos. - Quer dizer que você sabe sobre o meu...
- Sim, claro. - Interropeu o Pokémon. - Carvalho falava muito sobre você. No entanto, ele tinha esperança de que você superasse esse seu problema.
Kari se sentou, abraçando os joelhos. - Não é tão fácil, Kenichi. Eu tento evitar que esse problema existe, mas... os acontecimentos recentes fizeram eles voltarem à tona.
- Sim, por isso vamos usar o meu método para resolver esse problema. Ele é bastante simples e direto, portanto preste atenção. Você pode fazer algo por Nala e Bernard?
- O que quer dizer?
- Agora, nesse momento. Há algo que você possa fazer para trazer Bernard de volta à vida? Há algo que você possa fazer nesse quarto para que Nala volte à equipe?
Kari ficou em silêncio. - Não. - Disse, finalmente.
- Então não há razão para se sentir para baixo. Simples.
- Acho que a palavra é simplório. As coisas não são tão simplistas, Kenichi.
- Não são porque você não quer que sejam. Você precisa se sentir culpada, para alimentar seus problemas. Pois eu digo que não. Você já decidiu continuar essa jornada, e agir desse jeito não resolverá nenhum problema. Tudo que precisa é dar o seu máximo para garantir que ninguém mais morra ou nos abandone.
- Eu...
- Não é pra você mudar tudo agora. Apenas pense nisso quando se sentir na pior. Acredite, precisaremos de você na sua melhor forma daqui em diante. Eu sugiro aproveitar esse momento para começar a aprender a relaxar a cabeça.
- Mas... e se o meu problema...
- Desistência. Fale sobre isso sem medo, Kari, pelo amor de Arceus.
Kari ficou encarando o colchão por algum tempo, até que voltou a encará-lo. - Certo. O meu problema de desistência. Ele tem me assombrado desde que eu era criança, Kenichi, e nada do que eu faça parece fazê-la sumir. Eu tento afugentá-la, mas... ela sempre volta. Eu não consigo combater esse... desejo de simplesmente voltar para Pallet e me esconder debaixo da minha cama. Eu... - Ela fungou, sentindo seus olhos se encherem de lágrimas.
- Kari, acho que esse problema é meio profundo e pessoal para você. No entanto, se te ajudar, é só comparar você mesma com aquele Gary. - Kenichi sorriu, colocando as mãos no quadril. - Quero dizer, se ele ainda não desistiu depois de ter apanhado tantas vezes, não tem como você, que nunca perdeu uma partida, jogar a toalha antes dele.
Kari riu alto, e fungou o nariz em seguida. Se sentia um pouco melhor, e o sentimento ia crescendo em seu peito.
- Obrigada, Kenichi. Sério mesmo.
O Charmeleon deu de ombros. - Apenas botei você de volta nos eixos. Agora bote aquele bikini que você comprou e vamos para a piscina. Quem sabe eu não queimo os trajes daquelas modelos quando passarmos por elas?
Chegaram à piscina dez minutos depois. A garota usava um traje de banho rosa e pomposo, e avistou vários olhares de reprovação. No entanto, desviou de todos com um leve sorriso. Avistaram Sara e Liz sentadas em uma cadeira. A Sandslash estava conversando com um Growlithe, e entreolhou Kari e Kenichi se aproximando, sorrindo.
- Oh, vejo que você está melhor, que bom. Sente-se. - A garota se sentou entre a Wigglytuff e Sara. A Sandslash indicou com a mão o Growlithe. - Este é meu velho amigo, Gordon. Seu treinador é membro de uma organização policial internacional que está investigando os Rockets, e chegou a Kanto pelo S.S.Anne.
Gordon acenou com a cabeça. - Muito prazer em conhecê-la, minha jovem. Sara me falou muito de você enquanto estávamos celebrando essa chance rara que dois amigos têm de se reencontrar depois de tanto tempo. Devo-lhe dizer que nossa organização agradece profundamente os esforços que a senhorita está fazendo para deter os Rockets. São muito bem-vindos.
- Obrigada, acho. - Disse Kari, desconcertada. - Onde está o seu treinador?
- Ele está conversando com o capitão nesse momento, para mantê-lo informado de qualquer atividade suspeita. Como apenas eu e ele estamos investigando Kanto, precisamos de informantes em todos os lugares.
- Não entendi. Apenas ele veio investigar os Rockets?
