terça-feira, 30 de abril de 2013

RN Nuzlocke LG : 19 - Ódio


RECINTO NERD NUZLOCKE - LEAF GREEN - 

CAPÍTULO 19: ÓDIO

Haviam chegado a Lavender. Comparada a todas as outras cidades em que haviam estado, essa era definitivamente a mais fúnebre. Uma névoa pesada se estendia pelas ruas, bloqueando a visão deles. Não haviam pedestres andando pelas calçadas, carros, ou mesmo crianças. De fato, toda a cidade era bizarramente silenciosa. Os únicos sons que podiam ser ouvidos eram seus passos, ecoando na imensidão solitária.

Kari se sentiu imediatamente mal naquele lugar. Seu estômago se retorcia e os pelos da nuca estavam eriçados o tempo todo. Ela virava para trás a cada quinze passos, sentindo estar sendo vigiada. Começou a andar mais depressa, e antes que percebesse estava correndo. Um estranho zumbido surgiu em seus ouvidos, e ela balançou a cabeça com violência. Viu um enorme vulto à frente, do tamanho de um arranha-céu, se destacando na névoa. Sem pensar, ela se dirigiu a ele.

Havia chegado em uma estranho edifício, construído na montanha. Kari abriu a porta com força, e entrou no átrio. Era uma sala bem branca, com decorações fúnebres espalhadas pelas paredes. Uma recepcionista vestida de roxo era a única alma viva ali dentro, escrevendo algo em um grande livro negro. Ela mal ergueu os olhos quando a garota explodiu pela porta de vidro, suando e ofegando. Kari se apoiou nos joelhos, recuperando o fôlego, e foi de encontro à mulher.

 - Com licença. Poderia saber onde estou? - A recepcionista levantou os olhos, encarando-a através de olhos púrpura rodeados por maquiagem negra. Sem dizer uma palavra, ela voltou a escrever no livro. Kari olhou para os lados, se sentindo inconfortável.

 - É... com licença--

 - Por favor, aguarde. - Disse a mulher, com uma voz aguda que parecia arranhar seus ouvidos, sem voltar a encará-la. - Os serviços funerários da Torre Pokémon estão lotados. Espere até que possamos liberá-la.

Kari se sentiu desconcertada, e foi se sentar em uma das cadeiras. Então estou na Torre Pokémon, pensou, enquanto se acomodava no objeto duro. A Torre era o único ponto de visita digno de menção em Lavender, que havia perdido seu Ginásio para Vermilion havia alguns anos. A cidade nunca foi exatamente aberta ao público, e muitos dos treinadores que passavam por lá reclamavam do clima mórbido do local. Ouvindo essas reclamações, a Liga Pokémon decidiu retirar o Ginásio de lá, realocando-o para a nova cidade que estava sendo criada. Desde então, a única coisa que fazia os treinadores pararem mais de um dia naquela região era o gigantesco cemitério vertical, símbolo macabro de Lavender. Kari se sentiu na necessidade de fazer uma homenagem a Bernard e Felícia. Assim, aguardou pacientemente.

A garota pegou uma revista de atualidades que estava parada em cima de uma mesinha transparente ao seu lado. Folheou-a distraída, percebendo que até mesmo as matérias daquela publicação eram mórbidas. Uma grande artigo de quatro páginas no centro da revista falava sobre o sequestro do dono da Casa de Voluntários de Lavender, chamado de Senhor Fuji, um famoso ex-pesquisador e ex-explorador, com uma antiga amizade com o líder do Ginásio de Cinnabar, Blaine. Na cena do crime, os policiais haviam achado o cadáver de uma Marowak, brutalmente assassinada pelos raptores. Enjoada, Kari fechou a revista, percebendo um estranho anúncio na parte de trás. Era uma propaganda da Companhia Silph, megacorporação com sede em Saffron que produzia diversos artigos para treinadores, prometendo um produto capaz de "identificar, falar e ver os espíritos". Mórbido, concluiu a garota, e se virou na cadeira.

Ela batucou na mesa, esperando ser chamada. Depois de vinte minutos, uma garota com aparentes quinze anos, desceu as escadas, esfregando os olhos vermelhos ainda cheios de lágrimas. Ela começou a conversar em voz baixa com a recepcionista, e saiu do edifício. Um pouco depois, a mulher mais velha anunciou:

 - Próximo! - Kari sentiu o estômago embrulhar, e se aproximou do balcão.

 - Quantos Pokémon? - Perguntou a mulher, sem nem mesmo parar de escrever.

 - Desculpe, o quê?

 - Para quantos Pokémon você vai rezar hoje?

 - Ah... dois.

A mulher retirou duas velas azuis de uma gaveta embaixo do balcão, e voltou a escrever. - Segundo andar, apenas procure um altar disponível.

 - O-obrigada.

A mulher não respondeu. Kari pegou as velas e subiu com passos lentos.

O segundo andar era bem maior do que o primeiro. Inúmeros monumentos de pedra roxa se estendiam pelo aposento, e estranhas mulheres de quimono branco andavam entre eles. Velas ardiam em diversos lugares, e a garota andou pelos corredores, procurando um espaço vazio. No entanto, havia uma pessoa bem familiar de costas, chamando a atenção dela.

 - Gary? - Disse, incerta. Gary levou um susto, e se virou para ela. Seus olhos estavam vermelhos e inchados, mas seus punhos se fecharam assim que viu a garota.

 - Eu não estou acreditando nisso. - Disse, baixinho. - Saia daqui, Kari. Agora.

Kari ficou confusa, e um pouco amedrontada. A voz dele estava extremamente mais séria, e ódio pingava em cada palavra. - Gary, o que houve?

 - Eu disse para sair daqui! - Eles proferiu as duas últimas palavras em um grito, e antes que a garota percebesse, seu Pidgeotto foi lançado em cima dela. Por reflexo, levou a mão ao cinto, e Sara surgiu para bloquear o ataque.

 - O que você pensa que está fazendo? 

 - Saia daqui. Eu não quero mais ver o seu maldito rosto, e sua maldita presença me faz mal. - Ele cuspiu no chão. - Vou te dizer pela última vez. Saia. Da. Minha. Frente.

 - Gary, o que houve? - Kari se sentiu verdadeiramente assustada. Os olhos do rival a encaravam com ódio e desprezo, e ele respirava profundamente, tremendo de raiva. - Quem morreu?

 - Quem morreu? QUEM MORREU? NALA, SUA IMBECIL, FOI ELA QUEM MORREU. E A MERDA DA CULPA É SUA! - O Pidgeotto se moveu como um raio, e atingiu Sara em cheio. A Sandslash foi jogada em um monumento, que ruiu com o contato. No entanto, Kari nem se mexeu, sentindo o estômago se retorcer e o mundo parar de girar.

 - N-Nala? - Disse, com a voz fraca.

 - SIM. ELA FOI SALVÁ-LA, E SE AFASTOU E... AAAARGH. - Gary socou o monumento mais próximo, enquanto Kari o encarava, com lágrimas escorrendo pela sua face. Quando voltou a encará-la, ele tinha um outro olhar no rosto, mais sério, determinado e com um estranho brilho de insanidade. - Esqueça o que eu disse antes, Kari.  - Com uma voz que fez os pelos da nuca da garota voltarem a se eriçar. - Você não vai mais fugir. Não depois de tornar minha vida tão miserável. Eu não irei ser tratado assim por uma vaca covarde e chorona, que de repente se sentiu como se valesse algo. Seu lugar é na sarjeta, Kari. E eu farei questão, não importa o que custe, de acabar com você.

 - Gary... - A voz de Kari estava fraca. Por um instante, se lembrou do garoto ativo e bagunceiro que compartilhou sua infância com ela, e essa imagem se contrastou com o homem sombrio e desesperado que estava à sua frente. - Por favor, não faça isso. Por favor.

 - Kari. Esqueça. - Disse uma voz atrás dela. Sara se levantou com dificuldades. - Eu sei o que você está sentindo. Sei que está se culpando. Só que esse não é o momento para isso. Gary, Nala, cada um de nós fez suas próprias escolhas. E não adianta culpar os outros pelos seus erros. Viver pelas escolhas dos outros não a levará a nada.

 - CALE A BOCA! HERMES! - Gritou Gary, e o Pidgeotto voltou a investir contra a Sandslash. No entanto, Sara saltou, segurando dois restos do monumento e lançando-as contra o corpo de Hermes, que desmaiou no processo. O treinador imediatamente recuou seu Pokémon.

 - TITÃ! - Seu Wartortle foi lançado, e Kari rapidamente trocou Sara por Liz. - Gary, preste atenção. - A garota se sentiu mais decidida do que antes. Sua Sandslash estava certa. Não adiantava se culpar agora. Ela precisava fazer Gary voltar ao normal, e depois pensar no restante. - Esse é um lugar de repouso. Vamos sair daqui.

 - PARE DE SE SENTIR A SUPERIOR! VOCÊ É UM VERME, KARI, E VOU PROVAR ISSO! - Titã se moveu, mas Liz desferiu um poderoso chute antes que ele pudesse atacar. Seu caso brilhou enquanto era jogado pelo ar, até que encontrou outro monumento, que novamente ruiu. Antes que pudesse se levantar, a Wigglytuff saltou e pisou em cima dele, desacordando-o.

 - ALEX! - Um Growlithe saiu de sua Pokébola, e Kari contra-atacou com Zelda. 

- GARY, PARE COM ISSO! - Gritou a garota, mas o rival pareceu não ouvir. O Growlithe encarou a Golbat com um olhar ensandecido. Zelda reagiu lançando um raio brilhante de encontro ao adversário, que perdeu o equilíbrio por alguns instantes. Quando recuperou os sentidos, ele lançou um feixe de chamas contra sua rival. Zelda foi atingida em cheio, mas se recuperou antes de alcançar o chão. Em seguida, voou em velocidade realizando giros em torno de Alex, mordendo-o quando tinha uma abertura. O Growlithe tentou atacá-la, mas seus sentidos falharam novamente e ele atingiu o chão com força. Antes que levantasse, Zelda o mordeu de novo, o retirando da partida.

Gary não respondeu, apenas lançou um Exeggcute no campo de batalha. No entanto, Kenichi soprou um mar de chamas em cima dele antes que o Pokémon pudesse fazer algo.

 - MALDITA! POR QUÊ NÃO FAZ ALGO DE ÚTIL E MORRE? - Gritou Gary, lançando seu último Pokémon em campo. O Kadabra se virou para a própria treinadora, mas antes que pudesse atacá-la Wanda o atingiu com seu ferrão, derrubando-o. 

 - Acabou, Gary. Chega. - Disse Kari, com a voz firme. A área em torno deles estava em pedaços. Dois monumentos jaziam em ruínas, e pedaços do chão ainda estavam fumegantes. - Fomos longe demais hoje. 

O rival ficou parado por um tempo, mas de repente deu passos largos em direção a garota, desviando de sua Beedrill. Antes que Kari pudesse reagir, ele a agarrou pela camisa e jogou-a contra um monumento. Sua cabeça bateu com força na pedra dura, e tudo que ela pôde fazer em resposta foi segurar os braços do rival.

 - Gary, mas que inferno?

 - Preste atenção, Kari. Eu só vou falar uma vez. - Ele a encarou, e seus olhos apresentavam novamente aquele brilho de insanidade. Seus rostos estavam tão próximos que ela conseguia sentir a respiração dele. - Você é um nada. Por mais que ache que venceu, uma hora você vai cair, chorando e tremendo. Você sabe tanto quanto eu quem é de verdade. Uma perdedora covarde, que nunca conseguiu fazer nada de útil na vida, que de repente tentou ser boa na coisa em que mais me orgulho. E eu não irei ser derrotado no MEU sonho por alguém que nem você. Nem que eu tenha que derrubá-la sozinho. 

 - Gary, querido. Acho que agora já chega. - Wanda tentou afastá-lo de sua treinadora. Ele se desvencilhou com violência das duas, e desceu as escadas com pisada forte. Kari ficou parada onde estava, em silêncio. As funcionárias do local chegaram furtivamente, e começaram a limpar os destroços. Kari se arrastou pelo monumento, parando sentada. Ficou assim por um par de horas, refletindo sobre o garoto que tinha o inocente sonho de ser o Campeão e o garoto que havia acabado de sair. 

Finalmente, se levantou e colocou suas duas velas em um monumento livre. Acendeu-as e rezou em silêncio. Quando terminou, encarou o local onde Gary havia acendido seu artefato. Sem dizer uma palavra, ela desceu as escadas, pegou mais uma vela e acendeu-a perto da de Gary, e recomeçou a rezar.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

RN Nuzlocke LG : 18 - Sonhos


RECINTO NERD NUZLOCKE - LEAF GREEN - 

CAPÍTULO 18: SONHOS


Haviam chegado a Cerulean no dia anterior, e já estavam na estrada. Caminhavam pela rota 9, uma estrada ao leste da cidade. Localizada entre duas formações montanhosas, o caminho serpenteava pelos obstáculos.

Kari estava imensamente mais feliz do que estava nos últimos dias. Havia conquistado a terceira insígnia, e tinha ensinado golpes novos para seus Pokémon através de CD's chamados TM's, que ofereciam vídeos e instruções. Sua animação estava no auge, e nem os cinco dias de estrada conseguiram freá-la, especialmente por um acontecimento na noite do quarto dia.

O grupo estava começando a montar o acampamento para passar a noite, e haviam sido desafiados por um alpinista que estava vindo da Caverna Rochosa, mais ao sul. Felicia havia acabado de derrotar seus Pokémon quando começou a brilhar intensamente na noite fria. Quando Kari voltou a enxergar, ela havia evoluído em uma Persian.

- Felicia! Você conseguiu! - Exclamou Kari, abraçando-a. A Persian olhou para as próprias patas, parecendo impressionada pelo feito.

- U-uau. Essa... sou eu?

- Isso mesmo, Felicia! Bem-vinda ao clube dos Pokémon completamente evoluídos! Diferente de certo alguém... - acrescentou Zelda em voz baixa, olhando de relance para Kenichi, que resmungou.

- Isso foi uma indireta?

- K-Kari? Eu... Eu queria te perguntar uma coisa.

- Pode falar. - Respondeu a garota.

- Eu... gostaria de batalhar contra um líder de ginásio.

Kari sorriu, e afagou a cabeça da Persian. - Bem, eu vou pensar no seu caso. O próximo ginásio é em Celadon, onde enfrentaremos Pokémon de planta. Estava planejando usar Kenichi e Zelda contra eles, mas quem sabe você não conquista sua posição? - Felicia pareceu recompensada com essa resposta. O grupo aprontou o acampamento para passar a noite, e na manhã seguinte já estavam de volta à caminhada.

Na manhã do sexto dia, estavam em um Centro Pokémon à beira da estrada, localizado bem perto da entrada da Caverna Rochosa. Kari estava adquirindo novos mantimentos quando um estranho grupo de cosplayers desceu do segundo andar do edifício, saindo de forma barulhenta do lugar. Ela estranhou, e perguntou ao funcionário de onde eles vinham.

- Eu também acho estranho. Que eu saiba, não há nenhuma competição de cosplay em Lavender ou qualquer outra cidade próxima. Se eu fosse você, me afastaria deles. Não parecem pessoas... saudáveis. - A garota virou a cabeça, observando um homem barbudo vestido de Charizard. Ela estremeceu e os deixou ter uma vantagem no caminho.

Quando finalmente entrou na caverna, sentiu como se estivesse encarando um buraco negro. A entrada estava relativamente iluminada, mas a partir de quinze passos adentro do lugar a garota não conseguia enxergar suas mãos. A escuridão era tão intimidadora que ela não arriscava dar um passo, pois não tinha certeza nenhuma do que estava à sua frente.

Ela lançou Liz de sua Pokébola, e a Pokémon fez a mão brilhar intensamente, iluminando uma área de quase seis metros de raio ao redor delas.

- Bem, finalmente achamos uma utilidade para esse golpe, não? - Disse a garota. Ela havia ensinado a Wigglytuff essa habilidade através de um TM, e tinha penado em achar uma vantagem dessa atitude. Assim, com uma visibilidade limitada porém suficiente, elas continuaram seu caminho.

Haviam andado por algumas horas. Kari tentava apressar o passo, desejando imensamente sair daquele lugar o mais rápido possível. A escuridão tentava apertá-la tal qual uma mortalha, e o desespero começava a bater na garota. Liz estava suando, se esforçando ao máximo para manter a luz, embora isso pudesse não durar muito tempo.

Depois de quatro horas e meia de caminhada, avistaram uma pessoa. A luz refletiu em sua roupa, e Kari a identificou como um dos cosplayers que estavam no Centro Pokémon. Ela hesitou em passar perto dele, mas uma rápida olhadela no ambiente a disse que era o único jeito. Ela tentou andar de forma rápida e silenciosa, mas o cosplayer percebeu seu movimento e foi ao seu encontro.

- Oh. Veja só quem anda por aqui. - Ele colocou o braço na frente da garota, prendendo-a na parede. Kari sentiu seu bafo de cerveja infestar suas narinas.

- Liz, fique longe. - Ela olhou para trás, e a Wigglytuff congelou seu movimento. Kari se virou para o atacante. - Saia da minha frente. Eu não estou brincando. - Evitando contato visual, ela tentou passar pelo braço do homem, mas ele era mais forte. Sorrindo, o cosplayer colocou a Pokébola no rosto da garota.

- Nananinanão. Sinto lhe dizer, mas você perdeu seus Pokémon. Deixe seu cinto aqui comigo. - Ele estendeu o braço para agarrar a cintura de Kari, que desferiu uma cotovelada no rosto dele. O homem cuspiu sangue, e se virou irado para ela, segurando o nariz.

- O-o quê? Quem você acha que é, sua merdinha? - Kari olhou para Liz. A Wigglytuff estava muito cansada para fugir, e ela não esperava conseguir sair da caverna sem sua luz. Levou as mãos ao cinto, e liberou Felicia.

- Eu vou te dar mais uma chance. Saia daqui. - Felicia rosnou, e o homem lançou um Geodude.

- Sem brincadeiras hoje, Rock. Acabe com ela.

Bem, é por isso que eu não bebo, pensou Kari. - Felicia, cave um ataque! - A Persian usou as patas para criar um caminho por debaixo da terra. O cosplayer cuspiu, ordenando a seu Pokémon:

- Rock! Magnitude! - O Geodude bateu os dois braços com força no chão, e o pandemônio começou. Uma onda sísmica se estendeu pela caverna, fazendo o chão tremer e o teto ruir. Estalactites caíram do teto, e estalagmites se transformaram em pó. Kari foi jogada na parede pelo abalo, batendo as costas com força suficiente para expulsar o ar de seus pulmões.