O Growlithe olhou envergonhado para baixo. - Devo-lhe dizer, minha garota, que nossa organização apenas suspeita dos Rockets, e viemos apenas confirmar provas. Além do quê, uma série de problemas está se alastrando pelo mundo. Temos relatos de problemas recorrentes em Hoenn, e informes de coisas terríveis ocorrendo debaixo dos panos em Sinnoh e Unova. Somos um grupo pequeno, e os problemas parecem mais graves em outro lugar.
- Entendo. - Disse Kari, se recostando na cadeira. Sara e Gordon voltaram a conversar, e a garota se virou para Liz. - Onde estão os outros?
- Felicia disse que estava com fome, e Zelda a arrastou até as cozinhas. Eu acho que Wanda estava observando os marinh--
- Espere. Você disse que Zelda foi para as cozinhas? - Interrompeu Kari.
- Eu acho que sim. Qual é o problema... oh. - Liz parou, parecendo entender a situação.
Subitamente, o sol ao redor de Kari foi coberto e ela sentiu uma cutucada nas costas. Quando se virou, viu um grande homem vestido de azul e boina, segurando Zelda em uma mão e Felicia na outra. Ele começou a falar com uma voz profunda: - Com licença, senhora. Eu peguei esses dois Pokémon lá embaixo invadindo e bagunçando as cozinhas. A Meowth aqui me disse que você era a treinadora.
- M-me desculpe, Kari. E-eu disse que estava com fome, e Zelda disse que íamos direto na fonte, e--
- Bobagem! Se eu paguei por esse cruzeiro, eu deveria ter acesso às salas! - Interrompeu Zelda, tentando se desvencilhar do homem, que liberou as duas depois de alguma resistência.
- Por favor, assine aqui. - Disse ele, estendendo um papel em uma prancheta. - Os gastos que as duas fizeram será descontado na sua conta. Kari assinou o papel relutantemente e o homem saiu.
- Zelda, gostaria de saber se seu foco de vida é acabar com o meu dinheiro assim que eu o recebo. - Reclamou Kari, sentindo o rosto ficar vermelho.
- Ei, se acalme. Ouça a minha explicação. - No entanto, nunca ouviram a explicação de Zelda, pois uma enorme explosão sacudiu o convés do navio, estourando vidros e deslocando as telhas de madeira do chão. Kari agarrou a cadeira e olhou ao redor, assustada. As pessoas se entreolhavam e apontavam, mas o espanto não os deixava reagir de forma mais adequada, até que o navio começou a inclinar para o lado.
O que se seguiu foi um pandemônio, com objetos derrubados e pessoas correndo para as saídas. Kari levou a mão à cintura para buscar suas Pokébolas, mas se lembrou que havia deixado-as no quarto. Levantou a cabeça para ver a saída, que estava entupida de pessoas.
- Preciso ir até a cabine do capitão! - disse o Growlithe, saindo em disparada para a escada.
- Kari, precisamos seguí-lo! - Gritou Sara para tentar ser ouvida no meio do caos. A garota tornou a olhar para a saída, que continuava lotada.
- Zelda, pegue minhas coisas no meu quarto! O resto de nós vai seguir Gregor! - Kari se levantou e começou a correr para as escadas, acompanhada pelo resto de seus Pokémon. Subiram os degraus e entraram em uma sala que continha apenas um elevador e novas escadas. Viram o rabo felpudo do Growlithe descendo e o seguiram, chegando ao terceiro andar. O corredor estava em processo de destruição avançada, com grande parte do teto e do chão destroçados. Kari saltou pelas telhas relativamente intactas e seguiu pela galeria até chegar em uma sala no fim.
Quando entrou, quase vomitou em seguida. O capitão estava fardado e caído no chão, visivelmente morto. Ela tateou até a porta, dando o máximo para manter seu café da manhã dentro de si. Gregor farejou o corpo, se virando para a garota.
- Ele foi envenenado!
- O quê? Gregor, você tem certeza? - Perguntou Sara. Um dos pedaços do teto caiu, destruindo a mesa e levantando a poeira nos olhos deles. Quando voltaram a enxergar, o Growlithe havia sumido.
- O que diabos está acontecendo aqui? - Perguntou Kenichi, olhando para os lados. Kari se apoiou nos joelhos, respirando fundo. Quando terminou, levantou a cabeça para ver o corredor a sua frente, e alguém familiar estava parado perto dos destroços. A garota se esticou e estreitou os olhos, esperando ter confundido a pessoa por causa da poeira. No entanto, estava certa.
Gary Carvalho estava de braços cruzados à sua frente, e com um estranho sorriso no rosto.
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