- Liz! Felicia! - Conseguiu dizer, tentando se manter em pé. A caverna continuava tremendo, e ela não conseguia mais enxergar a arena. Um pedaço do teto caiu entre ela e a Wigglytuff, fazendo-a recuar a Pokémon por segurança. Apalpou a Pokébola da Persian e tentou fazê-la voltar, mas o raio não passava por baixo da terra.

 - Felicia! - Gritou, tentando se aproximar do buraco por onde a Pokémon havia entrado. Gritos riscavam o ar, e a poeira piorava a visão da garota. Mais um abalo a fez cair em cima do cinto, lançando sem querer Zelda para fora. A Golbat olhou em volta, assustada, e se virou para Kari.

- Precisamos sair agora! Já! - Ela agarrou os ombros de Kari, que se livrou e tentou alcançar o buraco novamente.

- Não! Felicia está lá embaixo! Precisamos achá-la! - Mais um pedaço do teto ruiu, caindo bem ao seu lado. O vento levantou pequenos destroços, que espetaram a perna da garota. Zelda olhou em volta, e voltou a segurar os ombros de Kari.

- Eu disse que precisamos sair! Esse lugar todo vai cair! - A garota gritou em resposta, tentando novamente se livrar do aperto. No entanto, Zelda segurou-a, e começou a bater as asas para sáirem do lugar.

- Não! Zelda, não faça isso! Felicia ainda está lá! Felicia! FELICIA! - Ela gritou, mas o estrondo do lugar absorveu sua voz. Seus pés saíram do chão, enquanto a Golbat batia as asas. A garota não conseguia mais ver o que estava acontecendo, mas continou com os braços estendidos, clamando por Felicia, tentando desesperadamente se soltar. A Pokébola da Persian caiu de suas mãos, descendo para o abismo. Aos poucos, iam se afastando da destruição, mas Kari continuava gritando e se debatendo. Felicia havia ficado para trás.

Já era de noite quando saíram da caverna. Duas viaturas policiais estavam paradas em frente à entrada, mas nenhuma alma viva estava próxima. Quando se aproximaram do chão, Kari se desvencilhou violentamente e desatou a andar para frente.

- Ei! Se você acha que iria sobreviver àquele terremoto, pode ficar irritada. Só que isso não iria acontecer, então pode parar com essa revolta. - Disse Zelda, pousando no chão.

Isso foi a gota d'água para Kari. A garota se virou, furiosa, e pisou forte até chegar à Golbat.

- Eu não estou NEM AÍ se eu tinha chance ou não de morrer, se é isso o que você está dizendo! Você não tinha o direito de me tirar de lá, Zelda. Não sem Felicia!

- E então o que eu faria? Esperaria você procurá-la num buraco no meio de um terremoto? Não havia como tirá-la de lá, Kari!

- Então está tudo bem? Você está contente com a morte dela?

- Não OUSE falar isso, ouviu? - A Golbat se aproximou da garota, com os olhos enfurecidos. - Você acha que é fácil para mim? Ver mais alguém morrer? Só que se você morresse, Kari, todos nós estaríamos na sarjeta! A sua jornada não é mais apenas pelo seu bel-prazer, ela é importante para todos nós! Se estamos te seguindo, é porque também queremos ser Campeões! O suficiente para morrermos por isso!

- O que você quer dizer com isso?

- Todos nós aqui temos sonhos. E você é a única coisa que mantém eles possíveis. Então não ouse dar uma de suicida e bote a cabeça no lugar. Não estamos passeando por um mundinho virtual onde tudo dá certo no fim. Essa é a vida real. E eu quero muito ser campeã.

- Eu... por quê vocês querem tanto ser campeões?

- Nós queremos provar a todos que conhecíamos que podemos ser o melhores. Eu não sei se você percebeu, Kari, mas reuniu um bando de desalocados. Kenichi treinou sua vida inteira para esse momento. Liz era considerada fraca e inútil pela família e até mesmo por treinadores que passavam por perto de onde morava. Wanda não sabia o que fazer da vida, até que você deu esse sonho para ela. Sara passou a vida inteira longe dos campeonatos, imersa em seus problemas. Conosco, ela reaviveu uma chama antiga. Eu estou nessa por minha espécie, para provar que podemos ser campeões, e não apenas Pokémon dragões ou afins. Felicia queria uma família, e ela conseguiu, passando a tentar se provar para nós. Cada um está nessa por uma coisa importante, Kari, portanto precisamos de você. É a nossa única chance nessa vida.

Kari ficou em silêncio. - Eu... não sabia.

- É claro que não sabia. Você sempre achou que a força-motriz era apenas do treinador. Que os seus sonhos eram nosso único combustível. Pois não são. São os seus e os nossos. E Felicia morreu por todos. Devemos ser gratos pelo sacrifício dela, e continuar o que devemos fazer.

A garota esfregou seu braço, olhando desconcertada para o lado. - Eu... nunca contei a vocês porque eu decidi ser a Campeã... né?

Zelda ficou em silêncio.

- Eu... sempre tentei fazer um monte de coisas quando era criança. Só que, quando as coisas se... tornavam difíceis... eu desistia. Chorava, corria, saía de perto. Até meus dezesseis anos. Eu não tinha nenhuma habilidade em nada. Gary, por outro lado, era o prodígio. Tudo que ele fazia dava certo. Nada conseguia detê-lo, e tudo que competíamos resultava na minha pessoa correndo e chorando na barra da mãe. Até que... no meu aniversário, minha mãe me levou para ver a final da Liga Pokémon. Foi a batalha em que Lance se tornou o Campeão. Eu nunca vi algo igual. Decidi naquela hora que era isso que faria da minha vida. Então decidi estudar e me aprofundar. Finalmente achei algo que... era boa. Eu entrava nas competições de conhecimento e... vencia. Você não faz idéia do quão feliz isso me deixava. Eu nunca havia ganho nada. E, claro, isso deixou Gary bem irritado. Heh. - Kari fungou, passando a mão no nariz. Seus olhos estavam brilhando. - De repente Pallet tinha esperanças em mim. Quem sabe aquela garota não nos põe no mapa, disseram. Então, quando fiz dezoito anos, me inscrevi. E aqui estou. Não é fácil, sabe? Eu tento dar o meu máximo, mas... tudo me diz para desistir. Ir pra casa. Gary talvez tenha razão, eu... não tenho realmente um motivo para ser a Campeã. Foi apenas a única coisa em que demonstrei... conseguir fazer na minha vida.

- Bem... agora você tem mais motivos, Kari. Não é só pelo seu sonho, que aliás, é algo bastante válido e que se dane aquele mauricinho de cabelo espetado. Agora você sabe que todos nós estamos aqui por alguma coisa, e não vamos te deixar desistir. Seremos heróis.

- Heh. Obrigada, Zelda. - Kari esfregou os olhos. - Há uma torre cerimonial em Lavender. Vamos fazer nossas homenagens a Felicia... e a Gordon também... lá. E então continuaremos nossa jornada. - As duas acenaram a cabeça, e seguiram a estrada.

terça-feira, 16 de abril de 2013

RN Nuzlocke LG : 17 - Tenente Surge


RECINTO NERD NUZLOCKE - LEAF GREEN - 

CAPÍTULO 17: TENENTE SURGE

Kari acordou em uma sala branca, se sentindo anestesiada demais para reparar no mundo à sua volta. Aos poucos, percebeu a televisão desligada do outro lado do quarto, a janela grande que a banhava de raios solares e o sofá antigo perto da porta de madeira. Tentou se levantar, e percebeu que estava em uma maca.

 - Oh, que bom, vejo que você está acordada! - Disse uma voz perto da porta. A garota se virou lentamente, e uma enfermeira de cabelo rosado se aproximou, colocando um medidor de pressão em seu pulso.

 - O-o que houve? - Perguntou a garota, sentindo a cabeça girar enquanto o aparelho apertava seu braço.

 - Oh, nós encontramos você desmaiada em uma das praias perto do porto, querida. Imediatamente achamos que você estava naquele acidente terrível do S.S.Anne. Isso procede? - Questionou a enfermeira, desamarrando o aparelho e checando a máquina que estava conectada ao corpo da garota.

Kari se forçou para tentar lembrar, vendo que suas memórias estavam enevoadas. A última coisa que se lembrava era estar andando perto de uma piscina sob um dia ensolarado. - Eu... acho que sim.

 - Ah, por favor, não se esforce tanto! Você é uma das poucas pessoas que acolhemos que está apresentando grandes sinais de melhora. - Disse a enfermeira, anotando em sua prancheta. - Queremos liberá-la, e não mantê-la aqui. Apenas descanse. - Ela saiu, deixando a garota sozinha. Kari olhou para o sofá, e viu sua mochila e o cinto de Pokébolas, junto com um bikini. Oh, céus, eu fui encontrada assim, perguntou a garota a si mesma, enrubescendo.

Ela se sentou lentamente, e se locomoveu até o sofá. Quase tropeçou no caminho, mas chegou até as Pokébolas ilesa. Escolheu uma aleatoriamente e liberou o habitante, revelando Liz.

 - Kari! Que bom, você escapou! - Disse a Wigglytuff, abraçando a garota.

 - Escapar? Do quê?

 - Oh. Você... não se lembra?

 - Me lembrar de quê?

 - Ah, bem... Que bom que você está sentada, pois é uma história bem longa.

Os próximos trinta minutos se passaram, com Liz contando o que havia acontecido no S.S.Anne. Enquanto ela falava, a memória de Kari ia completando as lacunas conforme a história prosseguia. As explosões, Gary, Nala, tudo ia se encaixando e ela ia ficando mais nauseada e cansada.

 - Kari, você está bem? Parece bem mais... pálida. - Disse Liz quando terminou de contar o que houve.

 - O quê? Ah, não, é só... é um bocado para absorver, Liz. - A treinadora se levantou e andou fragilmente até a cama, acompanhada de perto pela Pokémon. - Depois de eu retornar vocês para as Pokébolas... não tem nenhuma pista sobre o que aconteceu?

 - Não... desculpe.

 - Tudo bem. - Kari fitou a tela negra da televisão, parecendo procurar algo que não estava lá. A garota se sentiu subitamente cansada. - Liz, você pode voltar para a Pokébola. Eu acho que vou precisar de um tempo sozinha.

A Wigglytuff concordou com a cabeça. Ela passou a mão pelo joelho da treinadora e retornou para a cápsula, deixando Kari refletir sobre Gary e Nala, até cair em sonhos confusos e hostis.

A garota saiu do hospital uma semana e meia depois, sorrateira no meio da madrugada. Os funcionários a ajudaram nesse processo de modo a fazê-la evitar a imprensa, que estava com um cerco em torno do edifício. Quando finalmente chegou no Centro Pokémon, a garota entendeu a verdadeira gravidade do atentado. 

A explosão do maior cruzeiro de luxo que já agraciou a costa de Kanto jogou por água abaixo os planos da região de se desenvolver. O S.S.Anne era um símbolo de esperança para o governo, que investiu milhões na construção de Vermilion. Sua destruição já havia afastado investidores de projetos civis que não haviam nem terminado, dando a impressão que a cidade e o país estavam sendo deixados de lado. Kari pensou em explicar a verdade para as autoridades, mas duas coisas a fizeram desistir: primeiro, ela não tinha provas nenhumas. Segundo, se colocasse a culpa em Gary, quem sabe o que aconteceria com o garoto. A retaliação do governo contra o grupo internacional que iria perseguir os Rockets estava em níveis gigantescos, proibindo qualquer interferência da organização em território Kantense. Envolvida nesses pensamentos, a garota tentou em vão dormir.

Na manhã seguinte, ela se lembrou do que Kenichi havia dito no navio. Ela não tinha nenhuma forma de resolver o problema nesse momento, então precisaria seguir em frente. E foi o que fez, no início de forma relutante. Havia um problema mais imediato em seu caminho, e ele se chamava Surge, o líder do ginásio de Vermilion.

Surge era líder havia pouco tempo, aproximadamente dois anos. Ele foi incluso na organização devido à estagnação do ginásio de Lavender, fazendo com que o governo de Kanto promovesse o ex-tenente em um lobby que também incluiria mais visibilidade à recém-criada Vermilion e servir como uma proteção simbólica aos rumores de atividades Rockets que infestavam as vizinhas Cerulean e Celadon. Segundo relatos nas redes sociais, Matis Surge era um veterano da  Guerra das Ilhas Laranja com especialização em Pokémon elétricos. Ele ficou com recluso com o fim dos combates, até que foi convidado a ser Líder de Ginásio. Rumores diziam que ele tratava os adversários como o pior tipo de lixo.

Kari se aproximou do ginásio, uma construção extremamente recente, com detalhes em vidro reluzente e arquitetura que assemelhava uma nuvem descarregando raios, formando uma grande torre. A garota olhou para o topo do edifício, sentindo uma familiar sensação no estômago. Sorriu e entrou pelas portas duplas, preparada para a terceira luta por uma insígnia.

Quando entrou, teve um imenso choque de realidade. O átrio era composto por diversas latas de lixo, todas lotadas até a borda de detritos e outras coisas repugnantes. Do outro lado do aposento, duas grandes colunas produziam um campo elétrico entre si, impedindo qualquer um de passar. Kari coçou a cabeça e andou até a energia elétrica, tomando o cuidado de desviar do lixo e não respirar fundo demais.

 - Bem, vejo que todo o dinheiro dos contribuintes foi posto em projetos úteis. - Disse ela, enquanto pulava por uma lata de lixo tombada, chegando finalmente na cerca elétrica. - Alô? Tem alguém aí? - Gritou.

Um homem alto e musculoso saiu das sombras, seguido por seu Raichu. Ele tinha cabelos louros e espetados, no topo de um rosto quadrado. Usava óculos escuros e um colar de indetificação militar, seguido por uma camisa verde apertada, calça camuflada e botas justas. O Tenente Surge parou perto da eletricidade, tão próximo que seus óculos estavam todos brancos pelo reflexo.

 - Olá, recruta. Bem-vinda ao Ginásio de Vermilion. - Ele sorriu, mostrando os dentes brancos.

 - É... podemos lutar agora?

 - NÃO! - Gritou ele subitamente, fazendo a garota saltar. Ele riu alto e continuou: - Eu não tenho tempo para batalhar com qualquer um que me aparece. Apenas pessoas qualificadas passam desta cerca elétrica, e não garotinhas franzinas que se assustam com qualquer coisa. - Completou ele, sorrindo. Kari sentiu o rosto ficar completamente vermelho.

 - Como é? É sua função aceitar competidores, você é membro dos Líderes de Ginásio! Me deixe entrar logo para eu acabar com você!

 - Hah! A garotinha ainda que brigar. - Ele cruzou os braços e levantou os óculos escuros. - No entanto, devo lhe dizer que esse Ginásio não é pra qualquer um, e você não parece digna da minha atenção. No entanto, vou te dar uma chance para provar que a senhorita tem... garra. E humildade, também.

 - O que quer dizer com isso?

Surge indicou com a cabeça o lixo que se encontrava atrás da garota. - Dentro de duas dessas latas há controles remotos. Cada um deles reduzirá a força desse gerador pela metade. Seu trabalho é encontrar o par. No entanto, caso você ache o primeiro e não ache o segundo, o par será desativado, a energia voltará, e mais lixo será regurgitado com dois novos pares em lugares diferentes.

 - O... o quê? Que tipo de... Eu não consigo nem dizer nada sobre isso! Qual é o sentido dessa experiência? - Gritou a garota, se aproximando da grade.

Surge riu e se aproximou ainda mais. - Garra. E humildade. Duas coisas que você aprende no exército, mocinha. É a sua única chance. - Ao dizer isso, ele virou as costas e saiu.

 - Surge? SURGE! - Gritou Kari, mas ele não voltou. Rangendo os dentes, ela se virou para a sala, contemplando novamente a quantidade absurda de lixo fedorento e nojento que a encarava. Suspirando, ela largou a mochila em um canto da sala e começou a observar as latas, procurando os controles remotos. Achou um logo de primeira e se agachou para pegá-lo. No entanto, as latas de lixo regurgitaram, lançando um chafariz de detritos no rosto da garota, que tombou para trás.

 - Acho que você não entendeu o propósito do experimento. Você precisa se sujar. No entanto, não se preocupe, eu já fiz isso para você. - Disse uma voz nos alto-falantes, que a garota imediatamente reconheceu como pertencente do Líder de Ginásio. 

 - SURGE! - Gritou para os alto-faltantes, mas não houve resposta. Furiosa, ela se levantou, observando o corpo. Haviam restos de alimentos jogados em cada centímetro de roupa ou pele. A garota se concentrou para não vomitar e continuou o trabalho, dessa vez colocando a mão no lixo, por mais encolerizada que se sentisse. 

Os minutos se passaram, e logo se transformaram em horas. A garota olhou para o relógio na parede, descobrindo que já estava procurando há quase cinco horas. Suas costas doíam, ela fedia de forma quase insuportável e não havia feito progresso. Cada vez que encontrava um controle remoto, ela errava a lata de lixo seguinte, afundando em mais lixo. Nas três primeiras vezes em que isso aconteceu, ela xingou alto e começou a chutar o lixo, apenas fazendo mais com que mais restos fossem regurgitados em cima dela. O único raio de alívio que sentia era por não ter vomitado ainda, muito pelo fato de que Surge provavelmente jogaria mais lixo em cima dela por causa disso. 

Havia achado outro controle remoto, e olhou pelo quarto procurando desesperadamente seu par, parando apenas para tirar uma gosma verde que pingava de seu cabelo em seus olhos. Usou cada grama de vontade para não pensar no que era aquilo, e andou até o outro lado do quarto. 

 - Ainda aí? - Disse uma voz atrás dela. Kari se virou furiosa, pensando que era Surge quem falava, mas era apenas um homem velho e alto, com um chapéu fedora com um bigode cinza e reto. A garota apenas concordou com a cabeça e voltou ao seu trabalho. Se agachou perto de uma lata de lixo, apenas para o processo de regurgitação acontecer de novo, fazendo com que o controle em sua mão parasse de piscar. - Me diga, querida, qual é o motivo de continuar depois de tanto tempo? Já pensou que talvez não exista um segundo controle remoto?

 - Essa é a minha única chance de conseguir a insígnia. Por mais que eu queira sair daqui e mergulhar no mar, isso não vai me deixar mais perto de ser a Campeã. - Respondeu a garota, revirando o lixo mais próximo.

 - Ah, sim. - Ele continou a observar em silêncio a treinadora com seu trabalho. - Sabe, eu normalmente não converso com os adversários de Surge, mas você já está aqui há horas, e ainda não entrou na arena.

 - Isso é alguma forma de zoação, senhor? Porque eu não estou nem perto de ter o clima para isso.

 - Ah, não. Só estou dizendo que a maior parte das pessoas já teria desistido. 

Kari se levantou e botou as mãos nas costas. - Ah, que ótimo. Que bom para elas.

O homem voltou a observá-la. - Sabe... por favor não desconte sua raiva em Surge. Seus métodos podem parecer ortodoxos, mas...

 - Senhor, eu gostaria de dizer que toda a minha empatia com aquele homem foi evaporada na segunda vez em que restos de comida voaram na minha cara. - Interrompeu a treinadora.

 - Sim, sim, mas... deixe-me contar a história dele. Matis retornou da guerra um homem bastante diferente. Ele se tornou extremamente recluso, e viveu por muitos meses sem qualquer perspectiva de emprego. Essa chance em Vermilion caiu do céu, pois lutar era a única coisa que ele conhecia. No entanto, por um capricho cruel do destino, era também a coisa que ele mais odiava depois da guerra. Portanto, ele tentou fazer com que suas lutas fossem cada vez menos frequentes, causando nesta... atividade.

 - Eu ainda não entendi aonde o senhor quer chegar. - Disse a garota, pegando um controle remoto que piscava. Ela olhou ao redor, escolhendo uma nova lata de lixo. - Se quiser que eu me sinta culpada ou simpatize com o tenente, a chance de fazer isso já passou há muito tempo.

 - Eu não quis dizer isso. Apenas peço que você, com toda a raiva que está sentindo dele, não... mate seus Pokémon. Isso o quebraria. São os únicos companheiros que restaram da guerra.

Kari enfiou as mãos em uma caixa de papelão tombada, levantando-a. Embaixo, piscando palidamente, estava o segundo controle. Ela estava tão cansada que mal se sentiu feliz, apenas aliviada. Pegou o objeto e apertou seu botão. A grade elétrica foi desligada, deixando a sala muito mais escura. A garota se virou para o homem atrás dela, que se apoiava nervosamente na parede. - Vou pensar no seu caso. - Disse, seguindo em frente.

Passou pelos geradores e as luzes se acenderam em holofotes fortíssimos. A garota protegeu os olhos com o braço, ficando cega por alguns instantes. Quando a visão retornou, reparou na gigante Pokébola traçada na areia à sua frente. Era uma arena, e do outro lado Surge a encarava com os braços cruzados.

 - Ora, ora, ora. Veja quem chegou. Preparada para ver todo o seu esforço ir por água abaixo?

Kari encarou-o com uma expressão neutra, falando lentamente: - Surge. Eu não estou com paciência para conversas. Vamos acabar com isso para eu pegar minha insígnia e ir tomar um banho. Ou cinco.

Surge se irritou. - Bem, vejo que toda aquela atividade não resultou em nada, garota. Humildade gera respeito, e é isso o que te falta. Você nunca sobreviveria num combate! - Disse ele, pegando uma Pokébola do cinto.

Kari pensou em mil respostas, várias provocativas, mas estava muito cansada para alimentar uma discussão. Colocou a mão em seu cinto. 

 - Vá, Frente de Batalha! - Surge soltou um Voltorb da Pokébola, que ficou girando pela arena.

 - Liz. - Respondeu Kari com apatia. A Wigglytuff foi lançada no centro da arena.

 - Frente de Batalha, use a Onda de Choque! - O Voltorb disparou uma onda de eletricidade que se espalhou pela integridade da arena. Liz tentou se proteger, mas foi deslocada quase dois metros da posição de onde estava.

 - Quem fala assim? Na verdade, quem nomeia os Pokémon desse jeito? - Perguntou Kari, enquanto sua Wigglytuff acertava um soco em Frente de Batalha.

 - Jargão militar! Você não entenderia... Explosão Sônica! - O Voltorb girou no ar, deslocando o ar à sua volta. Essa distorção acertou Liz em cheio, mas parecia ter menos efeito do que o golpe anterior.

 - Bem, eu entendo de outras coisas... Liz, seu adversário é incrivelmente semelhante a uma bola de futebol! Isso te lembra alguma coisa? E por favor não me obrigue a gritar "Mega Chute". - Acrescentou Kari baixinho, enquanto sua Pokémon desferia uma voadora contra o adversário, que voou longe. 

 - Você acha que isso é tudo? Tiro Certo, eu escolho você! - Surge liberou um Pikachu, que desceu à arena com pequenos relâmpagos saindo de suas bochechas.

 - Sara, vá! - Kari fez Liz recuar e soltou sua Sandslash. Tiro Certo correu em sua direção, mas Sara foi mais rápida. Ela se moveu para frente e o acertou no ar com suas garras. O Pikachu continuou seu movimento e caiu desacordado no centro da arena. No entanto, os movimentos dela ficaram travados por alguns instantes.

 - Há! A estática nos pêlos de Tiro Certo a paralizaram. Agora você não tem mais chance! - Kari estendeu as sombrancelhas enquanto sua Pokémon voltava ao centro da arena.

 - Surge. Por favor. - Isso aparentemente enfureceu o Líder de Ginásio, que gritou cuspindo saliva.

 - Chega deste desrespeito! CÃO BRAVIO, VÁ! - Seu último Pokémon era um Raichu, que realizou um pequeno show de luzes ao sair da Pokébola, soltando raios por toda a extensão da arena. No entanto, nenhum desses golpes afetava a Sandslash.

 - Oh. É só isso? - Perguntou Kari, apática. Surge espumou pela boca, e voltou a gritar.

 - CÃO BRAVIO, ATAQUE RÁPIDO! - O Raichu se moveu em alta velocidade, e investiu contra Sara. O golpe a acertou, mas ela contra-atacou rapidamente com suas garras. - Vamos confundí-los! Estratégia Fantasmas de Kumquat, agora! - Seu Pokémon começou a vibrar, e uma série de clones surgiram ao redor de Sara.

 - O que é isso? - Perguntou Kari, enquanto Sara tentava achar o Raichu original.

 - Cão Bravio é tão rápido, garota, que consegue vibrar o suficiente para gerar cópias de si mesmo. E seu Pokémon nunca será capaz de identificar qual é o verdadeiro! - Surge começou a rir. Sara tentou acertar um dos clones, mas acabou errando e sendo atacada em resposta. Ela caiu no chão e a paralisia começou a tomar conta dela por alguns instantes. Foi o suficiente para seu adversário atacá-la de novo, fazendo-a voar de volta ao centro da arena.

 - Sara, você está bem? - Gritou Kari. A Sandslash se levantou, limpando a areia do corpo.

 - Oh, sim, Kari. Acho que já identifiquei o original quando ele me acertou. 

 - Impossível! Cão Bravio, acabe com ela! - Gritou Surge, ficando mais descontrolado. Um borrão laranja se aproximou de Sara, acertando-a novamente. No entanto, dessa vez ela retornou o golpe, fazendo-o voar até suas cópias.

 - Como diria Liz, oh céus. Acho que acertei.

 - Bom trabalho, Sara. Vamos acabar logo com isso! - Kari viu as têmporas de Surge ficarem brancas antes de ele responder, com claro medo em sua voz. 

 - Você acha que vai acabar comigo? Muitos outros tentaram, garotinha, e muitos estiveram bem perto de conseguir. No entanto, saiba de uma coisa: NÓS SOMOS INVENCÍVEIS. PASSAMOS POR CERCOS E TORTURAS, E APENAS SAÍMOS MAIS FORTES! - Ele retirou uma poção do bolso, espalhando-a sobre o Raichu. - E VOCÊ É APENAS MAIS UMA A CAIR PERANTE MEU TIME! ACABE COM ELA, CÃO BRAVIO!

O Pokémon pulou em cima de Sara, esquecendo qualquer tipo de estratégia. A Sandslash pareceu surpresa, mas contra-atacou várias vezes enquanto o adversário investia contra ela. No entanto, ela voltou a ser paralisada, dando a Cão Bravio uma chance extra.

 - AGORA! - Gritou Surge, enquanto seu Pokémon avançava contra Sara. No entanto, ao acertá-la, ela girou o corpo para fazê-lo acertar os espinhos em suas costas, derrubando-o no chão. - NÃO! - Voltou a exclamar o Líder de Ginásio. Cão Bravio tentou levantar, mas estava derrotado.

 - Oh. Vejo que a "garotinha" conseguiu acabar com você, não? - Disse Kari, retirando uma gosma do ombro. Surge caiu de joelhos, colocando as mãos no chão em seguida.

 - Faça o que você tem de fazer, garota. Apenas... seja honrosa. O espírito de Cão Bravio seguirá em frente, iluminando os... hunf! - Enquanto ele falava, Kari havia se aproximado e chutou no rosto, fazendo-o cair para trás.

 - Isso é pelo lixo. E pare de ser patético. Eu não irei matar seu Pokémon.

Surge segurou o nariz que sangrava. - Não?

 - Não. Eu não concordo com o modo extremista com que vários treinadores hoje em dia batalham. Eu não irei matar os Pokémon adversários. Esse é o caminho que decidi seguir quando comecei a minha jornada, e não planejo mudar tão cedo.

O tenente se levantou, ainda segurando o rosto com a mão esquerda. Ele tirou os óculos escuros e ficou em silêncio, encarando a face da garota. Finalmente deu um sorriso com o canto da boca e fez seu Pokémon voltar à Pokébola. 

 - Você é especial, garota. Acredite, vários treinadores já passaram por aqui, mas nenhum era que nem você. Por isso, acho-a merecedora da Insígnia do Trovão. - Ele retirou do bolso uma pequena caixa preta, e dentro dela havia um pequeno ornamento semelhante a uma flor de girassol, com folhas amarelas e centro dourado.

 - Muito obrigada. - Disse Kari, sorrindo e pegando a Insígnia. Surge cruzou os braços.

 - Bem, eu a aconselho a ir para Lavender agora. Há informações de que os caminhos a Celadon, seu próximo desafio, estão bloqueados, exceto pelo túnel que liga essa cidade a Lavender. Se você for a Cerulean e seguir pela Caverna Rochosa, conseguirá evitar os bloqueios.

 - Vou pensar nisso. No momento, contudo, eu preciso desesperadamente de um banho.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

RN Nuzlocke LG : 16 - A linha


RECINTO NERD NUZLOCKE - LEAF GREEN - 

CAPÍTULO 16: A LINHA 

 - Gary, o que você está fazendo? - Perguntou Kari. O crepitar das chamas estava em todo o lugar, embora o fogo não fosse visível. Gary estava parado em frente a ela, sorrindo com os braços cruzados.

 - Apenas algumas coisas, Kari. Trabalhando para um grupo interessante, você sabe.

 - Você teve algo a ver com o policial ou o Growlithe que estava aqui? - Perguntou Sara, se colocando entre os treinadores.

Gary estalou os dedos, e seu Kadabra, evolução do antigo Abra, apareceu ao seu lado, com um sorriso parecido com o seu mestre. Kari sentiu seu sangue ferver.

 - Novamente. O que diabos você pensa que está fazendo?

 - Veja, Kari. Vou explicar uma coisa a você. No momento há duas insígnias que não conseguiriam ser obtidas de jeitos convencionais. Os ginásios de Cinnabar e Viridian estão fechados por tempo indeterminado, e ninguém consegue chegar na Elite sem eles. Tudo que estou fazendo é garantir o meu passe para ser o Campeão.

 O cérebro da garota deu uma vasculhada em suas memórias. Sabia que o líder de Viridian estava sumido, e recentemente o líder de Cinnabar havia decidido parar de representar sua função. Ela também se lembrou do membro Rocket na Ponte Dourada, e uma estranha suposição veio à sua mente.

 - Gary... - Começou ela, lentamente. - Você não está com os Rockets... está?

Dito isso, o garoto apenas continuou seu sorriso.

 - Você está maluco? - Gritou Kari. Novos pedaços do teto caíram, e o quarto atrás deles ruiu. No entanto, nada parecia tirar a atenção da garota, que olhava irada para o rival.

 - O investigador. - Disse Sara, falando baixo para si mesma. - Kari, ele se livrou do investigador internacional que estava suspeitando dos Rockets!

 - Oh, puxa, você tem Pokémon inteligentes, Kari! - Disse Gary, batendo palmas lentas e sarcásticas. - Sim, devo dizer que vocês estão certas. Os Rockets precisavam que alguém de fora impedisse que os investigadores chegassem até eles. Então me deram a função de explodir o navio em que ele chegaria, e fizesse de modo a que o próprio investigador levasse a culpa. Assim, o governo de Kanto não teria outra opção a não ser proibir a chegada de novos intrometidos.

 - Então foi por isso que você se livrou dele e do Growlithe? - Sarah parecia perplexada.

 - Mas é claro. Vejam, haverá provas depois, quando recuperarem o corpo, de que o capitão foi morto por veneno. Veneno esse que possui uma cópia no quarto em que nosso querido investigador estava. Inclusive, esse mesmo homem teria encontrado o capitão em uma conversa a sós na cabine, curiosamente sem nenhuma câmera de vigilância. Ah, e o Growlithe dele também sumiu quando as turbinas explodiram. Que coisa, não? Creio que isso não seria o suficiente para uma ação imediata das autoridades de Kanto, mas um pouco de apoio Rocket por debaixo dos panos não fará mal nesse caso.

 - Gary... - Kari não sabia o que dizer. Se sentia em um sonho, ou melhor, em um pesadelo. - Você... passou dos limites. De formas que eu não acreditava que era possível, até mesmo para você.

 - Kari, Kari, Kari... você não vê que estou te dando uma chance? Você pode fugir agora mesmo, voltar para Pallet e fingir que nada disso aconteceu. Meus superiores não querem você avançando pelo continente fuçando tudo que encontra. Nem eu quero que você siga derrotando ginásios. Além do quê... - Ele sorriu da pior forma possível para a garota. - ... todos sabemos que tudo que você quer é desistir.

Se Kari não tivesse se controlado no último instante, teria saltado em cima do rival para espancá-lo até a morte. Respirou fundo, mas continuava tremendo de raiva. - Você não me conhece. E, sinceramente, eu não o conheço mais.

Isso por algum motivo tirou o sorriso do rosto do garoto, fazendo-o perder a compostura. - Você não entende o que está acontecendo, está? Estou te tirando de um mundo que você não pertence! Você é fraca! Irresponsável! Você tenta abocanhar mais do que pode, sempre erra miseravelmente e depois volta pra casa chorando com o rabo entre as pernas! Pare de fingir que é mais do que pretende ser!  - Gritou ele. - Você é apenas uma garota chorona e estúpida, que estará em Pallet quando as coisas se tornarem ruins. Faça um favor a si mesma e a seus Pokémon, e adiante o inevitável. Desista e volte para casa.

Kari abaixou a cabeça e ficou em silêncio, sentido os olhos de todos em si mesma. Fechou os punhos com tamanha força, que suas unhas rasgaram a pele, fazendo o sangue desce quente pelas mãos. Quando voltou a encarar o rival, seus olhos brilhavam de lágrimas e raiva. - Não pense que me conhece. Estou nessa jornada há tanto tempo quanto você, e no entanto já passei por coisas que tenho certeza que você não passou, e conseguiu superar todas. E agora um garoto mimado vem me mandar desistir, depois de ter cometido tantas atrocidades, apenas porque está com medo da garotinha chorona que conheceu há anos conseguir realizar o sonho dele? Gary, eu já conheço os Rockets, e prometi a mim mesma e a meus Pokémon que faria mais da minha jornada do que era me pedido. Eu iria dar o meu máximo para combater as injustiças que eles fazem, e agora elas se extendem a você. Portanto, eu não irei voltar para casa. Eu não irei desistir. Pelo contrário. - Ela deu uma pausa, levando a mão instintivamente ao cinto para pegar suas Pokébolas, que não estavam lá. - Eu vou acabar com você e com seus Rockets. Tenha certeza disto.

O rosto de Gary ficou púrpura de tanto vermelho, e ele também levou as mãos às Pokébolas. - Que seja, então. Vamos fazer isso do jeito mais fácil.

Os dois se encararam, presos no corredor fechado que lentamente ia sendo destruído. Dois amigos de infância, ambos correndo pelo mesmo sonho, agora cruzando uma linha que não poderia ser descruzada. E ambos sabiam disso.

 - HERMES! - Gritou Gary, segurando firmemente a Pokébola.

 - SARA! - Respondeu a garota, enquanto sua Sandslash se ajeitava à sua frente.

  - VÃO! - Gritaram os dois.

O Pidgeotto saiu em velocidade da Pokébola, rapidamente investindo contra Sara. O impacto os fez atingir a pilha de destroços que era a cabine do capitão. A Sandlsash pegou um dos restos do navio e bateu no corpo de Hermes, fazendo-o desmaiar rapidamente. Quando Kari se virou, o Wartotle de Gary já estava em posição.

 - Wanda! - A Beedrill avançou contra Titã, usando o ferrão da mesma forma que havia usado contra a Starmie de Misty. O golpe acertou em cheio o adversário, que se retraiu em sua concha. Wanda deu duas voltas em torno dele, acertando um dos espaços abertos da carapaça, incapacitando o oponente.

Sem nem pestanejar pela perda de metade do seu time em menos de cinco minutos, Gary conjurou seu Kadabra. - Felicia, hora de estrear! - Gritou Kari. A Meowth hesitou por um instante, mas saltou ao encontro de Merlin e abocanhou-o.

Merlin afastou a adversária, envolvendo-a com uma aura rosa. Felicia foi jogada para o outro lado do corredor, enquanto o Kadabra envolvia uma peculiar colher de prata nas mãos, concentrando toda a sua aura no objeto.

 - Isso não é bom! Felicia, acabe com ele antes que isso termine! - Felicia passou por Kari como um raio, mordendo o rosto do adversário bem em cheio. O Kadabra perdeu a concentração e caiu, derrotado.

No entanto, mesmo sem três quartos do time, Gary voltava a sorrir. - Do que você está rindo? - Perguntou Kari.

 - Ah, nada. Exceto pelo meu próximo Pokémon. Talvez seja alguém... familiar. - Ele liberou a Pokébola, e a energia vermelha que saiu dela rapidamente tomou uma forma de roedor. Era um Raticate, pensou Kari, mas parecia extremamente familiar...

O coração da garota parou por alguns instantes, e ela ficou petrificada em sua posição. Não conseguia acreditar em seus olhos, mas parecia ser a mais pura verdade.

Gary havia acabado de liberar Nala.

 - O-o... o que está acontecendo aqui? - Perguntou ela, sem conseguir formular um pensamento seuqer.

 - Bem, foi uma história engraçada. Eu estava saindo de Cerulean quando ela me encontrou. Falou algumas coisas sobre querer ser a Campeã, e que você parecia estar tentando tirá-la do time. Bem forte, Kari, não esperava que você, a querida defensora dos indefesos, poderia fazer isso. - Replicou Gary de forma sarcástica.

 - Nala... é verdade?

O rosto da Raticate estava indecifrável. - Eu lhe disse, Kari, mas você não quis me ouvir. Vou repetir: farei de tudo para ser a Campeã.

 - M-m-mas...

 - Por favor, Kari, vamos deixar as conversas de novela para outra ocasião. Escolha seu Pokémon e vamos terminar a batalha.

 - E-e-eu... - A garota olhou para seu time, todos sem resposta à situação.

 - Ah, então você vai desistir da luta? - Interrompeu Gary.

Kari respirou fundo. Não conseguia colocar ninguém para enfrentar a ex-membro do time, e nenhum deles parecia querer fazer isso. - Certo, eu...

 - CHEEEEEEEEEGUEEEEEEEEEEEEEEEI! - Gritou uma voz ao fundo. Todos se viraram para ver o que estava acontecendo, quando um borrão azul passou por eles, atingindo a Raticate no caminho. O borrão bateu as asas, jogando vento no rosto de Kari, que protegeu os olhos. Sentiu um peso ser colocado em suas mãos, que tinha a textura bem parecida com sua mochila. Quando voltou a enxergar, Zelda estava parada em sua frente, encarando Nala em pose de combate.

 - Zelda?

 - Qual é, Kari? Eu estava ouvindo tudo de bem longe. Vai desistir agora, por causa de uma ex-membro do time? Tenha dó! - Gritou a Zubat, ainda encarando os adversários.

 - Mas...

 - Ela fez sua escolha! Se isso implica em se tornar nossa adversária, que seja! Nós não vamos nos deixar abalar por causa disso. E além do mais... - disse ela, virando a cabeça para encarar o Charmeleon. - ... Pensei que Kenichi iria dar um discurso desses.

Kenichi encarou-a por um tempo, até soltar um sorriso pelo canto da boca. - Bem, tive um momento de perplexidade, assim como Kari, não é? - Perguntou ele, encarando a treinadora. Kari encarou-o e sorriu de volta.

 - Mas é claro. Zelda, vamos acabar com eles! - Gary pareceu perplexo enquanto os adversários se preparavam para a batalha. No entanto, ele rapidamente se recompôs, voltando a se focar.

 - Que seja! Nala, acabe com eles! - Nesse momento, uma enorme explosão acertou o andar de baixo, lançando chamas em todas as direções. Gary e Kari se protegeram do fogo, mas uma densa fumaça negra rapidamente se alastrou pela galeria, impedindo os garotos de respirar.

 - Voltem! Todos! - Kari recuou seus Pokémon, enquanto Gary lançava seu Kadabra e tentava reanimá-lo. A garota terminou de guardar seu time e se virou para o adversário. No entanto, as chamas estavam tão altas, e a fumaça estava tão densa, que mal conseguiu vê-lo. - Gary! - Gritou, mas não havia resposta audível. Ela se virou desesperada para trás, onde uma janela exibia palidamente a luz do dia lá fora.

Kari correu até a janela, procurando alguma rachadura ou algo do tipo. Para seu azar, essa parte do navio parecia intacta. Ela correu até a cabine para procurar algum objeto forte, mas a fumaça já havia chegado em seus olhos, tampando parcialmente sua visão e fazendo-a tropeçar no escuro. Alguma coisa atingiu seu estômago, soltando todo o ar que tinha guardado. Em um movimento involuntário, a garota respirou um pouco, inalando a fumaça negra.

Se sentia terrível, com a cabeça zonza e respiração falha. Tentou tatear pelo chão, mas já não conseguia mais ver a janela. Começou a tossir desesperadamente, mas não conseguia mais recuperar o ar que saía. Seus olhos começaram a turvar, e a fumaça a cobria como um manto. Não posso cair assim, pensou, enquanto tentava ficar em pé. Voltou a cair no chão, e não conseguia mais se mexer.

Eu vou morrer, pensou desesperada. Seus membros já não respondiam, e a escuridão ia se apossando dela. Os sentidos se desligavam um por um.

Finalmente, o mundo ficou negro.

terça-feira, 9 de abril de 2013

RN Nuzlocke LG : 15 - S.S.Anne


RECINTO NERD NUZLOCKE - LEAF GREEN - 

CAPÍTULO 15: S.S.ANNE

Vermilion era a mais nova cidade de Kanto, construída com polpudas verbas federais nos últimos anos, de forma a servir como um porto para a região e funcionar como um contrapeso simbólico à decadência de Lavender e Celadon. Sua construção foi terminada havia apenas três anos, e muitos prédios ainda estavam sendo colocados em pé.  No entanto, o porto já funcionava, assim como estabelecimentos renomados como o internacional Fã-Clube Pokémon, o primeiro de Kanto.

Kari e companhia foram até o Centro Pokémon, extremamente cansados da viagem. Assim que entraram no quarto, dormiram imediatamente. No dia seguinte, quando a treinadora estava no restaurante tomando o café da manhã, ela entreouviu dois homens na mesa ao lado, dizendo em voz alta que o S.S.Anne estaria zarpando na manhã do dia seguinte, e que vários membros da classe alta estavam na cidade.

Com a passagem para o cruzeiro em mãos, o grupo andou por Vermilion e seus arredores para passar o dia. Foram até o Fã-Clube, que estava apresentando uma bizarra palestra sobre criação de Rapidash, e se aventuraram pelos cantos à leste da cidade. Capturaram uma Spearow chamada Beatrice na rota 11, e um Digglet chamado Dave na Caverna dos Digglets, construção natural feita pelos Pokémon, que ligava Vermilion aos arredores de Pewter. Kari também aproveitou e comprou roupas novas para o cruzeiro nas lojas de Vermilion com o dinheiro que ganhou por derrotar Misty, tendo todo o cuidado para manter Zelda fora do estabelecimento.

No dia seguinte, saíram cedo para o porto. Havia uma pequena fila no local, e uma série de pessoas de alta classe esperando no sol. O ânimo de Kari começou a cair logo em seguida.

 - Olhem isso. Só tem top models, gente rica e gente famosa. Eu acho que não quero mais entrar no cruzeiro. - Disse a garota, começando a se virar para o outro lado.

 - Kari, você está bem? Você não é do tipo de fazer esse tipo de coisa. - Disse Sara.

A garota mordeu a língua, ajeitando a mochila no ombro e voltando para a fila. - Certo.Vamos lá então. - Ela deu um sorriso triste, que não reconfortou ninguém na equipe.

Mostraram o ingresso e entraram no navio ancorado, passando por tapetes luxuosos e elevadores de última geração. Tudo que encontravam representava beleza e riqueza, mesmerizando o grupo. As coisas não melhoraram quando acharam o quarto. Como o aposento era perto da piscina, passaram por um grupo de modelos em trajes de banho, que olharam com desdém para a garota com vestes simples e sua mochila esfarrapada. Kari ficou olhando para elas quando passaram, ouvindo os risinhos cruéis. Abriu a porta do quarto, jogou a mochila em um canto e mergulhou na cama, com o corpo virado para baixo.

 - Podem ir na frente. Eu já acompanho vocês. - Disse ela, com a voz abafada pelo lençol.

 - Tem certeza, Kari? - Perguntou Liz.

 - Tenho.

O grupo se entreolhou, e começaram a sair. Quando ouviu a porta bater, a treinadora virou a cabeça para poder respirar melhor. Ao fazer isso, sentiu um cheiro familiar de queimado.

 - Kenichi, o que ainda está fazendo aqui?

 - Ah, você sabe. Observando o lugar. - Pelo canto do olho, Kari viu o Charmeleon observar um quadro pendurado na parede bege. - Veja, esse é um belo Smeargle. A pintura é excelente, embora não transpire muita emoção.

 - Kenichi, qual é o seu problema? Ser um crítico de arte não é bem o seu estilo.

 - É? Bem, ser derrotista também não é o seu estilo. O que está acontecendo com você?

Kari suspirou, e se ajeitou na cama, apoiando as costas nos inúmeros travesseiros. - O que está dizendo? Estou bem.

 - Não, não está. A Kari que conheço  iria falar algo com aquelas garotas ali na frente. Você foi pra cama chorar.

 - Cala a boca.

 - Não, eu não vou. Escute. - Ele se aproximou, apoiando os braços na cama. - O que aconteceu, aconteceu. O que você precisa fazer é garantir que não volte a acontecer.

 - Do que você está falando?

 - Todos nós sabemos que você ficou abalada com a desistência de Nala e a morte de Bernard. Só que ninguém vai falar com você porque todos têm medo de te fazer voltar àquele estado estranho. Bem... - Ele estendeu os braços. - ... eu não tenho!

Kari ficou encarando-o por alguns instantes, e deitou virada para o outro lado, abraçando um travesseiro. - Já disse que estou melhor, Kenichi.

 - Não, você está um pouco melhor do que antes. Por isso não está toda aberta, contando tudo que está sentindo. Isso você faz quando está no fundo do poço. Você está na fase em que qualquer coisa pode te derrubar.

 - O que... o que você sabe sobre mim, hein? Pare de achar que de repente sabe tudo sobre psicologia.

 - Primeiro de tudo. Eu sou um Pokémon bastante perceptivo, embora não pareça. Segundo. Você acha realmente que, vivendo em Pallet desde que eu nasci, eu nunca ouvi falar de você.

Um silêncio estranho surgiu depois disso, enquanto Kari sentia um peso descer pelo estômago. - Você... você já tinha ouvido falar sobre mim?

 - Sim.

Ela se virou, encarando o Charmeleon nos olhos. - Quer dizer que você sabe sobre o meu...

 - Sim, claro. - Interropeu o Pokémon. - Carvalho falava muito sobre você. No entanto, ele tinha esperança de que você superasse esse seu problema.

Kari se sentou, abraçando os joelhos. - Não é tão fácil, Kenichi. Eu tento evitar que esse problema existe, mas... os acontecimentos recentes fizeram eles voltarem à tona.

 - Sim, por isso vamos usar o meu método para resolver esse problema. Ele é bastante simples e direto, portanto preste atenção. Você pode fazer algo por Nala e Bernard?

 - O que quer dizer?

 - Agora, nesse momento. Há algo que você possa fazer para trazer Bernard de volta à vida?  Há algo que você possa fazer nesse quarto para que Nala volte à equipe?

Kari ficou em silêncio. - Não. - Disse, finalmente.

 - Então não há razão para se sentir para baixo. Simples.

 - Acho que a palavra é simplório. As coisas não são tão simplistas, Kenichi.

 - Não são porque você não quer que sejam. Você precisa se sentir culpada, para alimentar seus problemas. Pois eu digo que não. Você já decidiu continuar essa jornada, e agir desse jeito não resolverá nenhum problema. Tudo que precisa é dar o seu máximo para garantir que ninguém mais morra ou nos abandone.

  - Eu...

 - Não é pra você mudar tudo agora. Apenas pense nisso quando se sentir na pior. Acredite, precisaremos de você na sua melhor forma daqui em diante. Eu sugiro aproveitar esse momento para começar a aprender a relaxar a cabeça.

 - Mas... e se o meu problema...

 - Desistência. Fale sobre isso sem medo, Kari, pelo amor de Arceus.

Kari ficou encarando o colchão por algum tempo, até que voltou a encará-lo. - Certo. O meu problema de desistência. Ele tem me assombrado desde que eu era criança, Kenichi, e nada do que eu faça parece fazê-la sumir. Eu tento afugentá-la, mas... ela sempre volta. Eu não consigo combater esse... desejo de simplesmente voltar para Pallet e me esconder debaixo da minha cama. Eu... - Ela fungou, sentindo seus olhos se encherem de lágrimas.

 - Kari, acho que esse problema é meio profundo e pessoal para você. No entanto, se te ajudar, é só comparar você mesma com aquele Gary. - Kenichi sorriu, colocando as mãos no quadril. - Quero dizer, se ele ainda não desistiu depois de ter apanhado tantas vezes, não tem como você, que nunca perdeu uma partida, jogar a toalha antes dele.

Kari riu alto, e fungou o nariz em seguida. Se sentia um pouco melhor, e o sentimento ia crescendo em seu peito.

 - Obrigada, Kenichi. Sério mesmo.

O Charmeleon deu de ombros. - Apenas botei você de volta nos eixos. Agora bote aquele bikini que você comprou e vamos para a piscina. Quem sabe eu não queimo os trajes daquelas modelos quando passarmos por elas?

Chegaram à piscina dez minutos depois. A garota usava um traje de banho rosa e pomposo, e avistou vários olhares de reprovação. No entanto, desviou de todos com um leve sorriso. Avistaram Sara e Liz sentadas em uma cadeira. A Sandslash estava conversando com um Growlithe, e entreolhou Kari e Kenichi se aproximando, sorrindo.

 - Oh, vejo que você está melhor, que bom. Sente-se. - A garota se sentou entre a Wigglytuff e Sara. A Sandslash indicou com a mão o Growlithe. - Este é meu velho amigo, Gordon. Seu treinador é membro de uma organização policial internacional que está investigando os Rockets, e chegou a Kanto pelo S.S.Anne.

Gordon acenou com a cabeça. - Muito prazer em conhecê-la, minha jovem. Sara me falou muito de você enquanto estávamos celebrando essa chance rara que dois amigos têm de se reencontrar depois de tanto tempo. Devo-lhe dizer que nossa organização agradece profundamente os esforços que a senhorita está fazendo para deter os Rockets. São muito bem-vindos.

  - Obrigada, acho. - Disse Kari, desconcertada. - Onde está o seu treinador?

 - Ele está conversando com o capitão nesse momento, para mantê-lo informado de qualquer atividade suspeita. Como apenas eu e ele estamos investigando Kanto, precisamos de informantes em todos os lugares.

 - Não entendi. Apenas ele veio investigar os Rockets?

      O Growlithe olhou envergonhado para baixo. - Devo-lhe dizer, minha garota, que nossa organização apenas suspeita dos Rockets, e viemos apenas confirmar provas. Além do quê, uma série de problemas está se alastrando pelo mundo. Temos relatos de problemas recorrentes em Hoenn, e informes de coisas terríveis ocorrendo debaixo dos panos em Sinnoh e Unova. Somos um grupo pequeno, e os problemas parecem mais graves em outro lugar.

       - Entendo. - Disse Kari, se recostando na cadeira. Sara e Gordon voltaram a conversar, e a garota se virou para Liz. - Onde estão os outros?

    - Felicia disse que estava com fome, e Zelda a arrastou até as cozinhas. Eu acho que Wanda estava observando os marinh--

       - Espere. Você disse que Zelda foi para as cozinhas? - Interrompeu Kari.

       - Eu acho que sim. Qual é o problema... oh. - Liz parou, parecendo entender a situação.

Subitamente, o sol ao redor de Kari foi coberto e ela sentiu uma cutucada nas costas. Quando se virou, viu um grande homem vestido de azul e boina, segurando Zelda em uma mão e Felicia na outra. Ele começou a falar com uma voz profunda: - Com licença, senhora. Eu peguei esses dois Pokémon lá embaixo invadindo e bagunçando as cozinhas. A Meowth aqui me disse que você era a treinadora.

 - M-me desculpe, Kari. E-eu disse que estava com fome, e Zelda disse que íamos direto na fonte, e--

 - Bobagem! Se eu paguei por esse cruzeiro, eu deveria ter acesso às salas! - Interrompeu Zelda, tentando se desvencilhar do homem, que liberou as duas depois de alguma resistência.

 - Por favor, assine aqui. - Disse ele, estendendo um papel em uma prancheta. - Os gastos que as duas fizeram será descontado na sua conta. Kari assinou o papel relutantemente e o homem saiu.

 - Zelda, gostaria de saber se seu foco de vida é acabar com o meu dinheiro assim que eu o recebo. - Reclamou Kari, sentindo o rosto ficar vermelho.

 - Ei, se acalme. Ouça a minha explicação. - No entanto, nunca ouviram a explicação de Zelda, pois uma enorme explosão sacudiu o convés do navio, estourando vidros e deslocando as telhas de madeira do chão. Kari agarrou a cadeira e olhou ao redor, assustada. As pessoas se entreolhavam e apontavam, mas o espanto não os deixava reagir de forma mais adequada, até que o navio começou a inclinar para o lado.

O que se seguiu foi um pandemônio, com objetos derrubados e pessoas correndo para as saídas. Kari levou a mão à cintura para buscar suas Pokébolas, mas se lembrou que havia deixado-as no quarto. Levantou a cabeça para ver a saída, que estava entupida de pessoas.

 - Preciso ir até a cabine do capitão! - disse o Growlithe, saindo em disparada para a escada.

 - Kari, precisamos seguí-lo! - Gritou Sara para tentar ser ouvida no meio do caos. A garota tornou a olhar para a saída, que continuava lotada.

 - Zelda, pegue minhas coisas no meu quarto! O resto de nós vai seguir Gregor! - Kari se levantou e começou a correr para as escadas, acompanhada pelo resto de seus Pokémon. Subiram os degraus e entraram em uma sala que continha apenas um elevador e novas escadas. Viram o rabo felpudo do Growlithe descendo e o seguiram, chegando ao terceiro andar. O corredor estava em processo de destruição avançada, com grande parte do teto e do chão destroçados. Kari saltou pelas telhas relativamente intactas e seguiu pela galeria até chegar em uma sala no fim.

Quando entrou, quase vomitou em seguida. O capitão estava fardado e caído no chão, visivelmente morto. Ela tateou até a porta, dando o máximo para manter seu café da manhã dentro de si. Gregor farejou o corpo, se virando para a garota.

 - Ele foi envenenado!

 - O quê? Gregor, você tem certeza? - Perguntou Sara. Um dos pedaços do teto caiu, destruindo a mesa e levantando a poeira nos olhos deles. Quando voltaram a enxergar, o Growlithe havia sumido.

 - O que diabos está acontecendo aqui? - Perguntou Kenichi, olhando para os lados. Kari se apoiou nos joelhos, respirando fundo. Quando terminou, levantou a cabeça para ver o corredor a sua frente, e alguém familiar estava parado perto dos destroços. A garota se esticou e estreitou os olhos, esperando ter confundido a pessoa por causa da poeira. No entanto, estava certa.

Gary Carvalho estava de braços cruzados à sua frente, e com um estranho sorriso no rosto.